O Calvário dos Munduruku


O que aconteceu na aldeia mundurucu de Teles Pires?






 
Depois de sofrer ataque da Polícia Federal em novembro de 2012, durante a Operação Eldorado, que resultou no assassinato do indígena Adenilson Kirixi e na destruição da aldeia Teles Pires, o povo Munduruku, que vive na divisa do Pará com o Mato Grosso, está prestes a sofrer mais um violento ataque policial e militar. De acordo com informações de observadores locais, cerca de 250 homens fortemente armados estão posicionados em Itaituba (PA) para a realização da agora denominada Operação Tapajós.
 
Munduruku assassinado
pela Operação Eldorado
 
Após receber sinal verde da presidenta Dilma Rousseff, um contingente com agentes da PF, Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e Força Aérea foi deslocado para as proximidades da Terra Indígena Munduruku com o objetivo de realizar - à força - o estudo integrado de impactos ambientais para a construção do chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós.
Há alguns anos o povo Munduruku vem se posicionando firmemente contra qualquer empreendimento envolvendo o referido Complexo Hidrelétrico em suas terras já demarcadas ou tradicionalmente ocupadas. Os procuradores da República que denunciaram à Justiça Federal de Santarém a flagrante ilegalidade da Operação Tapajós são os mesmos que investigam os danos da Operação Eldorado; dizem temer por uma repetição do deplorável episódio. Afirmam os procuradores que o clima é de tensão.
 


Vai-se tudo repetir de novo?
Entre os dias 18 e 23 de fevereiro, 20 lideranças Munduruku estiveram em Brasília para cobrar reparações dos danos causados pela Operação Eldorado e, apesar da insistência do governo, se negaram a discutir a construção de usinas hidrelétricas. Na ocasião, o ministro Gilberto Carvalho afirmou que a negativa dos indígenas era ruim para o governo, mas ficaria ruim também para eles, Munduruku. No dia 12 de março, a presidenta Dilma Rousseff baixou o decreto nº 7.957 – que cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004.

Balas recolhidas pelos jovens da aldeia
Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para reprimir toda e qualquer ação de comunidades tradicionais, povos indígenas e outros segmentos populacionais que se posicionem contra empreendimentos que impactem seus territórios.

 

 
Com essas medidas, o governo federal demonstra claramente que não está disposto a ouvir as populações afetadas pelos grandes projetos, a exemplo das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Substitui os instrumentos legais de escuta às comunidades - como a consulta prévia assegurada pela Convenção 169 da OIT - pela força repressora do Estado e transforma os conflitos socioambientais em casos de intervenção militar. Dessa forma, os direitos dos povos passam a ser tratados como crimes contra a ”ordem pública”, caminhando para um Estado de Exceção.

Tudo de novo? Balsa dos mundurucu
de Teles Pires explodida pela PF
Essas ações do governo brasileiro confirmam a tese apresentada pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos quando afirma que atualmente vivemos em sociedades politicamente democráticas, mas socialmente fascistas, onde toda dissidência é criminalizada.

Em plena Semana Santa, Cristo segue seu calvário e é crucificado junto com os Munduruku e os demais povos indígenas no Brasil.

Conselho Indigenista Missionário – Cimi -
Brasília, 27 de março de 2013

“Temos a obrigação de articular uma alternativa anticapitalista”


 

Geógrafo de formação, o britânico David Harvey é um dos grandes comentadores da obra de Karl Marx. Ele profere hoje, em Porto Alegre, às 19h, no Teatro da Amrigs (Avenida Ipiranga, 5.311), a palestra Para Ler “O Capital”. O título da conferência ancora-se no livro Para Entender “O Capital” (Boitempo, 335 páginas, R$ 49), que está saindo agora no Brasil.

A entrevista é de Carlos André Moreira e publicada pelo jornal Zero Hora, 25-03-2013.

Eis a entrevista.

O que o senhor pode adiantar de sua conferência?

