Domingo da Trindade Santa e a inclusão do Terceiro



O Papa Francisco nos lembra: “Acreditar num Deus único que é comunhão trinitária, leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca trinitária” (cf. LS 239). Tudo está interligado: Deus, as pessoas, a natureza, o cosmo. “O mundo, criado segundo o modelo divino, é uma trama de relações” (LS 240), de relações trifásicas.

Se lembram ainda da “guerra do bem contra o mal” de Bush? Esse é o mundo binário, fanático, fundamentalista e excludente que elimina o outro. É o mundo dos justos contra os injustos, dos verdadeiros contra os mentirosos, dos deuses contra os demônios. Esse mundo não permite as diferentes cores da realidade social, psicológica e religiosa. Aplica as leis da física antiga às relações humanas de hoje.

A Trindade não aponta para a “terceira via” como resultado de um liquidificador que mistura tudo, mas para um salto qualitativo, dialético, messiânico, surpreendente. Esse salto resgata com sua memória subversiva o passado e antecipa o futuro.

Neste momento político, o Brasil precisa abandonar o sistema binário da luta dos bons contra os maus. O país necessita fazer um salto qualitativo para sua realidade profunda, que já contém a semente daquela possibilidade que está na nossa frente: a inclusão do Terceiro.
 Paulo Suess

Aliança dos Dom Quixotes com Santa Rita de Cassia



Causas impossíveis?



A esquerda partidária hegemônica, podre e autoritária, foi derrubada pela parceria igualmente podre e autoritária da socialdemocracia com a direita de setores ligados ao grande capital, a setores fascistas e ao fundamentalismo religioso. Não existe partido redentor para as causas redentoras dos pobres, dos outros ou da classe operária. Nunca existiu. Fora dos partidos e mesmo na clandestinidade partidária sobrevive um ou outro, não com cara redentora, mas com cara honesta, considerada ingênua, quixotesca no estilo de Pepe Mujica e Francisco Bergóglio. 

Estes não vão além de um mandato. Por um momento da história são freios de emergência para despertar em nós, novamente, o sonho do “bem viver” de todos. Nos restam duas possibilidades: invocar a Santa Rita, por ser a santa das causas impossíveis, ou construir a aliança dos Dom Quixotes.

Michael Löwy: O golpe de Estado de 2016 no Brasil




“Somos contra o golpe, não em favor de Dilma, que foi mais que negligente no trato dos povos indígenas. Mas se a história nos obriga a defender a democracia com a presidente Dilma, consideramos o valor da democracia o valor maior e a Dilma o mal menor”. (Paulo Suess)


"A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas."

Por Michael Löwy

Do sitio da Ed. Boitempo.



Vamos dar nome aos bois. O que aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi um golpe de Estado. Golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”, “institucional”, parlamentar ou o que se preferir. Mas golpe de Estado. Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos anteriores! Não há dúvida de que vários quadros do PT estão envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras, mas Dilma não… Na verdade, os deputados de direita que conduziram a campanha contra a presidente são uns dos mais comprometidos nesse caso, começando pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (recentemente suspenso), acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão fiscal etc.

A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Testada em Honduras e no Paraguai (países que a imprensa costuma chamar de “República das Bananas”), ela se mostrou eficaz e lucrativa para eliminar presidentes (muito moderadamente) de esquerda. Agora foi aplicada num país que tem o tamanho de um continente…

Podemos fazer muitas críticas a Dilma: ela não cumpriu as promessas de campanha e faz enormes concessões a banqueiros, industriais, latifundiários. Há um ano a esquerda política e social cobra uma mudança de política econômica e social. Mas a oligarquia de direito divino do Brasil – a elite capitalista financeira, industrial e agrícola – não se contenta mais com concessões: ela quer o poder todo. Não quer mais negociar, mas sim governar diretamente, com seus homens de confiança, e anular as poucas conquistas sociais dos últimos anos.


