Qual é a mensagem do desfile de moda barroca na Igreja?



Entre alguns pequenos grupos da Igreja, as vestes religiosas barrocas estão voltando. Elas podem estar retornando não como sinais religiosos, mas como distrações da fé e do ministério. Como disse Henry David Thoreau, "cuidado com todos os empreendimentos que exijam roupas novas".

O artigo do dominicano norte-americano Thomas O'Meara, foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 26-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto (Unisinos, S. Leopoldo).

Eis o texto.

Quando eu era menino, há mais de 50 anos, as roupas eclesiásticas eram impressionantes. Eram incomuns e coloridas, antigas e sacrais, eram distintamente católicas romanas. A seda moiré colorida, as luvas enfeitadas com joias, os sapatos vermelhos (cáligas) indicando um indivíduo envolvido em um ofício da Igreja.
Essa figura transcendente, um representante do divino, aparecia entre os ternos e vestidos comuns da classe trabalhadora católicos em raros momentos. No entanto, mesmo como um adolescente que cantava em um coral do colégio nas liturgias do arcebispo, eu já tinha percebido que às vezes os rituais se focavam mais nas roupas do que nas palavras e sacramentos religiosos. Tirar as luvas e colocar os óculos, manter um solidéu no seu lugar ou ajustar um pálio poderia parecer mais importante do que a elevação do cálice.
O tempo passa, e hoje as roupas eclesiásticas são menos inteligíveis e indicam menos claramente algo além das suas cores e dos seus dourados. Elas levantam questões de gênero e de classe, de cultura e de sacramentalidade.
Existem três tipos de roupas que os homens católicos usam para eventos litúrgicos e eclesiásticos públicos. Há vestes para a liturgia da Eucaristia, outros sacramentos e devoções. Entre elas estão a casula e a estola, a alva e o cíngulo, a mitra e o pluvial. Em segundo lugar, há os hábitos das ordens e congregações religiosas. Em terceiro lugar, há os paramentos especiais para aqueles que fazem parte da ordem episcopal e que estão em níveis abaixo (monsenhores) ou acima (cardeais).
As vestimentas na Eucaristia e nas outras liturgias parecem ser, no melhor dos casos quando são simples, esteticamente agradáveis e inspiradoras para as pessoas que as veem. Os membros de ordens religiosas, especialmente monges e frades, tendem a vestir seus hábitos na liturgia e em outros momentos dentro das suas casas religiosas.
Aqui está uma descrição do século IX das roupas litúrgicas usadas pelo bispo de Roma, roupas relacionadas no seu estilo a paramentos usados pelos romanos dois séculos antes. Walahfrid Strabo, que morreu em 849, escreveu: "As vestes sacerdotais tornaram-se progressivamente o que são hoje: ornamentos. Em tempos antigos, os padres celebravam a missa vestidos como todos os demais".
Geralmente, os paramentos especiais da Igreja não vêm do período patrístico ou medieval (que não incentivavam roupas distintas). Eles vêm do período barroco, de 1580 a 1720, quando a liturgia como teatro preparava os rituais para canalizar graças. Depois de 1620, no mundo do Papa Urbano VIII, os vestes eclesiásticas começaram a assumir a importância que elas têm hoje nos principais detentores de cargos eclesiásticos.

Quem pode vestir o que, com que cores e em que serviço religioso? Os anos de 1830 a 1960 testemunharam novas e bastante artificiais elaborações do traje eclesial. Os paramentos de hoje que refletem a simplicidade do estilo patrístico ou do início da Idade Média também parecem ser contemporâneos, enquanto aqueles que parecem ser antiquados e extravagantes são produto do período barroco.
Críticos das vestes religiosas
Jesus é um crítico da religião. Ele adverte contra a exposição humana e o uso dos objetos religiosos para desdenhar os demais. Ele condena o uso da religião para favorecer o fato de ser notado ou separado da maioria das pessoas. "Os escribas e os fariseus (...) fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros. Vejam como eles usam faixas largas na testa e nos braços, e como põem na roupa longas franjas, com trechos da Escritura. Gostam dos lugares de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas (...) O maior de vocês deve ser aquele que serve a vocês" (Mateus 23, 5-6;11).

Poucas dimensões da vida humana despertaram a ira de Jesus, mas os líderes religiosos que buscavam atenção e poder através das vestes eram chamados de "sepulcros caiados que por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão" (Mateus 23, 27).

Nos anos imediatamente antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), o padre dominicano Yves Congar escreveu uma crítica à exibição da Igreja de poder e privilégio. Ele pesquisou as origens das vestes e insígnias eclesiais no Império Romano e no feudalismo, concluindo que essas roupas já não têm nenhum significado claro para as pessoas. Ele concluiu que as vestes podem ter o seu valor, embora a sua presença religiosa deve ressoar nas pessoas às quais se dirigem. [...]

O Vaticano II falou de uma "simplicidade nobre" para as vestes eclesiásticas. Nos anos logo após o Vaticano II, o Papa Paulo VI vendeu as tiaras papais e emitiu instruções para pôr de lado roupas incomuns como mantos extravagantes, meias coloridas, fivelas especiais e cíngulos com borlas.

