Marita e Juan Manuel, ex-aluno da missiologia de São Paulo,
com um mestrado sobre o Colégio de Santa Cruz de Tlatelolco. Ambos trabalham
com grupos sociais “insustentáveis” para o sistema, respectivamente com jovens
de rua e com povos indígenas. Ambos têm passagem pela vida religiosa. Ao
desafinar o coro dos contentos, suas respectivas congregações ficaram
assustadas.
Marita e Juan Manuel começaram a radicalizar sua vida religiosa
fora da vida religiosa, procurando escapar do “curto-circuito e do congelamento
na vida religiosa”, no dizer do Pe. Alfredo J. Gonçalves. Na cerimônia do
casamento se entregaram sementes e prometeram: „Nessas sementes temos a
possibilidade de engendrar vida nova em nós e para os outros. Compartilhamos
juntos esta vida e que ela seja sinal de alegria e esperança para a
humanidade”.
Curto-circuito e
congelamento na vida religiosa
Pe.
Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais
Sociais
O sentido figurado do curto-circuito vem do campo da
eletricidade. Segundo o site do Google, por exemplo, o fenômeno "ocorre
porque a corrente elétrica que sai do gerador percorre todo o circuito e volta
com a intensidade muito elevada. Ele pode causar vários danos nos circuitos
elétricos, pois provoca reações muito violentas em virtude da dissipação
instantânea de energia. Nessas reações ocorrem explosões, dissipação de calor,
produção de faíscas....”. Como bem sabemos, a causa imediata de não poucos incêndios
reside em tais distúrbios no circuito da rede elétrica.
Os curtos-circuitos na Vida Religiosa
Transportando essa imagem para as relações no interior da
Vida Religiosa, não é difícil identificar os curtos-circuitos que esta pode
sofrer. São entraves e impasses que impedem um convívio sadio e saudável. O
mesmo poder-se-ia dizer das relações humanas em geral, mas ficaremos no campo
da vida religiosa. Neste caso específico, a interpretação pode ampliar o
significado da metáfora. Ou seja, podemos falar de curto-circuito em duas
situações estremadas: de um lado, quando as energias voltadas para a conquista
do "meu” se sobrepõem ao empenho com a busca e preservação do
"nosso”. O choque entre os interesses pessoais e coletivos será
inevitável. O resultado previsível se manifestará numa descarga de agressão,
explosão e incêndio.
Quanto o "eu” prevalece sobre o "nós”, são comuns
atitudes de isolamento e falta de comunicação. O meu projeto pessoal torna-se
mais importante que o projeto comunitário. O mutismo, que é a recusa da
partilha e do diálogo, me poupa de submeter o projeto ao grupo. Não preciso me
expor à opinião dos outros. O personalismo, o centralismo e o individualismo
(para não falar de outros "ismos”) têm a primazia sobre o "trabalho
orgânico e de conjunto”. Instala-se assim uma espécie de paz armada, onde cada
um, sempre na defensiva, afia suas armas para defender as ideias e iniciativas
pessoais. Usando outra metáfora, poderia dizer-se que se trata de uma
guerra-fria no interior da vida religiosa. A paz é fruto do medo do confronto e
do enfrentamento de argumentos. Teme-se o poder bélico do outro: é a paz do
cemitério, não de um convívio fraterno e alegre. Quando o choque se torna
inevitável, resulta normalmente em curto-circuito e explosão.
De outro lado, o curto-circuito pode originar-se numa
ansiedade exacerbada por resultados imediatos. A comunidade se torna refém do
critério capitalista da eficácia. É preciso fazer, produzir, multiplicar
tarefas. Estamos no caminho mais seguro para o ativismo e a dispersão. Em meio
aos apelos e exigências do cotidiano, facilmente se perde o foco do carisma. As
energias se chocam e tomam direções desconexas, como os raios de uma roda que
não dispõe de eixo centralizador. O pressuposto básico de semelhante ativismo
passa pela ideia equivocada de que o religioso/a é o protagonista da mudança
sociopolítica. Daí o imperativo da ação. Pior ainda quando tal equívoco vem
acompanhado de falta de fé e da alta de paciência histórica, que, no fundo, são
duas irmãs siamesas. Neste caso, achamos que podemos concentrar sobre nós a
função de instrumento nas mãos de Deus e, ao mesmo tempo, a função do Espírito
Santo. Diante dessa sobrecarga, não é difícil prever o fim da linha desse
acúmulo de atividades: esgotamento, estresse, desencanto, fragmentação e
descentramento. A auto-suficiência não permite que o Espírito faça a sua parte.
