BELO MONTE: O DIÁLOGO QUE NÃO HOUVE

Carta aberta à opinião pública nacional e internacional

Venho mais uma vez manifestar-me publicamente em relação ao projeto do Governo Federal de construir a Usina Hidrelétrica Belo Monte cujas consequências irreversíveis atingirão especialmente os municípios paraenses de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e os povos indígenas da região.

Como Bispo do Xingu e presidente do Cimi, solicitei uma audiência com a Presidente Dilma Rousseff para apresentar-lhe, à viva voz, nossas preocupações, questionamentos e todos os motivos que corroboram nossa posição contra Belo Monte. Lamento profundamente não ter sido recebido.

Diferentemente do que foi solicitado, o Governo me propôs um encontro com o Ministro de Estado da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. No entanto, o Senhor Ministro declarou na última quarta-feira, 16 de março, em Brasília, diante de mais de uma centena de lideranças sociais e eclesiais, participantes de um Simpósio Sobre Mudanças Climáticas que “há no governo uma convicção firmada e fundada que tem que haver Belo Monte, que é possível, que é viável... Então, eu não vou dizer prá Dilma não fazer Belo Monte, porque eu acho que Belo Monte vai ter que ser construída”.

Esse posicionamento evidencia mais uma vez que ao Governo só interessa comunicar-nos as decisões tomadas, negando-nos qualquer diálogo aberto e substancial. Assim, uma reunião com o Ministro de Estado Gilberto Carvalho não faz nenhum sentido, razão pela qual resolvi declinar do convite.

Nestes últimos anos não medimos esforços para estabelecer um canal de diálogo com o Governo brasileiro acerca deste projeto. Infelizmente, constatamos que esse almejado diálogo foi inviabilizado já desde o início. As duas audiências realizadas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 19 de março e 22 de julho de 2009, não passaram de formalidades. Na segunda audiência, o ex-presidente nos prometeu que os representantes do setor energético, com brevidade, apresentariam uma resposta aos bem fundamentados questionamentos técnicos feitos à obra pelo Dr. Célio Bermann, professor do curso de pós-graduação em energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Essa resposta nunca foi dada, como também nunca foram levados em conta os argumentos técnicos contidos na Nota Pública do Painel de Especialistas, composto por 40 cientistas, pesquisadores e professores universitários.

Observamos, pelo contrário, na sequência a essas audiências, que técnicos do Ibama reclamaram estar sob pressão política para concluir com maior rapidez os seus pareceres e emitir a Licença Prévia para a construção da usina. Tais pressões políticas são de conhecimento público e motivaram, inclusive, a demissão de diversos diretores e presidentes do órgão ambiental oficial. Em seguida, foi concedida uma "Licença Específica", não prevista na legislação ambiental brasileira, para a instalação do canteiro de obras.

No dia 8 de fevereiro de 2011, povos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e representantes de diversas organizações da sociedade realizaram uma manifestação pública em frente ao Palácio do Planalto. Na ocasião, foi entregue um abaixo-assinado contrário à obra, contendo mais de 600 mil assinaturas. Embora houvessem solicitado uma audiência com bastante antecedência, não foram recebidos pela Presidente. Conseguiram apenas entregar ao ministro substituto da Secretaria Geral da Presidência, Rogério Sottili, uma carta em que apontaram uma série de argumentos para justificar o posicionamento contrário à obra. O ministro prometeu mais uma vez o diálogo e considerou a carta "um relato que prezo, talvez um dos mais importantes da minha relação política no Governo (...) vou levar este relato, esta carta, este manifesto de vocês, os reclamos de vocês...". Até o momento, nenhuma resposta!


As quatro audiências - realizadas em Altamira, Brasil Novo, Vitória do Xingu e Belém - não passaram de mero formalismo para chancelar decisões já tomadas pelo Governo e cumprir um protocolo. A maioria da população ameaçada não conseguiu se fazer presente. Pessoas contrárias à obra que conseguiram chegar aos locais das audiências não tiveram oportunidade real de participação e manifestação, devido ao descabido aparato bélico montado pela Polícia.