Citando Hegel, Marx escreveu no 18 de Brumário de Luís Bonaparte que os acontecimentos históricos se repetem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Isso se aplica perfeitamente ao Brasil. O golpe de Estado militar de abril de 1964 foi uma tragédia que mergulhou o Brasil em vinte anos de ditadura militar, com centenas de mortos e milhares de torturados. O golpe de Estado parlamentar de maio de 2016 é uma farsa, um caso tragicômico, em que se vê uma cambada de parlamentares reacionários e notoriamente corruptos derrubar uma presidente democraticamente eleita por 54 milhões de brasileiros, em nome de “irregularidades contábeis”. O principal componente dessa aliança de partidos de direita é o bloco parlamentar (não partidário) conhecido como “a bancada BBB”: “Bala” (deputados ligados à Polícia Militar, aos esquadrões da morte e às milícias privadas), “Boi” (grandes proprietários de terra, criadores de gado) e “Bíblia” (neopentecostais integristas, homofóbicos e misóginos). Entre os partidários mais empolgados com a destituição de Dilma destaca-se o deputado Jair Bolsonaro, que dedicou seu voto aos oficiais da ditadura militar e nomeadamente ao coronel Ustra, um torturador notório. Uma das vítimas de Ustra foi Dilma Rousseff, que no início dos anos 1970 era militante de um grupo de resistência armada, e também meu amigo Luiz Eduardo Merlino, jornalista e revolucionário, morto em 1971 sob tortura, aos 21 anos de idade.

O novo presidente, Michel Temer, entronizado por seus acólitos, está envolvido em vários casos suspeitos, mas ainda não é alvo de investigação. Uma pesquisa recente perguntou aos brasileiros se eles votariam em Temer para presidente da República: 2% responderam que sim…


Em 1964, grandes manifestações “da família com Deus pela liberdade” prepararam o terreno para o golpe contra o presidente João Goulart; dessa vez, multidões “patrióticas” – influenciada pela imprensa submissa – se mobilizaram para exigir a destituição de Dilma, em alguns casos chegando a pedir o retorno dos militares… Formadas essencialmente por brancos (os brasileiros são em maioria negros ou mestiços) de classe média, essas multidões foram convencidas pela mídia de que, nesse caso, o que está em jogo é “o combate à corrupção”.

O que a tragédia de 1964 e a farsa de 2016 têm em comum é o ódio à democracia. Os dois episódios revelam o profundo desprezo que as classes dominantes brasileiras têm pela democracia e pela vontade popular.


O golpe de Estado “legal” vai transcorrer sem grandes obstáculos, como em Honduras e no Paraguai? Isso ainda não é certo… As classes populares, os movimentos sociais e a juventude rebelde ainda não deram a última palavra.

Pentecostes, a alegria de Francisco e a resistência nossa


"Sejamos realistas, sem perder a alegria, 

a audácia e a esperança" (EG 109)




        Na Festa de Pentecostes recordamos a plenitude do mistério pascal com o dom do Espírito Santo. O Espírito Santo é, segundo Santo Agostinho, Deus no gesto do dom, da doação e da gratuidade. A Igreja conhece sete dons do Espírito: sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza, conhecimento, piedade, temor de Deus. Os dons produzem frutos nas comunidades. O catecismo nos fala de 12 frutos do Espírito Santo: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, fidelidade, modéstia, moderação, domínio próprio (Gl 5,22s). E os frutos apontam para duas tarefas: a missão e o perdão (cf. Jo 20,21.23).

        Com a Papa Francisco, um destes frutos ganhou especial destaque: a alegria. Ela aparece em dois títulos dos seus documentos: na Exortação Evangelii gaudium (Alegria do Evangelho) e na Exortação Amoris laetitia (Alegria do Amor), que sintetiza os resultados do Sínodo dos Bispos sobre a Família (2015).

        Parece que há um déficit de alegria entre os cristãos. Nietzsche, o filósofo e filho de uma família de pastores, justificou seu ateísmo com a aparência cristã de reprimidos e não de redimidos. O Papa Francisco fala da “cara de funeral” (EG 10) de certos evangelizadores. Diz Nietzsche: “Canções melhores os cristãos teriam de me cantar, deveriam ter mais a aparência de redimidos para que eu aprendesse acreditar em seu redentor”.

        Com sua ênfase na “alegria”, o Papa Francisco retoma outros dois documentos do magistério recente da Igreja, a Exortação Apostólica, de Paulo VI, “Sobre a Alegria Cristã: Gaudete in Domino (Alegrai-vos no Senhor)”, de 1975, e a Constituição Pastoral Gaudium et spes (Alegria e esperança) no mundo de hoje, de 7 de dezembro de 1965, promulgada no último dia do Concílio Vaticano II.