Na mesma perspectiva está a ideia, igualmente equivocada, de
que o carisma nos confere o monopólio de determinadas situações históricas e
nos obriga a encontrar soluções para a precariedade das mesmas. O problema da
pobreza e dos pobres, em suas mais diversas manifestações, é um problema
econômico, político, social e cultural – portanto da sociedade como um todo. Da
mesma forma que a globalização, trata-se de um problema local, nacional e
mundial. Responsáveis por ele são governos, instituições, política
internacional, autoridades, Igreja, pessoas, etc. As congregações religiosas
têm aí um papel fundamental, é claro, mas não necessariamente determinante. A
sua contribuição relaciona-se antes de tudo à ação gratuita do Evangelho e não
tanto à obtenção eficiente de resultados. Religiosos e religiosas são
chamados/as a ser um testemunho vivo nessas situações ou realidades que
contrastam com o Projeto de Deus, de acordo com seu carisma específico.
O clamor dos pobres nos diz respeito, evidentemente, mas ultrapassa nossas forças e nossa capacidade de resolução. Essa humildade diante dos milhões de crucificados da história abre espaço para outros tipos de ações solidárias que podem vir de movimentos sociais, entidades, organizações não governamentais, políticas públicas do Estado, e assim por diante. Os distintos carismas não nos obrigam a colocar sobre os ombros os dramas e o peso de grupos marginalizados cujas necessidades estão muito acima de nossas capacidades. Com nossa fragilidade e limitações, somos chamados a ser uma pequena luz, uma gota d’água, um exemplo vivo de como tais situações podem ser humanamente tratadas. Não a carregá-las sobre os ombros, como se fossem uma espécie de "propriedade privada” derivada do carisma específico. Essa pretensão, não raro, é fonte de muita ansiedade, acompanhada de desilusões e desistências. O fracasso, nestes casos, costuma ser proporcional às expectativas que tendemos a alimentar como "salvadores da pátria”.
O clamor dos pobres nos diz respeito, evidentemente, mas ultrapassa nossas forças e nossa capacidade de resolução. Essa humildade diante dos milhões de crucificados da história abre espaço para outros tipos de ações solidárias que podem vir de movimentos sociais, entidades, organizações não governamentais, políticas públicas do Estado, e assim por diante. Os distintos carismas não nos obrigam a colocar sobre os ombros os dramas e o peso de grupos marginalizados cujas necessidades estão muito acima de nossas capacidades. Com nossa fragilidade e limitações, somos chamados a ser uma pequena luz, uma gota d’água, um exemplo vivo de como tais situações podem ser humanamente tratadas. Não a carregá-las sobre os ombros, como se fossem uma espécie de "propriedade privada” derivada do carisma específico. Essa pretensão, não raro, é fonte de muita ansiedade, acompanhada de desilusões e desistências. O fracasso, nestes casos, costuma ser proporcional às expectativas que tendemos a alimentar como "salvadores da pátria”.
Frio e descongelamento na Vida Religiosa
Na contramão do curto-circuito explosivo e causador de
incêndios, a vida religiosa também poder acumular pequenas pedras de gelo.
Pedras que, se não descongeladas a tempo, podem desencadear uma avalanche
crescente. Embora em lados opostos de frio e calor, tanto a avalanche de neve
quanto a explosão derivada do curto-circuito devastam tudo que encontram pela
frente. Na Vida Religiosa, isso representa uma dupla preocupação: conter as
energias descontroladas e dispersivas (o fogo que tudo consome), por uma parte,
e tratar de desfazer o gelo do mutismo e dos momentos constrangedores (o frio
que mata), por outra. Em ambos os casos, só existe um método eficaz: o diálogo
maduro, respeitoso e evangélico. O que costumamos chamar de correção fraterna.