As roupas hoje

Entre alguns pequenos grupos da Igreja, as vestes religiosas estão voltando. Elas podem estar retornando não como sinais religiosos, mas como distrações da fé e do ministério. Cíngulos e barretes, correntes e grandes cruzes, amitos e manípulos, luvas e sapatos especiais reapareceram. Grupos restauracionistas e reacionários tendem a ter roupas marcantes assim como as ditaduras têm uniformes.
Esses grupos mostram uma preferência por tipos especiais de colares clericais, mitras altas, caudas elaboradas, uma cruz de metal pendurada no pescoço. [...]
Nas formaturas em universidades católicas, os estudantes, os professores e os administradores usam suas vestes acadêmicas, enquanto os pais e as famílias usam ternos e vestidos. Um bispo em uma capa de seda com fitas e um solidéu parece fora de lugar. Uma vez, em um evento beneficente em um grande hotel, um bispo vestiu o que ele chamou de seu "uniforme de gala, que atrai muitos elogios para o meu guarda-roupa". O principal orador da noite comentou: "Se eu estivesse morrendo e alguém com uma faixa e um vestido vermelho se aproximasse, eu ficaria completamente apavorado".

A mídia dá atenção aos atuais sapatos vermelho-rosa do papa, ao chapéu forrado de pele do século VIII, à estola elaboradamente bordada do século XVIII. Imagens recentes da televisão de bispos e papas com batinas vermelho e branco, com chapéus renascentistas e luvas enfeitadas de joias já não parecem ser religiosas e sacramentais, mas sim antiquadas e autocentradas. O papa, durante uma visita ao jardim da Casa Branca em uma batina branca e sem calças visíveis, parecia fora de lugar; distinto e diferente, sim, mas não espiritual. Os católicos norte-americanos, pela primeira vez, estão reagindo a encontros televisionados de bispos e cardeais em que há uma preocupação sobre o adequado uso de saias e faixas coloridas.

Roupas e ministério

Os novos grupos religiosos dos Estados Unidos, juntamente com alguns jovens membros de ordens mais velhas, parecem ansiosos para vestir um hábito religioso em público, não apenas na região ao redor de uma escola, mas também nos aeroportos ou no metrô.

O que um hábito monástico ou uma batina em público diz aos norte-americanos no início do século XXI? Não é de todo evidente que o público em geral sabe quem é essa pessoa estranhamente vestida, nem mesmo que ele conecte a roupa à religião. O simbolismo não é claro, e a mensagem não é evidente. A pessoa realmente se destaca, mas como uma espécie de esquisitice pública. Roupas excêntricas incutem separação.

Embora alguns argumentem que roupas estranhas atraem as pessoas, o fato é que mais frequentemente elas repelem. As pessoas normais não são atraídas por trajes antigos ou bizarros, e os cristãos comuns não são atraídos por aqueles cujo traje especial implica que os outros são inferiores. Às vezes, vestir roupas parece ser um substituto para o ministério real.
Não está claro como os homens que usam vestidos e capas proclamam a transcendência de Deus ou o amor do Evangelho. A identidade de um homem é algo complexo; a sua busca dura uma vida inteira. Um clérigo celibatário abre mão de coisas que formam a identidade masculina, como ser marido e pai. Não podemos ignorar as possíveis ligações entre roupas incomuns e celibato.

O homem celibatário têm uma sexualidade neutra ou uma terceira sexualidade que lhe permita vestir roupas incomuns? As roupas especiais são uma proteção ao celibato? Ou elas são uma neutralização da masculinidade? Por que um homem gostaria de usar um vestido longo ou uma capa em público? As razões espirituais são a verdadeira motivação?

Significado cultural

As roupas são úteis porque nos mantêm quentes ou frios, e cobrem a nossa nudez. Elas podem tornar homens e mulheres atraentes para os outros. Os seres humanos e as sociedades chegaram a uma variedade de roupas às quais dão significados particulares, usando algumas roupas como símbolos – a toga, a cartola, o véu, o manto.

O que as vestes eclesiásticas dizem hoje? Essa questão toca não apenas a identidade do portador, mas também a fé da comunidade. Não há nenhuma resposta absoluta, nenhuma resposta além das pessoas no seu tempo e cultura.Tradição e história não são uma resposta, pois sempre há um momento em que tal peça do vestuário eclesiástico era desconhecida, e haverá um tempo em que ela será vista apenas em um museu.

O tempo traz e depois enterra estilos. Uma pessoa medieval provavelmente entendia as insígnias episcopais razoavelmente bem, porque os aspectos da sua vida dependiam da sua rara aparição, e eram vistas em um ambiente de muitas insígnias. O arranjo elaborado de roupas artificiais na Igreja Católica é dos últimos quatro séculos. Hoje, roupas incomuns aparecem na televisão como algo conectado ao entretenimento. Que pensamentos são evocados quando um cardeal ou um arcebispo aparece em um jogo de beisebol de capa e vestido? O que a capa e a faixa dizem pessoal e socialmente? Elas recordam o Novo Testamento ou a liturgia da comunidade cristã?