Até o presente momento, os índios não foram ouvidos. As "oitivas" indígenas não aconteceram. Algumas reuniões foram realizadas com o objetivo de informar os índios sobre a Usina. Os indígenas que fizeram constar em ata sua posição contrária à UHE Belo Monte foram tranquilizados por funcionários da Funai que as "oitivas" seriam realizadas posteriormente. Para surpresa de todos nós, as atas das reuniões informativas foram publicadas pelo Governo de maneira fraudulenta em um documento intitulado "Oitivas Indígenas". Esse fato foi denunciado pelos indígenas que participaram das reuniões. Com base nestas denúncias, peticionamos à Procuradoria Geral da República investigação e tomada de providências cabíveis.

A tese defendida pelo Sr. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), de que as aldeias indígenas não serão afetadas pela UHE Belo Monte, por não serem inundadas, é mera tentativa de confundir a opinião pública. Ocorrerá justamente o contrário: os habitantes, tanto nas aldeias como na margem do rio, ficarão praticamente sem água, em decorrência da redução do volume hídrico. Ora, esses povos vivem da pesca e da agricultura familiar e utilizam o rio para se locomover. Como chegarão a Altamira para fazer compras ou levar doentes, quando um paredão de 1.620 metros de comprimento e de 93 metros de altura for erguido diante deles?

Julgo fundamental esclarecer que não há nenhum estudo sobre o impacto que sofrerão os municípios à jusante - Senador José Porfírio e Porto de Moz - como também sobre a qualidade da água do reservatório a ser formado. Qual será o futuro de Altamira, com uma população atual de 105 mil habitantes, ao ser transformada numa península margeada por um lago podre e morto? Os atingidos pela barragem de Tucuruí tiveram que abandonar a região por causa de inúmeras pragas de mosquitos e doenças endêmicas. Mas os tecnocratas e políticos que vivem na capital federal simplesmente menosprezam a possibilidade de que o mesmo venha a acontecer em Altamira.

Alertamos a sociedade nacional e internacional que Belo Monte está sendo alicerçada na ilegalidade e na negação de diálogo com as populações atingidas, correndo o risco de ser construída sob o império da força armada, a exemplo do que vem ocorrendo com a Transposição das águas do rio São Francisco no Nordeste do país.

Protesto dos Índios contra
 Belo Monte
 
O Governo Federal, no caso da construção da UHE Belo Monte, será diretamente responsável pela desgraça que desabará sobre a região do Xingu e sobre toda a Amazônia.

Por fim, declaramos que nenhuma “condicionante” será capaz de justificar a UHE Belo Monte. Jamais aceitaremos esse projeto de morte. Continuaremos a apoiar a luta dos povos do Xingu contra a construção desse “monumento à insanidade”.
Brasília, 25 de março de 2011
Dom Erwin Kräutler
Bispo do Xingu e Presidente do Cimi – Conselho Indigenista Missionário

PASTOR, TESTEMUNHA, MÁRTIR

Memória do XXXI. aniversário
do assasinato de Dom Oscar Romero

“Que este corpo imolado e este sangue sacrificado pelos homens nos alimentem, para que, como Cristo, também saibamos dar nosso corpo e nosso sangue no sofrimento e na dor, não por nós mesmos, mas para trazer justiça e paz para o nosso povo”. Poucos segundos depois de ter pronunciado essas palavras, na capela do Hospital da Divina Providencia de San Salvador, em sua homilia, no dia 24 de março de 1980, soou o disparo mortal. Ao preparar pão e vinho para a celebração eucarística, Dom Romero caiu sobre o altar e expirou sua vida no chão. Anoitecer em El Salvador.
No enterro, presença solidária dos pobres e de bispos amigos do mundo inteiro, menos de El Salvador. Dos seis bispos de um país onde todos são vizinhos por causa do seu tamanho de um município (21.042 km ²), na época com uma população de seis milhões, só Msgr. Rivera y Damas estava presente. A opção pelos pobres, pelo povo do campo sem terra, pelos migrantes para as grandes cidades e pelos povos indígenas despejados de suas terras delineava o novo rosto de uma Igreja Povo de Deus, como o Concílio preconizava (Lumen gentium, 9-17). Romero pertenceu a um setor significativo da Igreja latino-americana, que começou a acreditar no Deus dos pobres e em Deus nos pobres.
Em suas homilias dominicais transmitidas pela Rádio, Romero defendeu os pobres, denunciava os assassinatos, desmascarava os mentirosos, rompeu com as forças militares que tramavam a sua morte como articulavam, nove anos mais tarde, a morte dos seis jesuítas e das duas mulheres a serviço da Universidade Católica Salvadorenha. Romero foi nomeado Bispo da Arquidiocese de San Salvador em 3 de fevereiro de 1977. Pelo parlamento inglês, foi indicado como candidato ao Prêmio Nobel da Paz de 1979. “Perdeu” o prêmio de Estocolmo contra Teresa de Calcutá como perdeu a canonização por causa de seu martírio contra Escrivá de Balaguer, o fundador do Opus Dei. Depois de três anos de vida pública, em São Salvador, Oscar Romero foi sacrificado, como o divino mestre.
Os guardas de seu sepulcro na cripta da catedral não impediram a ressurreição de Romero, que vive no coração do povo.
(P.S. 24.3.2011)