O tema vai girar sobre os motivos para ler Marx hoje, e que tipo de coisas podemos aprender com ele e o que não podemos aprender com ele, dado que tem havido muitos mal-entendidos a respeito disso. Vou falar também sobre sua significação política e também o quão útil ele pode ser para a compreensão do contexto das atuais dificuldades enfrentadas pela economia global.

 

E por que ler Marx hoje?

 

Porque o que Marx fez, em O Capital, particularmente, foi escrever uma exposição crítica de como o capitalismo funciona. E hoje, após 30 ou 40 anos de políticas neoliberais, de muitas maneiras, o que Marx conta descreve exatamente o mundo que está sendo construído agora. Então, ele é muito relevante para o entendimento da dinâmica da atual situação mundial.

 

Com a crise de 2008, muitos se apressaram em declarar o fim do capitalismo financeiro. O senhor, entretanto, alertou recentemente que as grandes fortunas especulativas só aumentaram. Por que isso aconteceu?

 
Porque muitos integrantes da elite financeira têm uma influência real e direta sobre a mídia e sobre conexões políticas e usaram a crise para melhorar sua situação. Alguns deles se deram mal, alguns foram para a cadeia, é verdade, mas a longo prazo, essa fatia de 0,1% da população que compõe a fatia mais rica ficou ainda mais rica do que há cinco anos, quando a crise estourou.

 

A crise financeira levou pessoas às ruas para manifestações contra a falta de regulamentação do capital. Que oportunidades se abriram para propostas alternativas ao modelo vigente?

 
Em minha opinião, abriram-se muitas oportunidades. Acho, contudo, que a grande pergunta é: por que tais oportunidades não estão sendo aproveitadas de modo mais efetivo pela esquerda? Em especial, acho que não vimos os partidos políticos da esquerda se apresentarem à altura do desafio. A maior parte desses protestos ocorreu nas ruas, e não parece ter alcançado os políticos. Penso que as instituições por meio das quais as mudanças políticas são organizadas tradicionalmente, como sindicatos ou partidos políticos, simplesmente desapareceram e não foram fortes o bastante para articular o que deveria ser uma alternativa anticapitalista. As oportunidades apareceram. A pergunta é por que a esquerda não tirou melhor proveito.

 

Slavoj Zizek, que veio a Porto Alegre no início deste mês, comentou que as manifestações não geraram proposta concreta alguma, e que faltava aos manifestantes uma ideia do que queriam de fato. O senhor concorda?

 
Sim. A maior parte das manifestações tinha caráter de pura oposição, e não foram construtivas a respeito de alternativas. Meu trabalho tem sido no intuito de mudar isso, de tentar criar uma visão alternativa, com a qual as pessoas possam se identificar e pela qual possam se mobilizar. Penso que foi o que Marx e Engels fizeram quando escreveram o Manifesto Comunista, e deveríamos estar fazendo algo parecido agora. Claro que as condições hoje são diferentes, não podemos repetir o Manifesto..., temos que lidar com a situação de crise global, com as interações que estão ocorrendo com as novas tecnologias e, é claro, com a natureza financeira do capitalismo atual. Temos um cenário diferente hoje do de há 150 anos, mas temos a obrigação de articular o que poderia ser uma alternativa anticapitalista.

 
Zizek também comentou que, passados cinco anos, a maior consequência da crise foi a perda, pela Europa, do papel de modelo. Na sua opinião, a crise é apenas europeia?

 

Não. A crise está em toda parte, mas assumiu diferentes formas. Se você perguntar sobre a situação do desemprego, obviamente certas partes da Europa têm altos índices, e outras, como a Alemanha, têm baixos índices. E na própria Europa parte está se saindo muito bem e parte está se saindo muito mal, é o que eu chamo de dessenvolvimento geográfico desigual da crise. Nós vemos isso mesmo em outros países. Em Nova York, de onde venho, a economia não está se saindo muito mal. Temos algumas dificuldades, mas não está tão mal quanto Las Vegas, Florida ou Phoenix. É um desenvolvimento desigual da crise, e você tem de ser muito específico sobre qual a natureza da crise. Em uma parte do mundo, é desemprego, em outra, é a instabilidade financeira, e em outra ainda, é a crise política. A maior parte da Europa em dificuldades, principalmente na zona do Euro, está em uma crise política.