Aqui a sabedoria está no meio termo: serenidade diante do calor excessivo e
abrasador, e ambiente caloroso e humano diante do congelamento impenetrável das
relações.
Semelhante tarefa de
descongelar ou de apaziguar se dá em todos os tipos de relação: consigo mesmo,
com o coirmão, com o pobre, com a natureza e com Deus. De imediato, convém
lembrar que essas distintas dimensões relacionais não constituem gavetas
fechadas, e sim espaços comunicantes entre si. Exemplificando, resolver os
curtos-circuitos ou descongelar as pedras de gelo no âmbito da vida pessoal, é
simultaneamente abrir-se a uma nova relação nos demais âmbitos. E inversamente,
cultivar a intimidade com Deus e uma convivência fraterna na comunidade
enriquece e aprofunda o próprio crescimento individual. Vale o mesmo quanto à
relação com as obras da natureza e com o compromisso no meio dos pobres. Uma
relação sadia em qualquer uma dessas dimensões comunica-se imediatamente às demais,
gerando uma dinâmica dialética em espiral crescente. Dinâmica que rompe com o
círculo vicioso do gelo ou do curto-circuito que tende à paralisia e ao
comodismo.
O contágio é ao mesmo tempo positivo e negativo. Um
relacionamento frio, isolado ou em curtos-circuitos explosivos contagia todas
as dimensões relacionais da vida sobre a face da terra, e com maior razão as
relações dentro da comunidade religiosa ou até mesmo da família. E ao
contrário, um relacionamento aberto, caloroso e solidário, capaz de administrar
serenamente as descargas elétricas de cada um e dissolver as pedras de gelo,
também contagiará as relações com Deus, com a natureza e com as situações
desafiadoras do contexto histórico. Sem esquecer a paz e a alegria interna que
isso traz a cada membro do grupo religioso. Não a paz armada, como vimos acima,
mas a paz que brota do diálogo franco e mutuamente enriquecedor. Converter-se a
uma relação sadia em qualquer uma dessas áreas é converter-se a uma vida
saudável e fraterna em todas elas. Quebrar o gelo constrangedor ou apagar o
fogo de um entusiasmo ilusório tem um efeito cascata sobre todas as dimensões
da Vida Religiosa. Desencadeado o processo, tudo se ilumina, abrindo horizontes
novos à vocação e à missão.
Numerosas personagens bíblicas poderiam ser chamadas a
testemunhar isso. Tomemos alguns casos: Moisés, Elias, Jonas, Rute, entre
tantas outras. Em todas elas o medo, o cansaço, o descrédito, ou o exílio
tendem a paralisar ou a congelar o entusiasmo com o Projeto de Deus. Em algumas
delas, igualmente, as expectativas falsas podem desejar destruição e morte, num
curto-circuito explosivo. Daí a necessidade do encontro com Deus que traz
serenidade diante do fogo e novo ardor diante do gelo. Moisés, no calor de uma
santa ira, é contido no seu ímpeto de tudo resolver por sua própria força
física. Elias é despertado de seu sonambulismo doentio para pôr-se novamente em
marcha. A trajetória de Rute e Jonas ajuda a quebrar o gelo de um fechamento
estreito e excludente, próprio no nacionalismo israelita.
Em Jesus, tudo fica ainda mais claro ainda. O Messias vem
para descongelar situações em que as pessoas haviam se tornado escravas do
próprio cumprimento estrito da Lei. O profeta itinerante liberta-as para uma
nova vida no espírito. O Espírito Santo, por sua vez, desce como fogo, barulho
e vento forte para renovar o ardor missionário do grupo mutilado pela tragédia
da cruz. Por outro lado, apesar de trazer fogo à terra, Jesus contém o
entusiasmo fácil daqueles que sonham com a violência para implantar o Reino de
Deus.
[ Adital, 02.07.12 –
Mundo]
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