Na comunidade cristã, todo o vestuário – e isso inclui vestuário litúrgico – expressa a vida da Igreja animada pelo Espírito. Capas e mantos em estilo barroco não são nem proféticos nem contraculturais. Se a distinção régia ou antiquada uma vez tinha o seu valor para as lideranças eclesiais, se a pretensão de ser eclesiástica ou até mesmo metafisicamente melhor era presumida, desde o Vaticano II mais e mais pessoas ignoram tais exposições. O tempo nunca pára. O que parecia poderoso no passado é hoje meramente curioso. Muitos católicos estão chegando a um ponto em que as roupas antiquadas não são inspiradoras nem sacramentais, mas existem fora da vida humana. [...]




Henry David Thoreau disse muito bem: "Cuidado com todos os empreendimentos que exijam roupas novas". Talvez alguma lição permaneça das palavras do Salmo 132: "Que teus sacerdotes se vistam em santidade, e teus fiéis exultem de alegria"

“Terra e Cidadania: Princípios do Bem Viver”.



Na terça-feira de carnaval, dia 12 de fevereiro de 2013, irá acontecer a 36a Romaria da Terra, na Comunidade Bom Pastor, em Bento Gonçalves, na Diocese de Caxias do Sul. O tema deste ano é “Terra e Cidadania: Princípios do Bem Viver”. Um dos participantes mais antigos e engajados é o sindicalista e político gaúcho Olívio Dutra, que afirma participar das romarias antes de ter qualquer cargo público de importância. “Participo como militante social, popular, comunitário, sindical e como originário de uma família de sem-terra que saiu do campo e veio para a cidade. Por tudo isso eu me sinto muito envolvido de coração e de consciência com um movimento baseado na fé, na esperança, na solidariedade e que também propõe mudanças na política econômica e, particularmente, na política agrícola e agrária”, disse, na entrevista que aceitou conceder à IHU On-Line por telefone.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De forma geral, qual a importância da Romaria da Terra enquanto uma promoção que aborda a agricultura familiar, o cooperativismo e o consumo consciente?

Olívio Dutra – Em primeiro lugar, é preciso dizer que ela tem um caráter de fé, de religiosidade, que são coisas muito enraizadas na cultura do nosso povo, em particular das pequenas comunidades, da agricultura de economia familiar, ligada à base da Igreja Católica, mas também com participação de outras manifestações religiosas. A Romaria da Terra envolve igualmente a cultura dos índios, dos negros e de outras etnias que têm a ver com a produção de alimentos, o trato com a terra e a vida no seu sentido mais amplo. Então, as romarias são um chamamento constante a essa relação consciente do homem consigo mesmo, com o valor da comunidade, da organização a partir da família, da movimentação solidária, da caminhada em busca de uma terra sem males, que, por sinal, é também da cultura indígena, guarani.

Agora, a romaria envolve também a questão da segurança alimentar, da produção de alimentos para a vida e não para a morte. É preciso dizer sim ao desenvolvimento de uma tecnologia que possibilite a produção de mais alimentos sadios, sem uso de agrotóxicos e de veneno, para garantir alimentos fartos e sadios na mesa de todos, no campo e na cidade, e que o agricultor, a agricultura e sua família possam viver dignamente na condição de agricultores.

IHU On-Line – Há quantas edições o senhor participa? O que lhe motiva a se engajar neste projeto?

Olívio Dutra – Eu sou um romeiro antigo e não deixo de participar de nenhuma das romarias, onde quer que ela se realize, a não ser em alguma situação excepcional. Eu participo das romarias antes de ter qualquer cargo público de importância, mas como militante social, popular, comunitário, sindical e como originário de uma família de sem-terra que saiu do campo e veio para a cidade sobreviver com a atividade de carpinteiro, como foi meu pai, e de doméstica, como minha mãe, para criar cinco filhos. Por tudo isso eu me sinto muito envolvido de coração e de consciência com um movimento baseado na fé, na esperança, na solidariedade e que também propõe mudanças na política econômica e, particularmente, na política agrícola e agrária. Nós ainda andamos atrás de uma reforma agrária efetiva neste país, para o desenvolvimento mais parelho, desconcentrado, descentralizado do Brasil, com enormes áreas sendo apropriadas por grupos empresariais, inclusive estrangeiros, enquanto temos milhares de famílias de trabalhadores acampados naqueles corredores ou na frente desses enormes latifúndios que produzem bens para exportação com muito uso de agrotóxico e pequeno número de mão de obra.

Então, é preciso mexer em tudo isso e as romarias buscam essa reflexão, estimulam, instigam e provocam essa conscientização. E, evidentemente, querem que a voz de milhares de pessoas chegue às autoridades em todos os níveis: municipal, estadual, federal, executivo, legislativo, judiciário. Mas é preciso que seja a voz da sociedade, do povo que se mobiliza, se organiza e que caminha na busca dos seus direitos, sempre na visão social de garantir – num mundo que tem carências de tanta coisa – que não haja carência de fé, de esperança. Tudo isso vem do povo que também tem um amor enorme pela terra e pelo que ela produz, além do amor pelo conhecimento, pelo saber adquirido por meio da experiência, o saber que a escola, a universidade, a pesquisa, a extensão rural trazem para facilitar a vida da agricultura de economia familiar.