PM desocupa a Aldeia Maracanã, antigo Museu do Índio, no Rio, com tumulto e violência




A polícia usou spray de pimenta e gás lacrimogênio para conter o tumulto. O prédio, que dará lugar ao Museu Olímpico, foi cercado durante a madrugada por mais de 50 PMs, com motos e carros. Um helicóptero da PM sobrevoa a área. [...]

Alba Valéria Mendonça
e Isabela Marinho, G1 Rio

 Entenda o caso

A polêmica sobre o destino do espaço começou em outubro de 2012, quando o governo do estado anunciou mudanças no entorno do Maracanã, para que o estádio pudesse receber a Copa das Confederações, em 2013, a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016.

Pelo projeto da Casa Civil, o Maracanã seria transferido para a iniciativa privada, que deveria construir um estacionamento, um centro comercial e áreas para saída do público. Para isso, alguns prédios ao redor do estádio deveriam ser demolidos, entre eles o casarão do antigo Museu do Índio, que funcionou no local de 1910 até 1978.

O edifício com área de cerca de 1600 m² está desativado há 34 anos. O grupo de indígenas que ocupa o prédio – e deu ao museu o nome de Aldeia Maracanã – está no local desde 2006.

Esse ano, no entanto, a 8ª Vara Federal Cível do Rio de Janeiro concedeu imissão de posse em favor do governo estadual. Os índios foram notificados em 15 de março.

Centro de Referência Indígena chega tarde

A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos ofereceu ao grupo opções de moradia provisória até que o Centro de Referência Indígena seja construído, na Quinta da Boa Vista, também na Zona Norte. O secretário Zaqueu Teixeira deu prazo de um ano e meio para a construção do Centro de Referência Indígena.
 
Um dos abrigos provisórios é o Hotel Santanna, no Centro da cidade, onde indígenas teriam alimentação e um andar exclusivo, segundo o governo. [...] "Oferecemos tudo para que fosse resolvido: transporte, alimentação, hospedagem para que fosse resolvida e não tem mais o que ofertar. É a última proposta do governo. Se eles não cumprirem, a Justiça vai obrigá-los a sair. Minha parte, que é ofertar, já está feita. Aí é com a Justiça o tempo para retirá-los", disse o secretário na quinta-feira (21).

O defensor público federal Daniel Macedo, que ontem negociou com o grupo essa proposta, disse que os indígenas estavam "resolutos em aceitá-las" e que o hotel oferecido pelo governo é utilizado por moradores de rua, que passam a noite no local e têm que deixá-lo às 9h da manhã do dia seguinte.

Macedo afirmou que alguns indígenas estão dispostos a lutar com a própria vida. "Se falecer um índio aqui, vai repercutir mal internacionalmente e internamente", disse.

"A gente até agora não assinou nenhum documento, não há local definido pra nova Aldeia Maracanã. O prédio que cederam, não fomos ver, mas sabemos que não é adequado. Por isso vamos manter a resistência pacificamente neste local", disse na quinta Afonso Apurinã, presidente da Associação dos Índios da Aldeia Maracanã.

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos terá sido o óbvio...




 

 

Um Índio descerá
 

 

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante

De uma estrela que virá numa velocidade estonteante

E pousará no coração do hemisfério sul e norte, num claro instante

[...]



Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi

Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi

Tranquilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi

O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá

[...]
 
 

Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico

Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio

E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer

Assim, de um modo explícito
 

 


 

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos

Surpreenderá a todos, não por ser exótico

Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto

Quando terá sido o óbvio.
 
