Cresce total de sem-teto com emprego em Nova York

Assalariados não conseguem arcar com aluguel; 28% das famílias em abrigos têm ao menos um adulto empregado
 O sem-teto com salário provam a disparidade enorme entre salários e aluguéis e a escassez de moradias baratas
 MIREYA NAVARRO,
Do "NEW YORK TIMES"
 
Alpha Manzueta sai de seu primeiro emprego às 7h e tem de começar no segundo às 12h. No intervalo, ela vai para o lugar que chama de lar nos últimos três anos --um abrigo de moradores de rua.
"Sinto que estou empacada", diz Manzueta, 37, que tem uma filha de dois anos e parece alinhada em seu uniforme de segurança, instruindo motoristas diante de um terminal do aeroporto. "Você tenta e não chega a lugar algum. Continuo no abrigo."
A população vivendo em abrigos em Nova York atingiu o recorde de 50 mil pessoas, e cada vez mais nova-iorquinos, ao sair do trabalho, voltam aos abrigos nos quais têm vagas permanentes, dizem autoridades e entidades de apoio aos moradores de rua.
Cerca de 28% das famílias que vivem em abrigos incluem ao menos um adulto empregado, mostram estatísticas municipais, e 16% dos adultos solteiros que vivem em abrigos estão empregados.
Em geral mulheres, essas pessoas têm empregos de baixa remuneração --seguranças, caixas de banco, vendedores, professores de computação, enfermeiros e pessoal temporário em escritórios.
No trabalho, apresentam uma imagem de respeitabilidade, mas no abrigo têm horários de entrada e saída a respeitar. Precisam mostrar provas de que estão procurando ativamente onde morar e de que economizam parte do salário que recebem.
Especialistas dizem que os desabrigados que têm emprego são prova da disparidade cada vez maior entre salários e aluguéis na cidade e de como é difícil escapar ao sistema de abrigos, dada a escassez de moradias subsidiadas.


"Um apartamento de um quarto em East New York ou no South Bronx custa US$ 1.000 ao mês", diz Patrick Markee, da Coalition for the Homeless, grupo que presta serviço aos moradores de rua. "Um emprego não basta para tirar alguém do desabrigo."
David Garza, diretor da Henry Street Settlement, diz que há cinco anos seus abrigos colocavam 200 famílias por ano em moradias permanentes. No ano passado, colocaram 50. "Sem moradias para as pessoas de baixa renda, é um labirinto sem saída."
 
DOIS MUNDOS
 
Os moradores de rua empregados estão sempre lutando para conciliar as exigências de seus dois mundos.
Barbara, 45, que trabalha em tempo parcial como atendente ao consumidor no sistema de transporte público de Nova York, disse que precisa manter navalhas e aparadores de unhas em um centro de armazenagem --eles não são permitidos no abrigo por motivos de segurança.
Às vezes, ela leva ao trabalho uma sacola cheia de roupa suja para lavar na lavandeira local, porque as lavadoras do abrigo estão sempre quebradas ou em uso. Não há como escapar ao barulho e ao sono interrompido, diz, em um dormitório que divide com outras oito mulheres.
 


Como a maioria dos moradores de rua entrevistados, Barbara não revela o sobrenome, por medo de perder a privacidade ou o emprego.
Ela é moradora de rua desde 2011, diz, quando seu seguro-desemprego se esgotou e ela não pôde mais pagar o aluguel do apartamento no Brooklyn. As pessoas em seu trabalho não sabem disso. [...]
Tradução de PAULO MIGLIACCI [F.d.S.P. 21.09.2013 2mundo 2]

Viva, Veva! Sua Missão deu certo e a luta continua. Nos veremos em Brasília!