        Desde os primórdios do cristianismo, a alegria é uma força de resistência mais eficaz que os antidepressivos da farmácia (cf. EG 263). A polaridade entre alegrias e angústias, entre esperanças e tristezas de pessoas “lesadas em seus direitos” (EG 191), é também fonte de energia. Para muitos, a depressão política deste momento necessita mais do que 20 mg de Prozac. Precisa “a dinâmica do êxodo e do dom, de sair de si mesmo, de caminhar e de semear sempre de novo, sempre mais além” (EG 21), “procurando acender o fogo no coração do mundo” (EG 271).




Os paradigmas do Papa Francisco: Missionariedade, Marginalidade, Sinodalidade


A missão de caminhar juntos para a periferia

Paulo Suess


     Os paradigmas com suas dimensões eclesiológicas, pastorais e teológicas, que se revelam cada vez com mais clareza como estruturantes do pensamento do Papa Francisco, são os seguintes:

Caminhar juntos: Refugiados em Lesbos
- missionariedade como núcleo da Igreja evangelizadora em saída;

- marginalidade da periferia existencial e geográfica como lugar teológico do encontro com marginalizados e marginais, fugitivos e refugiados, pobres e feridos, excluídos e não reconhecidos;

- sinodalidade, misericórdia e alegria como modos de operação entre saída da acomodação e chegada, permanência e vida partilhada nas periferias.

       
A teologia de Francisco não se resume num almanaque de imperativos pastorais desconexos que precisam ser vigiados pelo Prefeito da Congregação pela Doutrina da Fé. Trata-se de uma teologia trinitária e profética, pastoral e espiritualmente orientada. A Trindade pode ser compreendida como mandala da fé e de Deus. Essa mandala integra o múltiplo e o diferente na unidade do Espírito Santo: A horizontalidade universal do Pai, a verticalidade do Filho encarnado e a circularidade do Espírito Santo, enviado para dobrar a rigidez do centro, consolar os que sofrem, defender os pobres e os que o mundo não reconhece em sua dignidade.
       
O Pai, que é amor, é também o protomissionário que envia. Ele é o início e o fim da missão. O Filho, que é caminho, convoca e envia a comunidade missionária que no Concílio dos Apóstolos em Jerusalém encontrou na sinodalidade um modus operandi (cf. At 15). O Espírito Santo, que antecipa com sua presença a chegada dos discípulos missionários, é “descanso na luta, brisa no calor, conforto no pranto” (cf. Sequência de Pentecostes). Nas margens da periferia, Deus torna-se Pai dos pobres no Espírito Santo. Deus-amor forja o caminhar juntos, o caminho misericordioso e alegre da sinodalidade no Espírito. A periferia é o lugar do nada e do tudo, o despojamento radical e a plenitude. É o lugar onde Deus coloca seu berço humano e sua cruz divina. A periferia, que é limite geográfico-histórico e existencial, é também lugar de passagem, ou pelo portal da morte e do retorno à acomodação ou pelo portal da vida histórica e escatológica que se revela na fidelidade da resistência.


1. A missão
       
 A missão é ordem e obra do amor de Deus. Ele nos amou primeiro (1Jo 4,19). E nesse amor ele nos deu a ordem de sair de qualquer tipo de instalação. “Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de «saída»” (EG 20), que nos lembra a Evangelii gaudium. “Abraão aceitou o chamado para partir rumo a uma nova terra [cf. Gn 12,1-3]. Moisés ouviu o chamado de Deus: «Vai; Eu te envio» [Ex 3,10], e fez sair o povo para a terra prometida [cf. Ex 3,17]. A Jeremias disse: «Irás aonde Eu te enviar» [Jr 1,7]. Naquele «ide» de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída» missionária” (EG 20).


        Qual é a finalidade dessa saída? A EG aponta para uma metodologia com quatro pilares de uma pastoral em chave missionária (EG 33ss):

a) Abandonar o cômodo critério pastoral, seu imobilismo e tradicionalismo: “fez-se sempre assim” (EG 33).

b) “Ouvir a todos” (EG 31). Faz parte de um “processo participativo” que promove “uma comunhão dinâmica, aberta, missionária” (EG 31) e sinodal.

c) “Saída de si próprio para o irmão” (EG 179). A Igreja em saída é uma Igreja despojada com as portas abertas (cf. EG 46). No outro “está o prolongamento permanente da Encarnação para cada um de nós” (EG 179). A “resposta à doação absolutamente gratuita de Deus” (EG 179) é a saída de si como “absoluta prioridade” da vida cristã. “A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros. Isto é, definitivamente, a missão” (EG 10).

d) Concentrar-se “no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário” (EG 35). “As elaborações conceituais hão de favorecer o contato com a realidade que pretendem explicar, e não nos afastar dela” (EG 194).