IHU On-Line – Há alguma edição que mais lhe marcou?

Olívio Dutra – Todas são marcantes, porque encontramos muitas pessoas que vêm de diferentes situações, origens, experiências e todas elas nos ensinam, nos enriquecem. Vejo figuras das pastorais, que são pessoas importantes, humildes, modestas, que se desenvolveram na vida do ponto de vista de melhorar sua renda, suas condições de trabalho, de moradia, e que não desistiram de continuar na luta, ou seja, que não estavam na luta em benefício próprio, mas porque entendem que o bem tem que ser para a maioria, já que não é possível que seja para todos, que é o sonho de todos nós que queremos um mundo de igualdade, de justiça. Onde quer que haja injustiça e carência, o ser humano está sofrendo. Portanto, é preciso que haja um movimento que irradie esperança de que as coisas mudem para melhor.

IHU On-Line – Qual a importância das romarias para que os participantes sejam sujeitos da política e construtores da história?


Olívio Dutra – A romaria é um processo que não tem dono, nem uma igreja ou credo. Todas as edições são precedidas de muitos encontros comunitários, nas comunidades distantes, nas periferias das cidades, nos bairros, igrejas, escolas, em diferentes situações onde as pessoas se reúnem para discutir como, juntos e solidariamente, transformar para melhor a realidade como um todo. Tanto que podemos sonhar com um mundo que não é este em que estamos sofrendo, baseado nas leis do lucro, dos mais fortes e importantes se sobrepondo aos interesses comunitários, pequenos, mas sim um mundo com igualdade, fraternidade e solidariedade, com um desenvolvimento ecologicamente sustentável, economicamente viável e socialmente justo. Para isso, todos nós temos que ser sujeitos e não objetos da política. Os partidos políticos são muito importantes, tanto que aqui aparece a necessidade de uma reforma política para que os partidos não sejam balcões de negócios. Mas os partidos possuem as suas atividades, não são eles que dirigem as romarias. Eles são parte, são também sujeitos nesse processo de construir solidariamente essa caminhada que se renova a cada edição da Romaria da Terra.

Esperamos que o governo federal – e eu tenho certeza que a presidente Dilma terá sempre uma atenção especial para o povo que se movimenta – e que o Tarso Genro, no governo do estado, deem atenção e tenham interesse e disposição para isso. Mas o movimento, independentemente se governos federais, estaduais ou municipais façam ou deixem de fazer, possam ou não fazer, não depende de favores ou de benesses oficiais ou oficiosas. O movimento tem força própria e é, portanto, sujeito desse processo. Nesse sentido, ele estimula, instiga e provoca a cidadania constante, para que as pessoas não sejam cidadãs somente na hora de votar, quando tem eleição, ou para eleger alguém conhecido seu, familiar ou amigo. Não. A cidadania é algo do cotidiano das nossas vidas. O ser humano não se realiza na plenitude da sua missão se não for cidadão todos os dias da sua existência. Então a Romaria da Terra promove a cidadania constante, permanente, solidária, ativa, transformadora.

IHU On-Line – É interessante o casamento que a Romaria promove entre fé e política...

Olívio Dutra – É verdade. É importante que se tenha isso. E não estamos falando aqui de fé nesta ou naquela religião, mas uma fé no ser humano e na transcendência, nas possibilidades enormes que o ser humano tem de ser solidário, organizado, participativo, cidadão, ao ser sujeito dessa transformação.
 (Por Graziela Wolfart)




Samuel Ruiz, Raúl Vera OP e a corrupção dos “melhores”


Raúl Vera OP e Samuel Ruiz



“A corrupção dos melhores é o pior!”

Corruptio optimi quae est péssima
Aristóteles

Segundo aniversário do falecimento de Samuel Ruiz

“Em nosso continente jamais existiu o que o Concílio chama de `Igreja autóctone´, quer dizer, a encarnação do Evangelho na cultura de um povo a partir do reconhecimento daquilo que há de revelação de Deus nela” (cf. Revista Popoli, junho/julho 2000). Essa declaração do bispo de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas, Dom Samuel Ruiz García, feita no fim de seu mandato ao jornalista Mauro Castagnaro, aponta para um dever não cumprido e um sonho não realizado pelos herdeiros do Vaticano II.
Celebramos hoje o segundo aniversário da vida definitiva de Samuel Ruiz que morreu em 24 de janeiro aos 86 anos de idade. Muitos choram a ausência de quem lhes dava voz e vez e que, para escutá-los em sua própria língua, aprendeu quatro idiomas indígenas. Foi sepultado na catedral da diocese que administrava por quarenta anos (1960-2000). “Eu vim para evangelizar os índios, mas terminei sendo evangelizado por eles”, disse certa vez. As comunidades maya de Chiapas sabiam que era seu bispo, o bispo dos pobres, dos marginalizados e dos povos indígenas. Ele viu com seus próprios olhos as costas dos homens indígenas marcados pelos chicotes dos senhores de engenho. Ele conhecia mulheres indígenas submetidas à “lei da primeira noite”, em que os patrões tiravam a virgindade das jovens mulheres. Depois de passar pelo sangue do cordeiro e a Páscoa do Senhor, a sua estrela brilha no continente latino-americano e se juntou às estrelas mais brilhantes do Cruzeiro do Sul, à de Helder Câmara, Leónidas Proaño, e Oscar Romero.