A Páscoa de Veva


 

"Os Apyãwa fizeram questão de sepultá-la, segundo seus costumes, como se mais uma Apyãwa tivesse morrido. Os cantos fúnebres, ritmados com os passos se prolongaram por muito tempo... Segundo o ritual Apyãwa, Genoveva foi enterrada dentro da casa onde morava". Antônio Canuto, secretário da coordenação nacional da CPT, membro e fundador da Pastoral, viveu muitos anos no Mato Grosso, próximo a Veva e a Dom Pedro Casaldáilga. Ele traz o relato emocionado do funeral de Veva, a Irmã Genoveva, que viveu 60 anos com os Tapirapé, ou melhor, com os Apyãwa, como eles se autodenominam. Confira:
Cheguei hoje às 6h00 da manhã em Goiânia, vindo lá da aldeia Urubu Branco, onde estive para os funerais de Irmãzinha Genoveva. Queria partilhar um pouquinho com vocês do que vi e vivi.
Genoveva na manhã da terça-feira, 24 de setembro, estava bem disposta. Tinha amassado barro para fazer não sei bem que conserto na casa. Almoçou tranquilamente com a irmãzinha Odile. Estavam descansando quando se queixou de dores no peito. Odile foi logo providenciar um carro para levá-la ao hospital de Confresa. No caminho a respiração foi ficando mais difícil. Morreu antes de chegar ao hospital.
De volta à aldeia, consternação geral. Genoveva viu nascer quase 100% dos Apyãwa  (é assim que se autodenominavam os Tapirapé.  Assim voltam a se autodenomiar hoje, nestes 61 anos de vida partilhada. Os Apyãwa fizeram questão de sepultá-la, segundo seus costumes,  como se mais uma Apyãwa tivesse morrido. Os cantos fúnebres, ritmados com os passos se prolongaram por muito tempo, durante a noite e o dia seguinte. Muitas lamentações e choros se ouviam.
A cova foi aberta com todo o cuidado pelos Apyãwa, acompanhada de cânticos rituais. A uma altura de uns 40  centímetro do chão foram colocadas duas travessas, uma em cada ponta da cova. Nestas travessas foi amarrada a rede que ficou na posição de uma rede estendida com quem está dormindo. Por sobre as travessas foram colocadas tábuas. Por sobre as tábuas é que foi colocada a terra. Toda a terra colocada foi peneirada pelas mulheres, como é a tradição. No dia seguinte esta terra foi molhada e moldada de tal forma que fica firme e espessa como a de chão batido. Tudo acompanhado com cânticos rituais.
Em sua rede em que todos os dias dormia, Genoveva continua o sono eterno entre aqueles que escolheu para ser seu povo.
A notícia da morte se espalhou pela região, pelo Brasil e pelo mundo.  Agentes de Pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia, os atuais e alguns antigos, amigos e admiradores do trabalho das irmãzinhas  foram chegando para a despedida. A vice-presidenta do CIMI, irmã Emilia, com os coordenadores do CIMI, de Cuiabá, chegaram depois de uma viagem de mais de 1.100 kms quando o corpo já estava na cova, ainda coberto só com as tábuas.  Os Apyãwa as retiraram para que os que acabavam de chegar a vissem pela última vez em sua rede.
Os membros da equipe pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia, junto com os outros não indígenas, entre os cânticos rituais dos Apyãwa, foram entremeando cânticos e depoimentos da caminhada cristã de Irmãzinha Genoveva.
Ao final, o cacique falou que os Apyãwa estão todos muito tristes com a morte da irmãzinha. Falando em português e apyãwa, ressaltou o respeito como eles sempre foram tratados pelas irmãzinhas, durante estes sessenta anos de convivência. Lembrou de que os Apyãwa devem sua sobrevivência às irmãzinhas, pois quando elas chegaram, eles eram muito poucos e hoje chegam a quase mil pessoas.
Plantada em território Apyãwa está Genoveva, um monumento de coerência, silêncio e humildade, de respeito e reconhecimento do diferente, gritando como com ações simples e pequenas é possível salvar a vida de todo um povo.
Antônio Canuto
 
 


“Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta?” [Mário Quintana]


Com 90 anos, morre Irmã Genoveva,
 
 missionária junto ao povo Tapirapé.