A utopia migrante


Meditação pré-pascal

“E aquilo
que nesse momento se revelará aos povos
surpreenderá a todos não por ser exótico,
mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
quando terá sido o óbvio”.
(Caetano Veloso)

Ilha de Utopia (Tomás Moro)

A utopia é uma migrante de países prósperos a países pobres. Enfeitiçados pelos meios de comunicação, que fazem estimar o opressor, perdoar ao corrupto e desprezar o oprimido, assistimos a um rebaixamento do espírito utópico de um proletariado aburguesado, sindicatos burocratizados e líderes populares incorporados em máquinas administrativas de governos supostamente progressistas. Também as Igrejas se acomodaram no interior do sistema, em troca do reconhecimento de sua liberdade institucional da qual fazem pouco uso. Mas essa acomodação tem seu preço: a corrosão de seu caráter profético.

Mas o vinho novo do Reino não cabe nem acaba nos odres velhos (cf. Mt 9,17) de uma funcionalidade sistêmica. A profecia pode migrar para outros espaços e siglas. O que a Encíclica Pacem in terris, de João XXIII (1963), o Vaticano II (1962-1965) e Medellín (1968) chamaram “sinais do tempo” – a emancipação dos operários, dos países colonizados e das mulheres -, na realidade foram lutas evangélicas abandonadas nas Igrejas. Reapareceram metamorfoseadas no mundo secular, porque em seu berço eclesial não encontraram hospedagem.
Felicidade e dignidade
Podemos distinguir utopias sociais de utopias culturais. As utopias sociais têm seu ponto de gravidade no sistema econômico, visam à felicidade ou ao menos à redução da fome e da miséria. As utopias do direito natural, com seu ponto de gravidade no campo cultural jurídico dos direitos humanos, visam à dignidade, à cabeça erguida e à proteção legal de liberdade. A vida concreta é ameaçada em ambos os campos: pela fome e pelo desprezo ou, como Marx diria, na base e na superestrutura.

Daí emergem tarefas urgentes de transformação: a redistribuição dos bens de acordo com as potencialidades do planeta Terra, o reconhecimento do ”Outro” no horizonte de uma harmonia universal e a participação democrática de todos, sem privilégios de classe. O primado da dignidade humana exige a prioridade dada à libertação econômica. Entre ambos, há uma relação de meios e fins.
Algo falta – Virá que eu vi
Mas, para a utopia que articula felicidade e dignidade falta ainda algo para configurar a plenitude da vida de todos. Afastados fome e desprezo da vida humana, esta ainda está ameaçada pela apropriação privilegiada de alguns. Portanto, o bem viver precisa ser pensado para todos e, ao ser pensado para todos, necessita como terceiro elemento da justiça distributiva e redistributiva.

O terceiro elemento utópico, a justiça, nos faz lembrar, concretamente, daqueles que morreram injustiçados. O horizonte utópico inclui, ao lado de felicidade e dignidade a justiça dos injustiçados, vivos ou mortos. O Messias virá quando houver para todos lugar na mesa. Mas ele virá como memória daqueles que, castigados por fome e desprezo, caíram no túmulo do esquecimento. A justiça para todos é impensável sem a memória e a graça da ressurreição dos mortos.