“A corrupçáo dos melhores”

Samuel Ruiz sofreu incompreensão por parte de setores poderosos do Estado e da Igreja de seu país. Basta mencionar apenas dois nomes com grande prestígio que entupiram os canais de comunicação com Roma: o então Núncio Apostólico Girolamo Prigione (1978-1997) e sua atuação política e moral pouco evangélica (cf. National Catholic Reporter, junho 1994), e Marcial Maciel, o padre fundador da Congregação dos Legionários de Cristo (1920-2008). Faz muito tempo que os fatos eram conhecidos, porém só há pouco tempo a sua investigação se tornou conveniente.
A Cúria Romana qualificou o projeto pastoral de Samuel Ruiz de “ideológico” e o interrompeu. Em Carta do 20 de julho de 2000, a Congregação para o Culto Divino transmitiu ao sucessor do sucessor (Raúl Vera) de Samuel Ruiz, D. Felipe Arizmendi, o resultado de uma Reunião Interdicasterial, da qual participou também o então Cardeal Joseph Ratzinger. Dizia a Carta: “Não é possível construir um modelo de Igreja particular prevalentemente diaconal, que não estaria conforme a constituição hierárquica da Igreja”. Quanto às ordenações ainda celebradas por Samuel Ruiz e seu coadjutor Raúl Vera López, em 18 de janeiro de 2000, o então Prefeito da Congregação para o Culto Divino, Cardeal Medina Estévez, se baseou num vídeo e assinalou:

“a) que os bispos ordenantes não fizeram uso da casula, como prescrito pela liturgia;
b) que os candidatos foram apresentados por pessoas que não eram sacerdotes;
c) que no rito da ordenação dos diáconos é o bispo celebrante principal, e somente ele, a impor as mãos;
d) que a imposição das mãos sobre a cabeça das esposas dos diáconos foi um abuso, que criou confusão e ambiguidade, como se fossem também elas `ordenadas´;
e) no rito da ordenação diaconal o bispo impõe ambas as mãos sobre a cabeça de cada um ordenado, e não uma somente;
f) que à imposição das mãos não se deve sobrepor nenhum outro rito, nem um diálogo;
g) que convêm analisar outros `sinais´ utilizados, no propósito de verificar se contêm ou não elementos sincretistas.”

Em seguida, a missiva da Congregação sugeriu “de suspender tais ordenações por um período não breve” (SEDOC 34/290, 2002, p 426ss) e em 2005 proibiu as ordenações de diáconos em Chiapas. Em 2012, a mesma Congregação suspendeu também o “Diretório para o Diaconato”, já uma década em uso, com os seguintes termos:

“Como evaluación general, de todas estas observaciones se puede justamente concluir que el Directorio para el Diaconado Indígena Permanente de la Diócesis de San Cristóbal de las Casas, en México, no cumple bien su función y es necesario corregirlo a fondo. Más aún, si se confronta con las propuestas de la teología de la liberación de tipo indigenista, se nota una clara influencia de ésta, perniciosa para la formación y el ministerio de los Diáconos Permanentes.”


Raúl Vera OP celebra 25 anos de um episcopado profético

O dominicano Raúl Vera, desde 1995 Bispo Coadjutor de Samuel Ruiz, foi também seu sucessor. Com lealdade ao povo de Chiapas continuou o projeto de Dom Samuel. Por isso, em 1999, foi removido e nomeado Bispo de Saltillo. No início de janeiro 2013, celebrou os 25 anos de seu episcopado, marcado pela audácia profética.


Raúl Vera é um dos poucos bispos do México que tem a coragem de denunciar o mercado de órgãos humanos, desaparecimento de pessoas, o crime organizado, a violação dos direitos humanos. Numa entrevista de abril p.p., Dom Raúl falou da conivência da polícia, de funcionários de migração e de políticos com os criminosos do tráfego de droga. O crime organizado está em todas as esferas públicas e nas estruturas do Estado. Trata-se de uma guerra civil contra a população e que serve para a militarização do Estado. A desconfiança contra o Estado é muito grande. Poucos tem a coragem organizar-se em movimentos de resistência. Depois das denúncias de Raúl Vera, aparecem outdoors em Santillo: 


„Comandante Vera, o Exército Zapatista de Libertação Nacional te saúda!” Por causa de uma denúncia de um cardeal peruano, que Raúl Vera favoreceria a homossexualidade em sua diocese, foi chamado pela Congregação da Fé. Não só para o Estado, também para a Igreja vale que a “corrupção dos melhores é o pior”. Pela coragem e honestidade, Raúl Vera ganhou muitos prêmios. Em 2012, foi candidato ao “Prêmio Nobel da Paz” pelo seu trabalho a favor dos direitos humanos no México. Dom Raúl Vera, parabéns!