 
Morreu no início da tarde desta terça-feira, 24 de setembro, no município de Confresa, Mato Grosso, a Irmã Genoveva. Há 60 anos vivendo junto ao povo Tapirapé, a missionária passou mal na aldeia Urubu Branco, local onde morava, logo após o almoço. Morreu enquanto era levada ao hospital. O enterro ocorrerá na própria aldeia. Em agosto deste ano, Veva, como era conhecida, completou 90 anos.

 

 
 
 
INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA
Homenagem a Ir. Genoveva
 
“A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...”
Mario Quintana

 
Três irmãzinhas chegaram ao Brasil no dia 24 de junho de 1952, com o objetivo de morar junto com os Tapirapé, numa casa como a dos indígenas, passando a ter a mesma alimentação e o mesmo estilo de vida.
“Ir aos esquecidos, aos desprezados, pelos quais ninguém se interessa”, são as palavras da Irmãzinha Madalena, fundadora da Fraternidade. As Irmãs Genoveva, Clara e Denise, quando chegaram à aldeia Tapirapé, encontraram um povo sobrevivente com cerca de 50 pessoas. Na foto ao lado, as Irmãzinhas de Jesus com Dom Pedro Casaldáliga.
Hoje, cerca de 800 Tapirapé, em sua maioria crianças e jovens, vivem nas aldeias Majtyritãwa, próxima a Santa Terezinha,´Tapiitãwa, Wiriaotãwa, Akara´ytãwa e Xapi´ikeatãwa, na área indígena Urubu Branco, próxima da cidade de Confresa.
O respeito às crenças, ao estilo de vida e aos costumes dos Tapirapé foi o que fez das Irmãzinhas as principais aliadas deste povo durante todos estes anos. As lutas foram muitas e a determinação destas mulheres ainda maior.
“Queríamos viver no meio deles o amor de Deus que não deseja outra coisa senão que vivam e cresçam como Tapirapé”, afirmava a Irmãzinha Genoveva, que vivia junto ao povo.
Logo na chegada, deram atenção especial à saúde, pois os indígenas estavam muito expostos ao contágio de doenças levadas pelos não-índios. Era a primeira vez que a “fraternidade” se estabelecia numa comunidade indígena em solo brasileiro. Muita coisa aconteceu durante esses 60 anos. Os Tapirapé, que pareciam estar próximos da extinção, conseguiram se recompor.
 

O Povo Tapirapé


O quase extermínio dos Tapirapé se dá a partir de 1909, quando a população de aproximadamente 2000 índios foi exposta às doenças trazidas pelos não-índios. Epidemias de gripe, varíola e febre amarela acabaram com duas aldeias. Outro agravante da diminuição e dispersão dos Tapirapé foram as disputas existentes com os Kayapó, que viviam na mesma região. Em 1935, já estavam reduzidos a 130 pessoas e, em 1947, estavam com apenas 59.
 
Foi nesse ano que ocorreu o grande ataque Kayapó. Aproveitando a ausência dos homens que haviam saído para a caça, a aldeia Tampiitãwa foi praticamente destruída e várias mulheres e meninas raptadas. Com a chegada das Irmãzinhas, em 1952, a situação começa a ser controlada. Com isso, podemos dividir a história Tapirapé em duas etapas - antes e depois das Irmãzinhas.
 

Testemunho de doação


Desde 1952, quando chegou à aldeia, Genoveva, ou simplesmente Veva nunca mais saiu de perto dos Tapirapé. Veva nasceu no dia 19 de agosto de 1923, em Valfraicourt, um lugarejo da França. De aparência frágil, cabelos brancos, há muitos anos acordava todos os dias antes do sol para cuidar da pequena roça que cultivava atrás das casas de taipa da aldeia Urubu Branco, a maior do povo.