A história da humanidade mostrou, que o anseio da ressurreição e a vitória sobre a morte reuniu médicos e xamãs, teólogos e filósofos numa batalha que, até hoje, não está vencida nem perdida. Ela está presente em quase todas as culturas e pode alocar-se em imaginários muito diferentes. A partir do tripé – felicidade, dignidade, continuidade da vida –, compreendemos o projeto da vida plena como justiça e esperança perigosa.
(P.S. 15.03.2011)

CF 2011: “A criação geme em dores de parto” e morte


Catástrofe
A causa principal da catástrofe ecológica está no “atual modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza” (Documento de Aparecida, 473). Esse modelo “subordina a preservação da natureza ao desenvolvimento econômico, com danos à biodiversidade, com o esgotamento das reservas de água e de outros recursos naturais, com a contaminação do ar e a mudança climática” (DAp 66).

Biodiversidade
Biodiversidade significa, segundo a CF, diversidade biológica, que se formou em três bilhões de anos e abarca 10 milhões de espécies na Terra: ecossistemas, espécies e genes. 
A biodiversidade garante a harmonia ambiental através de três eixos, também chamados “serviços ambientais”:
- equilíbrio do clima,
- qualidade e quantidade de água,

- produção de alimentos.
O inimigo número um da biodiversidade é a monocultura.


Desapego

Sobrevivente de Ishimaki

A vida no planeta exige um novo modelo de desenvolvimento social e aponta para uma ascese pessoal com sua raiz na solidariedade “assumindo com seriedade a virtude da pobreza como estilo de vida sóbrio para ir ao encontro e ajudar a atender às necessidades dos irmãos que vivem na indigência” (DAp 540). O desapego, como exercício de se livrar do desnecessário para que todos possam usufruir o necessário, ultrapassa a esfera do privado e do individual. O desprendimento, em sua forma individual, pode ser compreendido como conversão e ascese, em sua forma comunitária ou sociopolítica, como ruptura e solidariedade.
 (P.S. 13.3.2011)

D. Aldo Mongiano de passagem por S. Paulo

Quarta-feira de Cinzas, 2011. De manhã cedo, o telefone toca. No outro lado estava D. Aldo Mongiano, de 1975 a 1996 Bispo de Roraima, hoje Emérito. Vive numa casa de sua Congregação em Turim. Entre Boa Vista e Roma estava de passagem por S. Paulo. Marcamos um encontro na Casa dos Missionários da Consolata.

Com seus 92 anos, D. Aldo, com boa saúde, radia energia. Acompanha a causa indígena no Brasil com perspicácia. Vi D. Aldo preocupado com o futuro da terra indígena “Raposa Serra do Sol”. “É um sonho realizado, mas a sobrevivência dos índios só está garantida quando se unem na produção e na comercialização de seus produtos.” Na época D. Aldo nos escreveu: “Não estava somente em causa a terra para poder viver em paz, mas a causa de povos que têm uma história, uma cultura própria, identidade, usos e costumes, normas morais e sociais válidas e tão próximos ao Evangelho. (...) A longa luta serviu para dar coragem, iluminar as consciências, tornar os índios pessoas responsáveis e corajosas”.

Fotos: Mario de Carli
“E os Yanomami?”, perguntei. “Ah, você precisa ir lá. Em Roma, às vezes, questionaram a nossa atitude de ainda não batizar os Yanomami. Fiquei calado. Não adianta explicar para alguém que vive tão longe desta realidade. Os antropólogos dizem que os Yanomami vivem no neolítico. Pois bem, Jesus nasceu muito tempo depois do neolítico. Tudo precisa seu tempo.”

D. Aldo, boa travessia! Obrigado pela sua lição e pelos 92 anos de sua vida: “A vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu” (Vinícios de Moraes)

[Postagem: 9.03.2011]

Cacique Marcos Verón: réus condenados

Familiares com imagem de Verón

“Os réus Carlos Esteves, Jorge Cristaldo e Estevão Romero são condenados a doze anos e três meses de prisão em regime fechado”. Foram condenados por formação de quadrilha, tortura e sequestro a mão armada. Eram dez horas e oito minutos da noite de 26 de fevereiro de 2011, quando a Juíza Paula Mantovanni declarou encerrado o julgamento. De pé, em silêncio, todos os protagonistas e pequena platéia, foram lentamente se retirando da pequena sala de júri Esplanada no subsolo da Justiça Federal Regional, próximo à avenida Paulista em São Paulo.
O crime