 
 
 
 
 

40 anos depois do assassinato de Alexandre Vannucchi

  


Estou chegando da Catedral da Sé (SP), onde dom Angélico Sândalo Bernardino celebrou  Missa em memória dos 40 anos do assassinato do estudante Alexandre Vannucchi pela ditadura. Através da irmã Christina, de Alexandre, nós do Cimi estivemos muito ligados à causa Vannucchi. Obrigado, dom Angêlico, pelo seu "eu vi e testemunho!". (P.S.) 





Quem era Alexandre Vannucchi Leme?
 
Em 1973, Alexandre Vannucchi tinha 22 anos e cursava o quarto ano de Geologia na USP.  Alexandre participava do movimento estudantil e militava no grupo clandestino Ação Libertadora Nacional (ALN). Na manhã de 16 de março, foi preso por agentes do II Exército. Sobreviveu por poucas horas nas mãos dos seus torturadores do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Alexandre Vannucchi foi enterrado como indigente. Os restos mortais foram entregues à família em 1983, dez anos após o seu assassinato.
 
A morte de Alexandre teve repercussão imediata. O Conselho de Centros Acadêmicos declarou luto na USP. Partiu dos estudantes a ideia de convidar dom Paulo Arns, arcebispo de São Paulo, para realizar uma missa em memória do colega assassinado. A celebração na Sé, marcada para o dia 30 de março, transformou-se na primeira grande manifstação pública de oposição à Ditadura desde as manifestações de 1968. Em 1976, os estudantes da USP criaram o Diretório Central dos Estudantes-Livre Alexandre Vannucchi Leme.
 
Hoje, 15 de março, às 12h00, no Instituto de Geociência da USP, aconteceu a 68 Caravana da Anistia, com o reconhecimento pelo estado Brasileiro de Alexandre Vannucchi Leme como anistiado político.
 
 
 

Outra vez, a mão de Deus


 
Sete espantos causados por Francisco:
um papa convertido ao povo




A mão de Deus
Parecia que foi a mão de Deus – não como no caso de Maradona! - que escolheu com o novo papa um nome não esperado pela opinião pública. “Os cardeais me buscaram dos confins do mundo” declarou o recém-eleito. Alegria espontânea no meio do povo, não necessariamente por ser um ítalo-americano, mas por dar sinais para a renovação da Igreja, não baseada na tecnologia, mas em atitudes humanas e na opção pelos pobres.
 
Primeiro espanto, aparição de um septuagenário que elegeu o nome “Francisco”. O verdadeiro espanto é que nessa longa história da Igreja nenhum papa teve a ideia ou a coragem de escolher esse nome que é um programa.

Segundo espanto, o papa Francisco aparece na sacada do palácio “apenas” com a batina branca e não diz “laudetur Iesus Christus”, mas boa noite.
 


Terceiro espanto, o novo papa se inclina diante da multidão na Praça de São Pedro e pede orações e a benção do povo, antes de ele dar a benção apostólica “urbi et orbi”, prevista na cerimônia.






Quarto espanto, notícias da biografia de Jorge Mario Bergoglio que contam que o arcebispo e cardeal de Buenos Aires não atravessava sua metrópole com motorista e Mercedes, mas com transporte público, com ônibus e Metrô.


Quinto espanto, outra notícia dessa mesma biografia de Bergoglio que se refera ao bispo cozinheiro. Desde a morte prematura de sua mãe aprendeu preparar seu almoço e outras comidas gostosas.
 
Sexto espanto, este jesuíta e bispo de Buenos Aires, que pertence a uma família de classe média e adquiriu uma simplicidade franciscana e certa reserva contra a pompa curial. Por sua prática de pastoral e vida, Jorge Bergoglio pode hoje ser qualificado como “teólogo anônimo de libertação”, embora que nunca rezou pela cartilha da Teologia da Libertação. Seu colega de Companhia, Karl Rahner, saberia bem explicar o significado desse anonimato.