Escuela de Mecanica de la Armada - A ESMA, Buenos Aires





A Escola de Mecânica da Armada - ESMA é uma unidade da Marinha da Argentina, destinada à formação de suboficiais especialistas em mecânica e engenharia de navegação, na cidade de Buenos Aires. A ESMA foi o mais emblemático centro clandestino de detenção e tortura utilizados pela repressão argentina do regime militar (1976-1983), por onde passaram mais de 5000 presos, posteriormente, desaparecidos. Fechado após o retorno da democracia, em 2004 foi convertido em centro de memória para recordar a repressão, o terrorismo de estado e promover o respeito aos Direitos Humanos. Sobre esses assassinatos reinava um silêncio mortal.

Os desaparecidos


Os opositores do regime presos clandestinamente na ESMA, após serem interrogados e torturados, mais de 90% deles foram assassinados, na maior parte sedados e jogados no Rio da Prata, outros fuzilados ou mortos sob tortura, incinerados e enterrados próximo ao campo de desportos do prédio.



Jorge Eduardo Acosta: 
el Tigre - ontem e hoje 
No Centro Clandestino de Detenção-CCD da ESMA funcionavam dois grupos-tarefa, o 333, a serviço do SIN (Serviço de Inteligência Naval) e o 332, da Marinha, encarregado da zona norte da Grande Buenos Aires e da Capital Federal, este dirigido pelo contra-almirante Rubén Jacinto Chamorro, auxiliado pelo capitão Jorge Eduardo Acosta (el Tigre).
Atuaram nesse local 120 assassinos e torturadores, entre os quais Alfredo Astiz, Ricardo Miguel Cavallo e Adolfo Scilingo, que dependiam indiretamente do comandante da Marinha, almirante Emilio Eduardo Massera. Adolfo Scilingo foi um dos primeiros militares que quebrou seu silencia e admitiu, em 1997, sua participação em duas “missões” mortais. Em Abril 2005, depois de um processo de oito anos, foi condenado a 640 anos de prisão e, em 2007, pela participação de outros 255 casos, para 1084 anos. 


Adolfo Scillingo
No livro “El Vuelo”, se encontra uma descrição minuciosa desses voos feitos por Scillingo, ao jornalista argentino Verbitsky. Apesar de muitos cuidados, alguns dos cadáveres apareceram nas praias e foram identificados. Entre essas, os restos mortais de duas das fundadoras das “Madres da Plaza de Mayo”.
Enrique Fukman
O repressor Jorge “Tigre” Acosta, ex capitão da Marinha, admitio ante o Tribunal Oral Federal 5 ser “absolutamente responsable, militarmente, de toda ordem que deu na Escuela de Mecánica de la Armada. Enrique Fukman, sobreviviente do centro clandestino e membro da Associação de ex Detentos e Desaparecidos confirmou que “é a primeira vez que um membro do rupo de tarefas que funcionou na ESMA, reconhece os crimes la cometidos”. Fukman relatou a dolorosa experiência que teve como um dos prisioneiros na Escuela de Mecánica de la Armada.

Não basta alimentar bem as pombas, precisa-se eliminar os tigres e os ratos.

Índia, Paraíso dos vegetarianos, vê aumento do consumo de carne e fast food





 Em nenhum outro país há tantos vegetarianos como na Índia. Mas o surgimento de uma nova classe média, que valoriza hábitos ocidentais em detrimento da tradição religiosa, faz o consumo de carne crescer rapidamente. [A reportagem é de Priya Esselborn e publicada pelo sítio Deutsche Welle, 03-01-2013.]

A princípio, parece contraditório: a Índia, o país dos vegetarianos, registra um rápido aumento do consumo de carne. Estatísticas afirmam que 40% dos indianos não comem carne. Em nenhum outro país a parcela de vegetarianos é tão alta quanto na Índia.
No entanto, nos últimos dez anos, o consumo de carne no país duplicou. Em 2009, a média era de 5,5 quilos por pessoa, segundo a Organização Mundial da Saúde: um índice ainda baixo se comparado com o da Alemanha, de 61 quilos de carne bovina, porco e aves ingeridos por cada cidadão por ano, segundo dados do Departamento Federal de Estatísticas.