  

O respeito total à cultura e ao processo histórico deste povo fez com que os Tapirapé se salvassem e se multiplicassem, tornando-se um povo alegre e seguro. Das religiosas, Veva era a única Irmãzinha que permanecia na aldeia desde o começo da missão. Atualmente vivia numa casa simples, como as outras dos indígenas, em companhia das colegas Odila e Elizabette.
[fonte: Cimi/CPT]

 
 
Veva, me aguarde!

 

A oxigenação da Igreja pela entrevista do papa Francisco






Em sua recente entrevista concedida às revistas dos jesuítas, o papa Francisco disse que “pensar com a Igreja” não consiste em simplesmente receber ordens da hierarquia. “Quando o diálogo entre o povo, os bispos e o papa segue adiante e é levado a sério, é assistido pelo Espírito Santo”.

 
  Animadas por este espírito, cem organizações da Igreja, respaldadas por mais de quatro milhões de católicos do mundo todo, enviaram ao papa Francisco e seus conselheiros uma carta pedindo uma audiência para conversar sobre o governo da Igreja. Pedem que o Papa e os cardeais deem aos sacerdotes, aos religiosos e aos leigos maior responsabilidade na tomada de decisões na Igreja, inclusive na nomeação dos bispos. Que o diálogo e o respeito à consciência substitua o governo autoritário. E que sejam expulsos os oficiais eclesiásticos que tenham facilitado ou ignorado o escândalo dos abusos sexuais por parte de clérigos.
 
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no jornal La Stampa, 21-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto, da Unisinos.
 Eis o texto.
 
O que mais o impressionou?
 
A forma da entrevista em si só não é incomum e foi usada pelos seus antecessores, mais recentemente Bento XVI. E Francisco diz claramente que não há mudanças de doutrina, mesmo nos pontos morais delicados. O que me impressionou foi a percepção: para Wojtyla e Ratzinger, certos valores eram proclamados no espaço público para criar uma discriminação e mostrar a capacidade antagonista da Igreja. Para Bergoglio, ao invés, parte-se do povo fiel.
 
Então, qual é a novidade?
 
O papa pensa a partir das almas, e não das leis. Da pessoa, e não dos "ismos". O que mostra a grande força da experiência cristã do catolicismo. Na fé católica romana, permanecendo inalterada a doutrina, pode-se ter uma atitude que é percebida como oposta à anterior.
 
Alguns analistas escreveram que assim se deixam para trás algumas das prioridades dos dois últimos pontificados e da recente experiência da Conferência Episcopal Italiana...
 
Na realidade, a entrevista do papa cria uma nova categoria de "clandestinos"... São muitos bispos, que agora se encontram em dificuldade. Sentem constrangimento, porque o registro da vida paroquial não é o deles: eles têm a vontade de se sintonizar, mas não têm os instrumentos, pois, até pouco tempo atrás, para fazer carreira, bastava ser publicamente enérgico, mostrar os músculos diante das pessoas com problemas morais, porque qualquer outra abordagem era considerada timidez e conluio com o relativismo.
 
Francisco fala que ele mesmo é "um pecador". O que isso significa?
 


Esse é o verdadeiro sentido do pecado cristão. Que não está, acima de tudo, em fazer um exame tendo nas mãos o prontuário dos pecados, mas sim em reconhecer que a nossa condição é a de pecador. O papa dá uma chicotada em uma concepção um pouco simplista dos últimos anos: parecia que os pecados sempre eram feitos pelos outros.

Ruralistas ameaçam a Constituição



"A PEC 215 que transfere ao Executivo a demarcação de terras indígenas e tantos outros projetos tentam favorecer o uso delas pelo agronegócio", denunciam Erwin Kräutler, bispo da prelazia do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Enemésio Lazzaris, bispo da diocese de Balsas (MA) e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 17-09-2013.


Eis o artigo.