O crime ocorreu em 13 de janeiro de 2003 na Fazenda Brasília do Sul, município de Juti, interior do MS, que se instalou na área reivindicada como Tekoha Takwara por Verón e sua comunidade. Em janeiro de 2003, por dois dias seguidos, a comunidade de Verón foi atacada e agredida por cerca de 30 a 40 homens armados. No dia 12, um veículo dos indígenas com duas mulheres, um rapaz de 14 anos e três crianças de 6, 7 e 11 anos foi perseguido por 8 km, sob tiros. Na madrugada do dia 13, os agressores atacaram o acampamento. Sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma camionete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por sessão de tortura. Durante a agressão, um dos filhos de Verón, Ládio, quase foi queimado vivo. A filha dele, Geisabel, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Á época do crime, Verón que tinha 73 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu vítima de traumatismo craniano.

Por fim ao ciclo de violência

O júri, adiado por duas vezes, foi transferido do MS para São Paulo a pedido do Ministério Público Federal (MPF) com o objetivo de garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos envolvidos no crime.

O grupo Kaiowá Guarani, que durante os cinco dias participou desse julgamento, fez um ritual de agradecimento na calçada, pela “vitória parcial”, como explicara o Procurador Marco Antonio Delfino. Pelo MPF, participam do julgamento os procuradores da República Marco Antônio Delfino de Almeida, de Dourados, Rodrigo de Grandis e Marta Pinheiro de Oliveira Sena, de São Paulo, além do procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

Com o resultado do júri foi claramente identificado como autor das coronhadas que mataram o cacique Verón, Nivaldo, que era o capataz da fazenda e o mandante o fazendeiro Jacinto Honório da Silva Filho. Esses são réus no segundo processo e deverão agora ir a julgamento.

Só o fato do julgamento ter se realizado na cidade de São Paulo, com o máximo de isenção dos jurados, já é uma vitória. Aliás, a defesa manifestou-se inconformada com o desaforamento do julgamento de Dourados para São Paulo. Foi o primeiro caso desse gênero, relacionado aos povos indígenas. Também foi o segundo julgamento de matadores de índios no Mato Grosso do Sul, depois do julgamento dos assassinos de Marçal Tupã’i, no final da década de oitenta.


Comunidade Kaiowá Guarani
depois do julgamento

Para o procurador federal em São Paulo e coordenador da Acusação, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que com muita sensibilidade sustentou as razões da condenação dos réus, “é preciso por fim ao ciclo de violência no Mato Grosso do Sul, onde as lideranças indígenas continuam sendo assassinadas. Precisamos colocar fim a esse ciclo de sangue e violência. Sem a terra os povos indígenas não conseguem ter um equilíbrio emocional e material, precisamos fazer justiça aos que assassinaram as lideranças Marçal, em 1983, Samuel Martin, em 2001, Julite Lopes, em 2007, Genivaldo, em 2009 e tantos outros. Estamos pedindo Justiça. Justiça e não vingança. Justiça e não impunidade”.

Para Valdelice Verón, filha do cacique, o julgamento representa uma vitória: “Para o povo vai ser um marco. A decisão não vai devolver meu pai para nós, mas vai devolver nossa dignidade enquanto ser humano. A gente vai se sentir realmente cidadão, respeitado pelo Estado Brasileiro e pela Justiça”.

Egon Heck e equipe

São Paulo, fim de fevereiro de 2011

Um ressurgimento imprescindível


Memorandum de professoras e professores de teologia sobre a crise da Igreja Católica na Alemanha com mais de 200 assinaturas [veja o documento em sua íntegra em português].
Se a revolta árabe no Egito começa a atingir o mundo árabe, também a reivindicação dos seis passos concretos para superar a crise da Igreja Católica na Alemanha pode ser relevante para o mundo católico em sua totalidade.