Sétimo espanto, por conta de grupos que defendem os direitos humanos. A mídia nos informou que Bergoglio e sua Igreja argentina não mostraram atitudes proféticas durante a ditadura militar (1976-1983) como aconteceu em outras igrejas latino-americans. Nessa época, Mário Bergoglio ainda não era bispo, mas provincial dos jesuítas da Argentina (1973-1979). Como provincial expulsou dois jovens jesuítas – Orlando Virgílio Yorio e Francisco Jálics – da Companhia de Jesus e dificultou a sua recepção na diocese de Morón do Salesiano Dom Miguel Raspanti. Entre expulsão e trâmites de recepção, dia 23 de maio de 1976, Yori e Jálics foram sequestrados pelas forças militares, torturados e, meio ano mais tarde (22.10.1976), expatriados. A sincronização entre expulsão e sequestro dos dois ex-jesuítas indicaria certo “entendimento” entre autoridade eclesiástica e militar. O entendimento foi o seguinte: os militares avisaram o superior dos jesuítas de um sequestro iminente, se eles não fossem retirados de Bajo Flores. Segundo o padre salesiano Roberto Musante, argentino e hoje missionário em Angola, teve uma intervenção do padre Arrupe, geral dos jesuítas, junto ao provincial Bergoglio, pela retirada de Yorio e Jálics para garantir sua integridade física. Ao permanecer na vila por fidelidade aos pobres, ficaram desprotegidos. Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980, garantiu à BBC Mundo: "Não há nenhum vínculo que relacione Bergoglio com a ditadura".



Papa Francisco pede a benção do povo e o perdão a Deus


Segundo o Ritual Romano, o novo papa deu uma indulgência plenária aos fieis, urbi et orbi.

Viagem feliz: papa Francisco com
 D. Damasceno, presidente da CNBB
 Certamente, o papa Francisco pediu também para si mesmo essa indulgência de Deus e o perdão de Orlando Yorio e Francisco Jálics, com quem agora partilha o nome. Quem poderia assumir a tarefa do papado, sem a misericórdia divina? Essa misericórdia, Jorge Bergoglio já expressou, programaticamente, em seu escudo episcopal: [Deus] “elege com misericórdia” (“miserando atque eligiendo”).
 
Brasil e suas pastorais desejam ao papa Francisco que ele, como seu padroeiro de Assis, no abraço dos leprosos, que hoje se encontram não só na cúria romana, mas por toda parte do mundo, encontre sua missão profunda e conversão permanente. Desejamos que ele, como São Francisco, na oração diante do ícone da cruz na Igreja de São Damião, escute a voz de Jesus, que o convida para a reconstrução da Igreja em ruína da qual todos fazemos parte.
Paulo Suess
T

Dois projetos e cinco cenários


 
 

"O lugar de nascimento e o continente de proveniência do respectivo candidato são menos importantes que o alinhamento teológico-pastoral. A passagem pela Cúria Romana já fez de muitos latino-ericanos e africanos verdadeiros representantes do projeto curial e neocolonial. Por vezes, seus representantes são mais papais que o próprio papa", escreve Paulo Suess, assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi - e professor no ciclo de pós-graduação em missiologia, no Instituto Teológico de São Paulo – ITESP. 
Segundo o teólogo, "pode surgir um nome quase desconhecido, o nome de um pastor que, como o filho de Jessé, se encontrava no campo apascentando ovelhas, um Davi capaz de vencer Golias e escolhido por Deus. (cf. 1 Sam 16 e 17)".
 
 
[Fonte: F.d. S.P, Angeli]
Chegou a hora da verdade: dia 12.03.2013 
 
Eis o artigo.
 