Aos ruralistas, seja na tribuna do Congresso Nacional ou nos jornais, não há o que os leve mais ao descontrole do que a causa indígena.
 Descontrole expresso em uma escalada de recursos contra os direitos desses povos e de comunidades tradicionais garantidos pela Constituição Federal, que está prestes a completar 25 anos.

Um desses recursos é a PEC (proposta de emenda constitucional) 215/00, que transfere a competência da demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Congresso Nacional.
 Essa PEC, segundo nota técnica do Ministério Público Federal (MPF), afronta "cláusulas pétreas da Constituição da República" e viola o núcleo essencial de direitos fundamentais. Fere a divisão dos Poderes e anula o direito originário à terra, sendo a demarcação ato administrativo, segundo os juristas Carlos Frederico Marés e Dalmo de Abreu Dallari.

À PEC 215, somam-se dezenas de outros projetos de lei, que tentam impedir o reconhecimento de terras indígenas e favorecer o uso delas pelo agronegócio.
Nada parece deter os ruralistas, que ostentam uma bancada de 214 deputados e 14 senadores, com campanhas eleitorais financiadas pelo capital estrangeiro da Monsanto, Cargill e Syngenta, além da indústria de armas e frigorífico, conforme dados da Transparência Brasil.

O que esperar dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais a não ser a resistência, tal Davi contra Golias, em defesa de seus direitos?
Assim foi em abril, quando indígenas ocuparam a Câmara dos Deputados, e assim tem sido na retomada de terras tradicionais, com procedimentos demarcatórios paralisados pelo Executivo.


É o caso da terra indígena tupinambá de Olivença (BA). Seu procedimento administrativo está encerrado desde 2009. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no entanto, nega-se a assinar a portaria declaratória. País afora a situação é dramática.
 No Mato Grosso do Sul, a terra Kadiwéu, demarcada há cem anos e homologada há quase 40 anos, continua invadida. Relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) registra que, de 2003 a 2012, ocorreram no Estado 317 assassinatos de indígenas, dos 563 ocorridos no país nesse período.
 No caso da morte de Nísio Gomes Guarani Kaiowá, o MPF apontou como mandantes ao menos seis "produtores rurais". O confinamento às margens de rodovias ou em minúsculas reservas levou ao suicídio, entre 2000 e 2012, de 611 indígenas, jovens entre 14 e 25 anos, de acordo com dados do Dsei (Distrito de Saúde Indígena).

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) convoca, entre 30 de setembro e 5 de outubro, uma mobilização nacional contra a ofensiva à Constituição e aos direitos indígenas. Cimi e CPT (Comissão Pastoral da Terra) apoiam o ato, fundamentados nos valores do Evangelho e por dever de justiça e solidariedade a quem tem sido espoliado de seus territórios e de seus direitos há tanto tempo.
 A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), em coluna nesta Folha ("Causa Inconfessável", 7/9) tenta desqualificar a ação dessas pastorais taxando-as de "ideológicas".
 O assentamento de famílias sobre terras indígenas, inclusive com a emissão de títulos de propriedade do Estado, não nega o esbulho dos territórios.
 Isso não ocorre somente no caso de terras tradicionalmente indígenas. A senadora e familiares foram beneficiados pelo governo do Tocantins com terras ocupadas por posseiros. Além de atentar contra o direito à terra dos povos e de posseiros, Kátia Abreu milita contra o direito à identidade coletiva.
 A senadora protocolou na Casa Civil pedido para que a Funai (Fundação Nacional do Índio) paralise o processo de identificação étnica do povo Kanela do Tocantins.
 Os indígenas não estão solitários em suas mobilizações, pois a sociedade está atenta ao escândalo do latifúndio ruralista brasileiro.

Allende: democrata e revolucionário - 40 anos depois do golpe



 
 
 

 
 



No dia 11 de setembro de 1973, se fechou um ciclo de longas décadas de luta e auge do movimento popular no Chile. A classe operária, os camponeses, os intelectuais e as pessoas humildes do Chile foram derrotados. Os erros próprios e a resistência dos dominadores, nacionais e estrangeiros, impediram que se materializassem os desejos de Allende: que o poder econômico e político se distribuísse mais equitativamente em nossa sociedade.