Símbolo de status

As cadeias de fast food se espalham rapidamente por todas as cidades da Índia. Elas atraem principalmente a clientela mais jovem e ficam cheias sobretudo nos fins de semana. Nas grandes cidades, como Déli, Mumbai, Chennai ou Kolkata (a antiga Calcutá), famílias passam o tempo livre em encontros regados a coca-cola, batatas fritas e hambúrgueres em lanchonetes do McDonalds ou consomem frangos empanados fritos na rede Kentucky Fried Chicken.
O médico Sanjay Sanadhya, especialista em diabetes, vê com desconfiança essa mudança nos hábitos alimentares da população. "As pessoas na Índia estão simplesmente imitando o estilo de vida ocidental. Percebe-se como elas estão, de maneira geral, distanciando-se de suas tradições culturais. Além disso, há fatores como a globalização e a mobilidade crescente das pessoas, que viajam cada vez mais para o Ocidente."
Para a nova classe média indiana, sobretudo para as gerações mais jovens, comer carne é sinal de cosmopolitismo e de um certo nível de educação. Além disso, o hábito é também visto como indicador de status econômico, pois os pratos com carne no país são geralmente mais caros que os vegetarianos.
O jovem estudante Jaspreet Singh come há muito tempo carne e peixe. "Procuro ingerir um número suficiente de proteínas. Como frango, carne de carneiro e peixe. O meu corpo e a minha aparência são muito importantes para mim", conclui. Sua geração quer experimentar tudo, diz Singh. "Quem limita seus interesses, cerceia a própria vida. Mesmo que eu não goste de tudo, quero experimentar, principalmente no que diz respeito a alimentos e bebidas", explica.
"É preciso adaptar-se", afirma a também estudante Neha Chauhan. Embora ela seja vegetariana, sua irmã e seu pai comem carne. "Minha irmã viaja muito, ela precisa se adaptar. Eu até hoje não precisei e posso tomar as minhas próprias decisões, mas se tivesse que viver em outro ambiente talvez também tenha que me adaptar e comer carne", conclui.

Tabus religiosos

 Durante muito tempo, tabus religiosos impediram muitos indianos de comer carne. Textos hindus de séculos atrás já pregavam a aversão à ingestão de carne. Para os cidadãos mais religiosos, a vaca é um animal sagrado. O abate bovino é proibido no país, cuja população é composta de 80% de hindus. Antigamente, quem comia carne era considerado incivilizado e bárbaro.
Mahatma Gandhi, o pai político e espiritual da independência da Índia, era estritamente vegetariano. O "não" pregado por ele a qualquer forma de violência – um dos pilares de seus ensinamentos – começava na mesa.
Kirti Sharma, uma jovem de 20 e poucos anos de Nova Déli, concorda com os ensinamentos de Gandhi, embora acentue que cada vez menos pessoas de sua geração pensem dessa forma. "Acho muito melhor ser vegetariano, pois abater animais, ou seja, matar outros seres vivos, não pode ser boa coisa", observa.
Sharma lembra que ela pertence à casta dos brâmanes, entre os quais o consumo de carne é, na verdade, proibido. Segundo a estudante, seus pais cuidam para que ela não coma produtos derivados de animais. "Só é difícil quando sou convidada para festas, pois em muitas tortas há ovos, e acabo por ter de comê-las", conclui a jovem.
Outros grupos religiosos na Índia, como por exemplo os jainas, não só não comem carne de forma alguma, como também não ingerem vegetais que crescem debaixo da terra, como batatas, cebolas ou raízes. Seres vivos podem ser mortos durante a sua colheita, argumentam. Alguns jainas ortodoxos usam máscaras no dia a dia, a fim de evitar que engulam sem querer algum inseto.
Por fim, os muçulmanos, que perfazem 13% da população da Índia, não comem carne de porco.
Grandes cadeias, como o McDonalds, adaptaram-se ao mercado indiano. Presente na Índia desde 1996, o grupo norte-americano não vende hambúrgueres de carne bovina no país, mas o que chama de chicken maharaja burger. Segundo a publicidade veiculada pela cadeia, quem come esse hambúrguer deve se sentir como um marajá, ou seja, como um rei.
A estratégia de marketing bem-sucedida, que inclui a participação de artistas de Bollywood e de estrelas do críquete, é vista pelos especialistas como uma das razões para o aumento do consumo de carne e sobretudo de fast food em toda a Índia.

O sacramento que virou evento

Catedral da Sé de São Paulo usa empresa para atrair casamentos



São Paulo - Um dos maiores cartões-postais de São Paulo, a Catedral da Sé já é objeto de fotos de turistas e adoradores do centro em geral. Agora, vai dividir espaço com convidados em roupas sociais, damas de honra e noiva com véu e grinalda. Este ano, a igreja entra no roteiro de locais para casar na cidade.

Não que antes fosse proibido, mas eram feitas apenas três cerimônias por ano, em média, porque o local não tinha um setor dedicado à organização desse tipo de evento. Mas uma empresa foi contratada para organizar a festa, a mesma que promove os casamentos do Mosteiro de São Bento, outro local histórico bastante procurado por noivos.





Casar na Sé vai custar R$ 3 mil, com direito a usar, além do espaço físico, o órgão da catedral e a quantidade de funcionários que for necessária para deixar tudo funcionando. A ideia é que as cerimônias aconteçam em dois horários às sextas, às 19h e às 20h, e em três aos sábados, às 18h, 19h e 20h. Ideal para quem tem muitos convidados, a capacidade é para até 900 pessoas - mas o espaço pode ser rearranjado, se for o caso. "Existe a falsa impressão de que a catedral é muito grande, mas é possível colocar 250 convidados com a área central tomada", explica Alessandra Paciullo, diretora da Múltipla Eventos, responsável por organizar a hora do "sim" na Catedral da Sé para futuros casais. Ainda há muitas datas disponíveis.
 [As informações são do jornal O Estado de S. Paulo - 03/01/2013]

Divórcios no Brasil crescem mais de 40% em um ano, diz IBGE
O IBGE divulgou nesta segunda-feira (17.12.2012) as estatísticas do registro civil de 2011. A pesquisa mostra um recorde no número de divórcios no Brasil.
Em um ano, os divórcios aumentaram 45,6%. Os dados divulgados nesta segunda-feira pelo IBGE mostram que em 2011, mais de 351 mil casamentos chegaram ao fim, o maior número já registrado na história do país.