Consenso
A maioria dos cardeais, que nestes dias entram no conclave, quer transparência administrativa e honestidade moral – urbi et orbi. Aprenderam em suas dioceses que a anonimidade da esmola não deve ser confundida com “projetos” para os chamados “serviços de caridade”, apoiados por agências financiadoras como Caritas, Adveniat ou Pão para o Mundo. O povo que subvenciona essas atividades quer saber o que acontece com o dinheiro que põe no cofre da igreja. O mesmo povo ensinou também seus pastores a perceber a diferença fundamental entre deslizes celibatários de seu clero e pedofilia criminosa. O chamado “sigilo pontifício”, às vezes, estendido para campos administrativos nas dioceses, cria desinformação e não ajuda nessa transparência.
 Contudo, nas questões administrativas e sobre a tolerância-zero nos casos de pedofilia há consenso como há consenso sobre a tarefa de o novo papa criar mecanismos estruturais de controle desde o Instituto de Obras Religiosas (IOR), o Banco do Vaticano, até à segurança dos documentos na mesa do próprio papa.
 Dois projetos
Mas, além desse consenso sobre um novo ordenamento administrativo da Cúria Romana, existe, neste momento eclesial, uma linha divisória entre dois projetos eclesiológicos: o projeto da “nova evangelização”, como extensão da cristandade em novos contextos urbanos, e o projeto “povo de Deus”, inspirado no Concílio Vaticano II. O primeiro projeto é majoritário entre os cardeais que entram no conclave e, está centrado na mentalidade da hierarquia europeia. O segundo é minoritário, acompanha as lutas populares por justiça e assume uma clara opção pelos pobres. Para ambos os projetos, o lugar de nascimento e o continente de proveniência do respectivo candidato são menos importantes que o alinhamento teológico-pastoral. A passagem pela Cúria Romana já fez de muitos latino-americanos e africanos verdadeiros representantes do projeto curial e neocolonial. Por vezes, seus representantes são mais papais que o próprio papa.
Cenário 1: Continuísmo europeu
 Para o projeto da Nova Evangelização, o nome mais lembrado é o do cardeal Angelo Scola, de Milão. Trabalhou com o teólogo Joseph Ratzinger na redação da revista Comunio, um projeto alternativo, à revista Concilium que procurou manter o projeto do Vaticano II aberto para o futuro. Numa escolha simbólica para ser um futuro papábile – veja a trajetória de Pio XI (1922) e Paulo VI (1963) que tiveram passagem por Milão! -, Bento XVI transferiu Scola de Veneza para Milão. Pode ser que os cardeais votantes querem romper com a linha Wojtyla-Ratzinger ou que os 28 cardeais italianos com poder de voto não cheguem a articular uma maioria de dois terços dos votantes.
Cenário 2: Continuísmo com aliados não europeus
 Na busca de um cardeal similar, se impõe um segundo cenário: um cardeal não europeu, com formação e cabeça feita pela Cúria Romana. Neste caso, o nome do arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer (63), descendente de migrantes alemães, vai se impor. Scherer fala as línguas necessárias para o cargo e tem a formação teológica adequada. Ele está muito bem relacionado com a Cúria Romana que, desde a sua passagem pela Congregação para os Bispos, tem um interesse de tê-lo por perto, através de múltiplos ministérios que lhe foram confiados. Scherer é membro da Congregação para o Clero, da Comissão Cardinalícia de Vigilância do Instituto para as Obras de Religiões, fez parte do XII Conselho Ordinário da Secretaria do Sínodo dos Bispos, é membro do Pontifício Conselho para a Família, da Pontifícia Comissão para a América Latina e do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.
 De 1994 até 2001, Odilo Scherer era Oficial da Congregação para os Bispos, na Cúria Romana. Pela mesma Congregação, a qual serviu sete anos, foi diretamente nomeado bispo-auxiliar de São Paulo (2001). Seis anos mais tarde, em 2007, Scherer foi nomeado arcebispo de São Paulo e poucos meses depois, cardeal.
Na Congregação para os Bispos, Odilo Scherer foi estreito colaborador de Giovanni Battista Re, que de 1987 até 2000 era secretário e de 2000 até 2010, prefeito da Congregação para os Bispos e presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina. Em 2007, cardeal Re foi um dos presidentes da 5ª Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Aparecida, onde autuou junto com dom Odilo. E, finalmente, Battista Re vai presidir o conclave para a eleição do sucessor de Bento XVI.
Ainda como bispo-auxiliar, entre 2003 e 2007, Scherer era secretária-geral da CNBB, onde se destacou pelo estreitamento das relações entre CNBB, Nunciatura, Congregação para os Bispos e Secretaria de Estado do Vaticano. Angelo Sodano, desde 1991 Secretário de Estado, hoje é decano do Colégio dos Cardeais, cargo que lhe confere o comando dos debates do pré-conclave. Em 2005, por ocasião da greve de fome de dom Luis Flávio Cappio, bispo da Diocese de Barra/BA, em defesa dos moradores ao longo do rio São Francisco, dom Odilo publicou uma carta de advertência do cardeal Re, dirigida a dom Cappio, no sitio da CNBB. Essa carta questionou a legitimidade doutrinal de seu gesto profético e sua publicação feriu o “segredo pontifício” que vale para a correspondência entre Cúria Romana, Nuntiatura e bispos. Já como cardeal de São Paulo, Scherer declarou repetidas vezes: “a teologia da libertação acabou” e, perguntado por Bento XVI sobre forças novas na pastoral urbana, apontou para os Arautos do Evangelho.
 