        Como operacionalizar essa saída? “Sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias”? (EG 20). A Igreja “em saída” encontra obstáculos. A saída exige “prudência e audácia” (EG 47), “coragem” (EG 33, 167, 194) e “ousadia” (EG 85, 129). O modelo dessa missionariedade é a itinerância do próprio Jesus.

        Quem se propõe a “ser o fermento de Deus no meio da humanidade” (EG 114) está sempre em busca de “respostas que encorajem, deem esperança e novo vigor para o caminho” (ibid.) do povo de Deus. Essa Igreja cumpre a sua missão quando se torna “o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho” (EG 114).

        Os verbos preferenciais de Francisco, para caracterizar a visão de uma Igreja, que é por sua natureza missionária (AG 2, DAp 347), são: abrir, sair, caminhar, converter (transformar), priorizar, despojar e diversificar na unidade do Espírito Santo. Enfim, a missão tem sua raiz e seu fim não na propaganda nem nas múltiplas atividades nossas, mas na atração do Deus trino e uno que se encarnou em nosso meio: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).


2. A margem
        
Lugar de atuação e horizonte da “Igreja em saída” são as periferias. Ser Igreja em saída para as margens não é natural, é opção que “deriva da nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos pobres e marginalizados” (EG 186). As periferias, que são lugares de encontro com os marginalizados e os marginais, os fugitivos e os refugiados, com os desesperados e os excluídos, são também lugares do encontro com Deus, que no presépio se fez pequeno; no Egito se fez um refugiado; no monte das oliveiras, um desesperado; no tribunal da época, um acusado; na cruz, um condenado à morte e, aparentemente, um abandonado por Deus e pela humanidade.



      Pela encarnação, Deus tem experiência com as periferias existenciais e geográficas. Além do sacrário, a periferia é o lugar seguro do encontro com esse Deus anônimo, escondido e fiel. Se a Evangelii gaudium nos diz: “Todos somos convidados a aceitar este chamado: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20), não quer dizer que as periferias são lugares das trevas. O sofrimento, o abandono e o pecado podem obscurecer nosso tempo de vida e aprofundar nossa solidão. Mas, é tarefa da missão mostrar que a luta pela vida é a luta pela glória de Deus que irrompe nas trevas históricas, na audácia do líder tupinambá Babau, na gratuidade da vida da Irmã Dorothy Stang, na solidariedade dos mártires da UCA de El Salvador, na fidelidade dos sete mártires de Tibhirine, na Argélia. Todos eles, que vieram da grande aflição das periferias, souberam viver “a afetividade irmanada com a racionalidade da luta; a eficácia na loucura da gratuidade” (Plano Pastoral do Cimi, n. 86) tentando construir um mundo para todos. Eles não precisam de holofotes nem da propaganda midiática, “não precisam de sol nem de lua para sua iluminação, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro” (Ap 21,23).

        Visando a vida para todos, Francisco pode generalizar: “No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo «Se fez pobre» (2Cor 8,9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres” (EG 197). Ouvir o clamor dos pobres não é um mérito especial, mas expressão da nossa fé na presença de Deus e expressão da nossa indignação contra aqueles que tentam apagar essa glória de Deus no meio dos marginalizados.

        Nesse contexto, o Papa Francisco cita longamente os Bispos do Brasil: “Desejamos assumir, a cada dia, as alegrias e esperanças, as angústias e tristezas do povo brasileiro, especialmente das populações das periferias urbanas e das zonas rurais – sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde – lesadas em seus direitos. [...] Escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento suficiente para todos e que a fome se deve à má repartição dos bens e da renda” (EG 191).

        Esse privilégio da periferia não seria uma quebra do princípio evangélico da igualdade? O papa responde com clareza: “Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, «àqueles que não têm com que te retribuir» (Lc 14, 14). [...] Hoje e sempre, «os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho», e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos! (EG 48). Este vínculo entre a fé e os pobres “tem consequências na vida de fé de todos os cristãos [...] Inspirada por tal preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres” (EG 198). E essa é a opção da Igreja povo de Deus. Não se trata de preferências setoriais ou individualistas. Priorizar as periferias e preocupar-se com elas são tarefas da Igreja como comunidade missionária e de seu caminhar na unidade e diversidade do Espírito Santo.


