D. Raúl Vera e “Las Patronas”, premiados pela luta a favor dos migrantes de passagem pelo México

D. Raúl Vera e “Las Patronas”, premiados pela luta a favor dos migrantes de passagem pelo México

D. Raúl Vera: Las Casas do século XXI

O bispo Raúl Vera López e “Las Patronas”, um grupo de mulheres que dá de comer a migrantes em sua passagem pelo México, foram premiados com a Medalha ao Mérito da Universidade Veracruzana (UV), no espaço da Feira Internacional do Livro Universitário (FILU), que em sua edição de 2016 tem a França como país convidado.

A reportagem é de Eirinet Gómez, 
publicada por La Jornada, 25-04-2016. 
A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
 Fonte: UNISINOS

Durante a cerimônia de premiação Sara Ladrón de Guevara, reitora da UV, disse que há alguns anos, o país encontra-se afundado em uma guerra irracional e absurda, “uma guerra sobre cujo estouro ninguém consultou-nos, onde já não é possível distinguir os lados em disputa, e onde podem se intercambiar os papéis e a situação não modificaria o nível de violência que nos afeta”.



"Trata-se de uma guerra que custou milhares e milhares de vidas humanas, e que deixou inúmeras famílias afundadas no luto, na dor, na tristeza, na impotência, frustração e raiva".

D. Raúl Vera e o Papa Francisco no sepulcro
de D. Samuel Ruíz na Catedral de Chiapas
Neste contexto de guerra, "que custou a vida de centenas” – senão de milhares – de pessoas inocentes, Ladrón de Guevara disse que pessoas como Raúl Vera e Las Patronas representam o caminho para a paz.

Em Saltillo, Coahuila, Raúl Vera "recorda a sua experiência ao lado de Samuel Ruiz durante o processo de paz, após o levante zapatista, em Chiapas, e dedica seu trabalho pastoral para a defesa dos direitos trabalhistas dos trabalhadores na região, para a defesa dos direitos humanos dos migrantes, e em defesa dos familiares das pessoas desaparecidas".

Em Amatlán de los Reyes, Veracruz, "Las Patronas estão há mais de 20 anos estendendo as mãos para oferecer aos migrantes um alimento que lhes abrande os estômagos, mas acima de tudo, que lhes apazigue, ou seja, que lhes traga paz à alma".

"Raúl Vera e Las Patronas deram início a uma empresa utópica que pressupõe a uma confiança vertiginosa no homem, estão percorrendo o que talvez seja o único caminho para a verdadeira paz”, disse Ladrón de Guevara, que agradeceu o exemplo de vida e o esforço para trazer a paz para uma sociedade – hoje mais do que nunca – que necessita dela.

A reitora da UV disse que a casa de estudos assim como eles busca contribuir para a defesa dos direitos humanos e o direito dos jovens a uma educação superior gratuita e de qualidade.


Depois de receber a Medalha das mãos de Ladrón de Guevara, o bispo Raúl Vera dedicou o prêmio às vítimas a quem os defensores dos direitos humanos servem e com as quais compartilham a vida.

“Sem as vítimas não faríamos nada na defesa dos direitos humanos, são elas quem realmente estão resistindo, e estão estabelecendo o padrão para corrigir a direção equivocada na qual está caminhando o mundo de hoje”.

“A experiência de conviver com elas, sofrer com elas, compartilhar suas condições é uma honra. É uma honra para nós quando junto a elas, somos perseguidos e depreciados como elas”, disse o religioso.

Diante de um auditório cheio de participantes, Raúl Vera disse que “quando alguém vê a grande diferença que existe entre o que sofre as injustiças e o que as pratica, que grande satisfação e privilégio é estar onde estão eles, onde estão os que sofrem”.


E o Papa disse: “Quero aqueles desenhos sobre a escrivaninha”

E o Papa disse: “Quero aqueles desenhos sobre a escrivaninha”: O Instituto Humanitas Unisinos - IHU - um órgão transdisciplinar da Unisinos, que visa apontar novas questões e buscar respostas para os desafios de nossa época. Parte da visão do humanismo social cristão, debatendo a sociedade do futuro.

Mensagem da coruja




A Coruja.