O salto tão grande na estatística é explicado pela mudança da Constituição. Desde julho de 2010, os brasileiros não precisam estar separados por pelo menos um ano para pedir o divórcio.
O aumento do número de divórcios significa que mais gente está disponível para casar outra vez. O chamado recasamento vai mudando o perfil da família brasileira.
O corretor de imóveis Marco Antônio de Jesus Dibi e a gerente de banco Danielle Mello Brandão se casaram há seis anos. Tanto ele, quanto ela já tinham passado por um divórcio.
Há dez anos, recasamentos representavam 12% das uniões registradas no país. No ano passado, chegaram a 20%.
Os brasileiros solteiros se casam cada vez mais tarde. Entre os homens, a idade subiu de 26 anos em 2001 para 28 em 2011. Entre as mulheres, de 23 para 26 anos.
“Houve um aumento na proporção de mães que têm 30 a 34 anos, especialmente São Paulo, no Distrito Federal”, aponta o gerente da pesquisa do IBGE Cláudio Crespo.
[Fonte: Jornal Nacional, Globo, Edição do dia 17/12/2012]
  

Um Brasil mais religioso



Depois das aulas de religião, a Nova Evangelização.


Estamos dando pouca atenção a isso, mas há no Brasil uma crescente intolerância ao Estado laico e à existência de uma cultura religiosa plural.
Caso 1. Há lugares (Rio de Janeiro à frente) que mantém aulas de religião na escola pública, inclusive exigindo que o professor seja antes um devoto que autenticamente um estudioso do assunto.
Caso 2. Após o início da novela "Salve Jorge", a Rede Globo já teve de vir oficialmente explicar para grupos evangélicos que a novela não faz a apologia de nenhum santo católico ou afro-brasileiro.
Sinal dos tempos. Estamos vivendo no Brasil, em matéria de religião, uma situação que não deveríamos viver de modo algum. A ampliação de novos grupos religiosos e o recrudescimento de velhos grupos abre o nosso país para questões até pouco tempo estranhas. Duas delas: a questão da religião diante do Estado (caso 1) e a da religião diante da cultura (caso 2).
Quanto à primeira questão, notamos os grupos que não entendem que o Brasil é uma sociedade plurirreligiosa e que o Estado é laico. O Estado é neutro quanto à religião exatamente para garantir que indivíduos e grupos adotem e expressem as crenças que escolherem.
Por isso mesmo caberia ao Estado, talvez, incentivar na escola pública a história das religiões, mas não a aula de religião (ainda que plural) ministrada por um militante de igreja. Há vários editais, inclusive no Estado do Rio, em que se pede do professor que irá ministrar aulas de religião uma carta de uma "autoridade competente" em religião. Ou seja, o professor tem de vir indicado por um pastor, padre ou coisa do tipo. Isso é inadmissível.
Quanto à segunda questão, vemos os grupos religiosos se indispondo contra várias práticas das quais os seus fiéis não deveriam ser privados.
O Estado laico, garantindo neutralidade, e uma cultura plural criam manifestações artísticas de várias ordens e, assim, criam elementos que permitem que todos nós possamos usufruir dessas manifestações apenas como arte, não necessariamente como religião.
A Bíblia ou o Corão podem ser lidos sem que com isso o leitor seja um devoto ou queira se tornar devoto. Ter curiosidade por religião e ler seus documentos é antes de tudo saber usufruir da cultura.
Assim, de modo similar, se a TV viesse a apresentar uma telenovela religiosa -como já fez várias vezes-, isso não deveria ser motivo para que qualquer grupo de religião distinta emergisse pedindo de seus fieis o boicote ao canal em questão.
Ou seja, aquele líder religioso que pede boicote não está infringindo a lei, mas está desrespeitando, certamente, a inteligência de seus fiéis.

Voltando ao primeiro caso e articulando-o ao segundo. Permitir que uma escola pública tenha aula de religião ministrada por um devoto, e não por um historiador das religiões (ou alguém com formação equivalente), é exatamente retirar da escola a capacidade ser o elemento que iria, em uma situação normal, ensinar aos estudantes esta verdade: não há cabimento em alguém implicar com uma novela de TV por motivos religiosos.
Nossas autoridades legais e a maior parte dos intelectuais estão fazendo vista grossa sobre essas duas questões. Tudo está indo bem no Brasil, uma vez que estamos podendo consumir. Caminhamos para lugares escuros em leis e em cultura, e estamos quietos porque também temos podido ir aos shoppings.
 Paulo Ghiraldelli Jr.
Folha de São Paulo, 2.1.2013, Opinião

PAULO GHIRALDELLI JR., 55, é filósofo, professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e autor de "As Lições de Paulo Freire" (Manole)