3. O Sínodo

        
Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco sublinhou a importância do Sínodo como atualização do espírito da sinodalidade e colegialidade. Em sua entrevista programática com o padre Antonio Spadaro, SJ, de agosto de 2013, na Casa Santa Marta, Francisco falou de sua visão da sinodalidade: “Devemos caminhar juntos [...]. A sinodalidade vive-se em vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia do sínodo, porque a atual parece-me estática. [...] Nas relações ecumênicas, isto é importante: não só conhecer-se melhor, mas também reconhecer o que o Espírito semeou nos outros como um dom também para nós” (SPADARO, Entrevista, Paulus/Loyola, 2013, p. 24). Perguntado sobre sua visão da unidade, Francisco respondeu: “Devemos caminhar unidos nas diferenças. Não há outro caminho para nos unirmos. Este é o caminho de Jesus” (ibid.). Por isso, deve-se tornar os sínodos “menos rígidos na forma. [...] Quero que seja uma consulta real, não formal” (ibid., p. 16). “Pouco temos avançado neste sentido. Também o papado e as estruturas centrais da Igreja universal precisam ouvir esse apelo a uma conversão pastoral. [...] Uma centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a vida da Igreja e sua dinâmica missionária” (EG 32).

 Em seu discurso por ocasião da comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, dia 17 de outubro de 2015, o Papa Francisco qualificou o Sínodo como “um dos legados mais preciosos da última sessão conciliar. [...] O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio” (Discurso, www.vatican.va /17.10.2015, p. 2). “Igreja sinodal” é um pleonasmo, porque, segundo João Crisóstomo (+407), “Igreja e Sínodo são sinônimos” (ibid. p. 4). O papa dá nesse discurso uma verdadeira aula sobre a função da sinodalidade na Igreja. “Estou convencido de que, numa Igreja sinodal, também o exercício do primado petrino poderá receber maior luz. O Papa não está, sozinho, acima da Igreja; mas, dentro dela, como batizado entre batizados” (Discurso, l.c. p. 6).

      
  Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta. O Papa Francisco pratica essa escuta ao citar como fontes de seus escritos muitas Igrejas locais e também o magistério científico dos teólogos. “É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender”. A sinodalidade é vivida por sujeitos ativos de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações. O sensus fidei impede uma rígida separação entre Ecclesia docens e Ecclesia discens” (Discurso, l.c., p. 2). Para os discípulos de Jesus “a única autoridade é a autoridade do serviço, o único poder é o poder da cruz” (ibid. p. 4.). E essa autoridade do serviço se realiza nos três níveis de uma “Igreja toda sinodal” (ibid., p. 5): nas Igrejas particulares, nas Conferências Episcopais e na Igreja universal, ou dito de modo mais simples: nas comunidades e paróquias, nas dioceses e no Vaticano.

        Como se pode perceber, a sinodalidade toca hoje em pontos nevrálgicos da Igreja católica: ministerialidade, colegialidade, ecumenismo, magistério partilhado, autoridade como serviço, exercício do papado e de sua conversão (Discurso, l.c., p. 6). A sinodalidade tem um grande valor para a Igreja e o mundo, pois, apesar de invocar participação, solidariedade e transparência na administração dos assuntos públicos, frequentemente entrega o destino de populações inteiras nas mãos gananciosas de grupos restritos de poder. [...] Cultivamos o sonho de que a redescoberta da dignidade inviolável dos povos e da função de serviço da autoridade poderão ajudar também a sociedade civil a edificar-se na justiça e na fraternidade” (ibid., p. 6).

        A “redescoberta” aponta para práticas, hoje, esquecidas. O “sonho” alimenta a esperança na possibilidade de um projeto do bem viver para todos. A força de suscitar essa memória e prática da dignidade inviolável, e de sustentar esse desejo do bem viver está em cada um de nós. Está no reconhecimento dos outros em sua alteridade, na opção de amá-los em sua pobreza e na disposição de resistir com eles contra as múltiplas ofertas de uma vida alienada.


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Xingu Vivo Para Sempre Vivo: 'Fazem com você o que você fez conosco; mas nem assim, Dilma…: O Instituto Humanitas Unisinos - IHU - um órgão transdisciplinar da Unisinos, que visa apontar novas questões e buscar respostas para os desafios de nossa época. Parte da visão do humanismo social cristão, debatendo a sociedade do futuro.

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