Corujinha, corujinha,
O que você enxerga por aí?
Tucanos feitos urubus,
Com bicos grandes
Brigando pela carniça,
- não sabem cantar.




Corujinha, corujinha,
O que você enxerga por aí?
Avestruzes velozes,
Que se escondem na areia,
Pavões depenados,
Sem pena de ninguém,
- nunca souberam voar.



Corujinha, corujinha,
O que você enxerga por aí?
Da neblina de madrugada
Vem um pássaro que sabe voar.
Escuto em seu grito rouco uma canção, 
O sonho de um povo acordado
Com vontade de lutar 
E esperança de viver.




                                             
Paulo Suess

Amoris laetitia: Sobre o Amor na Família segundo o Papa Francisco


Processo e preço da sinodalidade

Um primeiro olhar sobre a “Exortação Apostólica
Pós-Sinodal do Papa Francisco”



  Através de três palavras-chave da “Exortação Amoris laetitia” do Papa Francisco pode-se traçar um caminho que atravessa a generosa selva de 60 mil palavras de seu texto: sinodalidade, subsidiariedade e discernimento. Cada uma dessas palavras aponta para avanços e riscos que Francisco procura contornar com autores que servem como avalistas da legitimidade de seu texto, da continuidade de seu pensamento e da contemporaneidade do magistério eclesial a serviço do povo de Deus. Ao mesmo tempo abre frestas pelas quais entram raios de luz que permitem retratar o andar eclesial em câmera lenta.

        Na sinodalidade, com seus dois braços da colegialidade dos bispos e da participação das Igrejas locais, o papa reinterpreta seu primado entre iguais e abre mão da centralização e da solidão decisória do poder eclesiástico.

        A subsidiariedade reconhece o sopro do Espírito Santo nas Igrejas locais. O Papa Francisco procura delegar a solução de muitas “discussões doutrinais, morais ou pastorais” (AL 3), sem prejuízo à unidade da Igreja, aos lugares onde surgiram, sem intervenções tutelares permanentes do magistério. Atrás da subsidiariedade está o sonho de uma Igreja local adulta que caminha na unidade do Espírito Santo, portanto, de uma Igreja articulada no plural de suas culturas e dons.

        No discernimento – discernimento/discernir aparecem 40 vezes no texto -, como terceiro eixo, se expressa a vontade da mediação e harmonização das tensões entre normas gerais que pretendem garantir a unidade, e vivências contextuais e práticas não só na diversidade dos cinco continentes, mas também numa ética situacional que tem um olhar para as particularidades e a concretude de cada situação.

        Com esse triângulo entre sinodalidade, subsidiariedade e discernimento, com sua preferência para uma teologia indutiva, o papa retoma com novo vigor inspirações fundamentais do Vaticano II, que nesses 50 anos pós-conciliares apenas tibiamente foram assumidas. É claro que a partilha do poder, a diversificação da monocultura eclesiástica e a flexibilização de uma normatividade rígida com padrões éticos e rituais que não levam em conta a idiossincrasia das regiões e das pessoas, tem seu preço para manter equilíbrios internos. Aqui e acolá, o leitor da Amoris laetitia sente que, em nome da unidade do caminhar juntos, o Papa Francisco foi obrigado a sacrificar sua própria radicalidade evangélica.

        Mas o mundo não contemplado corretamente nessa Exortação, os chamados casos “irregulares” (casamento em segunda união, o casamento homoafetivo, a coabitação fora do casamento), não está disposto a vestir um sambenito para ser sacrificado pela manutenção de equilíbrios internos da Igreja na fogueira do mal menor. Ou vai engrossar a fila do êxodo eclesial ou vai dar seu jeito na catolicidade engessada, captando a essência do Evangelho, o perdão recíproco, a gratuidade e a esperança, não sem pedir o consentimento de Deus e trocar um piscar de olhos com o irmão Francisco.

[Esse texto é a introdução a um texto mais amplo que seguirá posteriormente]


Paulo Suess

O que Francisco está dizendo com “Amoris Laetitia”? Artigo de Massimo Faggioli

O que Francisco está dizendo com “Amoris Laetitia”? Artigo de Massimo Faggioli: O Instituto Humanitas Unisinos - IHU - um órgão transdisciplinar da Unisinos, que visa apontar novas questões e buscar respostas para os desafios de nossa época. Parte da visão do humanismo social cristão, debatendo a sociedade do futuro.