"[...] A orientação, na notícia libertadora bíblica, implica numa relação diferenciada com a sociedade moderna: em alguns aspectos a sociedade se adiantou à Igreja, quando se trata do respeito à liberdade e à responsabilidade do indivíduo; disso a Igreja pode aprender como já ressaltou o Concílio Vaticano II. Noutros aspectos, uma crítica desta sociedade, a partir do espírito do Evangelho, é indispensável; por exemplo, como quando as pessoas são qualificadas apenas em função de sua produção, quando a solidariedade mútua se perde ou a dignidade é pisoteada.
 
De todas as maneiras o anúncio de liberdade do Evangelho é o critério para uma igreja crível, para sua atuação, para a sua conformação social. Os desafios concretos que a Igreja tem que enfrentar não são novos. Entretanto, reformas dirigidas para o futuro não se deixam perceber. Diálogo aberto tem que ser processado nos seguintes campos de ação:


1. Estruturas de participação: Em todas as áreas da vida eclesial a participação dos e das fiéis é pedra de toque para a credibilidade do anúncio libertador do Evangelho. Segundo o antigo princípio do direito: "O que concerne a todos e todas deve ser decidido por todos e todas”, se necessitam mais estruturas sinodais em todos os níveis da Igreja. Os e as fiéis devem participar da escolha dos ministros ordenados importantes (bispo, pároco). O que pode ser decidido localmente deve ser decidido aí. As decisões têm que ser transparentes.

2. Comunidade: Comunidades cristãs devem ser espaços nos quais as pessoas compartilhem bens espirituais e materiais. Atualmente, porém, a vida das comunidades se desfaz facilmente. Sob a pressão da escassez de sacerdotes constroem-se unidades administrativas cada vez maiores –"paróquias XXL”– nas quais já não se pode experimentar proximidade nem pertença. Identidades históricas e redes sociais construídas são abandonadas. Os sacerdotes são consumidos e assim permanecem. Os fiéis se distanciam se não se lhes confia corresponsabilidade em estruturas democráticas de direção de sua comunidade. O ministério eclesial tem que servir à vida das comunidades – não o contrário. A Igreja precisa também de sacerdotes casados e de mulheres no ministério ordenado. 
A festa do povo
  
3. Cultura jurídica: O respeito e o reconhecimento da dignidade e liberdade de cada pessoa se revelam especialmente quando se resolvem os conflitos de uma maneira justa e respeitosa. O direito canônico somente merece esse nome se os e as fiéis realmente puderem reclamar seus direitos. Urge melhorar a proteção dos direitos em nossa Igreja e uma cultura jurídica: um primeiro passo para avançar será a criação de um sistema eclesiástico de justiça administrativa.

4. Liberdade de consciência: O respeito à consciência pessoal significa ter confiança na capacidade de decisão e responsabilidade das pessoas. Promover esta capacidade é também tarefa da Igreja; mas isto não deve se transformar em tutela. Levar isto a sério tem que ver, sobretudo, com a área de decisões relativas à vida pessoal e sobre estilos individuais de vida. A valorização eclesial do casamento e do celibato está fora de questão. Mas isto não implica excluir as pessoas que vivem amor, fidelidade e cuidado mútuo numa relação de parceria com pessoas do mesmo sexo ou aquelas divorciadas e casadas de novo que vivem de maneira responsável.


5. Reconciliação: A solidariedade com os "pecadores” supõe levar a sério o pecado em suas próprias filas. Um rigorismo moralista ególatra não lhe corresponde à Igreja. A Igreja não pode pregar a reconciliação com Deus sem criar, em sua própria atuação, as condições de reconciliação com aqueles e aquelas com as quais ela se fez culpável: seja por violência, por privação de justiça ou por perversão da mensagem libertadora da Bíblia numa moral rigorista sem misericórdia.
6. Celebração: A liturgia vive da participação ativa de todos e todas fiéis. Experiências e expressões do presente têm que ter seu lugar. A liturgia não pode congelar-se no tradicionalismo. A pluralidade cultural enriquece a vida litúrgica e não combina com as tendências de uma unificação centralizadora. Somente quando a celebração da fé envolve as questões concretas da vida é que a mensagem eclesial pode chegar até às pessoas.

[...] Os cristãos e cristãs são chamados pelo Evangelho para olhar para o futuro com ânimo e – respondendo à palavra de Jesus – a caminhar sobre a água como Pedro: "Por que têm tanto medo? Tão pequena é a sua fé?”


11 de fevereiro de 2011