 
Além de Angelo Sodano e Battista Re, o cardeal Scherer ainda tem Ludwig Müller, o prefeito da Congregação pela Doutrina da Fé, como aliado. Este, quando ainda era professor de Teologia Dogmática na Universidade de Munique, passou anos seguidos por São Paulo, com visitas em Campo Limpo e na Faculdade de Assunção, onde, a convite da Pós-Graduação em Missiologia, administrou duas vezes algumas aulas. Depois de sua nomeação como bispo de Regensburg, dom Müller entregou pessoalmente a arquidiocese uma grande quantidade de dinheiro como doação missionária de sua diocese para restaurar o Seminário Tridentino no bairro de Ipiranga.
Além dos aliados externos da candidatura de dom Odilo, o monsenhor Antônio Luiz Catelan, jovem assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé na CNBB, que acompanha os cardeais brasileiros em Roma, se revelou um simpatizante explícito da candidatura de Scherer. Catelan enalteceu o comportamento de dom Odilo na crise da reitoria da PUC, sua capacidade administrativa e seus contatos com cardeais italianos influentes no conclave. “Podem apresenta-lo como um bom candidato” (Folha de São Paulo, 6.3.2013., p. A8) recomendou aos jornalistas.
 
Cenário 3: Igreja povo de Deus, colegialidade e diálogo
 Apesar dessa projeção, pode ser, que Odilo Scherer não alcance a maioria necessária pela perspectiva de pouco espaço para inovações. Nesse caso, a minoria do conclave vai tentar articular um terceiro cenário em torno do projeto do Vaticano II, enfatizando a eclesiologia “Igreja povo de Deus”, colegialidade, diálogo entre os dicastérios da cúria, com a Igreja local e as religiões.
 As figuras de proa desse projeto “povo de Deus” serão o nigeriano Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, o filipino Luis Antonio Tagle e o hondurenho Oscar Rodrigues Maradiaga, presidente da Caritas Internacional. Este se enfraqueceu por ter apoiado, em 2009, o Golpe de Estado em Honduras. Provavelmente nenhum dos nomes que representa com força o projeto conciliar, vai ser eleito papa.
 Cenário 4 e 5: Negociação ou surpresa

Um quarto cenário será de composição, tipo “café com leite”. Mas, finalmente, num quinto cenário, pode surgir um nome quase desconhecido, o nome de um pastor que, como o filho de Jessé, se encontrava no campo apascentando ovelhas, um Davi capaz de vencer Golias e escolhido por Deus. (cf. 1 Sam 16 e 17).