Trecho do Discurso do Papa Francisco aos Bispos na Catedral da Cidade do México (15.02.2016)


Peço-vos, Senhores Bispos...


O Papa Francisco com D. Raul Vera rezando diante
do túmulo de D. Samuel Ruiz, fundador da pastoral
indígena pós-conciliar no México (15.02.2016).


"Peço-vos um olhar de singular delicadeza para os povos indígenas, para eles e suas fascinantes e muitas vezes massacradas culturas. O México tem necessidade das suas raízes ameríndias, para não ficar um enigma sem
solução. Os indígenas do México esperam ainda que se lhes reconheça, efetivamente, a riqueza da sua contribuição e a fecundidade da sua presença para herdar aquela identidade que vos torna uma nação única, e não apenas uma entre outras" (15.02.2016.).

Homilia do Papa Francisco na Missa com as comunidades indígenas de Chiapas, México (15.02.2016)



Viagem Apostólica ao México

«Li smantal Kajvaltike toj lek – a lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma» (Sal 19/18, 8): assim começa o salmo que escutámos. A lei do Senhor é perfeita; e o salmista encarrega-se de enumerar tudo o que esta lei gera de bom em quem a escuta e segue: reconforta a alma, torna sábios os simples, alegra o coração, é luz para iluminar o caminho.

 Esta é a lei que o povo de Israel recebera das mãos de Moisés, uma lei que ajudaria o povo de Deus a viver na liberdade a que fora chamado. Lei que queria ser luz para os seus passos e acompanhar o peregrinar do seu povo; um povo que experimentara a escravidão e a tirania do Faraó, que experimentara a amargura e os maus-tratos, até que Deus disse «basta», até que Deus disse: «mais não». «Eu vi a aflição, ouvi o clamor, conheci a sua angústia» (cf. Ex 3, 9). Manifesta-se aqui o rosto do nosso Deus, o rosto do Pai que sofre com a dor, os maus-tratos, a injustiça na vida de seus filhos; e a sua Palavra, a sua lei torna-se símbolo de liberdade, símbolo de alegria, de sabedoria e de luz. Experiência, realidade que ecoa numa frase nascida da sabedoria criada nestas terras desde os tempos antigos e assim transcrita no Popol Vuh: «a aurora veio sobre todas as tribos reunidas. E logo a face da terra foi purificada pelo sol» (33). A aurora veio para os povos que sucessivamente caminharam sob as mais variadas trevas da história.

Nesta frase, há um anseio de viver em liberdade; um anseio que tem o sabor da terra prometida, onde a opressão, os maus-tratos e a degradação não sejam moeda corrente. No coração do homem e na memória de muitos dos nossos povos, está inscrito o anseio por uma terra, por um tempo em que o desprezo seja superado pela fraternidade, a injustiça seja vencida pela solidariedade e a violência seja cancelada pela paz.

O nosso Pai não só compartilha este anseio, mas Ele mesmo o suscitou e suscita dando-nos o seu Filho Jesus Cristo. N’Ele encontramos a solidariedade do Pai, que caminha ao nosso lado. N’Ele vemos como aquela lei perfeita assume uma carne, assume um rosto, assume a história, para acompanhar e sustentar o seu povo; faz-se Caminho, faz-se Verdade, faz-se Vida, para que as trevas não tenham a última palavra e a aurora não cesse de vir sobre a vida dos seus filhos.

Papa Francisco e Raúl Vera na
Tumba de Samuel Ruiz
De muitas maneiras e de muitas formas se procurou silenciar e cancelar este anseio, de muitas maneiras procuraram anestesiar-nos a alma, de muitas formas pretenderam pôr em letargo e adormecer a vida das nossas crianças e jovens com a insinuação de que nada pode mudar ou trata-se de sonhos impossíveis. Contra estas formas, a própria criação sabe levantar a sua voz: «Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8, 22)» (Enc. Laudato si’, 2).