A experiência dos três anos da Unidade Popular e a figura de Salvador Allende se instalaram de forma indelével na memória coletiva dos chilenos. Nossos filhos e netos sabem hoje em dia que houve um homem que encheu de dignidade a nossa pátria, que nos engrandeceu com sua lucidez política e que nos estremeceu com sua valentia. Os assassinatos, o exílio, a repressão e o neoliberalismo não poderão apagar de nossa história a vida plena que alcançaram os desamparados durante os mil dias da Unidade Popular.

Os trabalhadores falaram de igual para igual com os patrões. Os camponeses puderam semear suas próprias terras. Os estudantes obtiveram o direito de participar nas universidades. Os músicos cantaram à vida nova. Esse período de felicidade não será esquecido. Devemos tudo isso a Salvador Allende.

Também os democratas do mundo inteiro reconhecem em Allende o líder que se propôs a transformar a sociedade chilena por meios pacíficos e com respeito às liberdades públicas. O pequeno país que no extremo do mundo quis construir uma sociedade mais igualitária se conheceu nos lugares mais recônditos da terra, graças à originalidade, consequência e valentia de um verdadeiro democrata e revolucionário. Isso explica em grande parte o isolamento internacional de Pinochet durante a ditadura e depois sua debacle definitiva com a detenção que sofreu em Londres. Só o salva-vidas que lhe deu o governo de Frei Ruiz Tagle lhe permitiu respirar em liberdade alguns anos mais.

Allende transcendia o pensamento de sua época. Enquanto a Guerra Fria dividia o mundo e as empresas norte-americanas haviam espoliado nossas riquezas básicas, o Presidente pode comprometer a toda a classe política na nacionalização das minas de cobre, mediante uma lei no Parlamento. Por outro lado, enquanto a revolução cubana levava as juventudes latino-americanas a adotar a luta armada para transformar as estruturas oligárquicas, Allende insistia em substituir o capitalismo pelo socialismo sem violência, mediante o exercício pleno das liberdades democráticas e o respeito aos direitos humanos. Transformar radicalmente, mas no marco das instituições vigentes: essa era sua consigna e convicção.

No Pleno Nacional do PS, em 18 de março de 1972, quando os socialistas endurecem suas posturas, o Presidente Allende chama à razão. Rejeita os conceitos leninistas ortodoxos sobre o Estado, desdobrando argumentos teóricos e práticos sobre a via chilena ao socialismo: "Não está na destruição, na quebra violenta do aparato estatal o caminho que a revolução chilena tem pela frente. O caminho que o povo chileno abriu, ao longo de várias gerações de luta, leva nestes momentos a aproveitar as condições criadas por nossa história para substituir o vigente regime institucional, de fundamento capitalista, por outro diferente, que se adeque à nova realidade social do Chile”.

Allende foi perseverante em sua luta pela transformação e em defesa da democracia. Construir uma nova sociedade em que se redistribuísse o poder, se multiplicava o pluralismo, as liberdades individuais, as eleições, mas com os mesmos direitos para todos e na qual os trabalhadores participassem nas decisões do país. Por isso é que durante o governo de Salvador Allende a democracia e as liberdades públicas se potencializaram como nunca antes havia acontecido na história republicana.

Lamentavelmente, as transformações em favor da igualdade, participação e liberdade que caracterizaram o governo de Allende terminaram abruptamente. O golpe de 11 de setembro foi realizado com a força das armas dos militares; mas promovido, organizado e financiado pela direita política e econômica, assim como por grande parte do Partido Democrata Cristão e a inevitável Central de Inteligência Americana. O golpe não foi só militar, mas civil-militar, com um papel destacado dos economistas, sob a tutela intelectual de Milton Friedman e Arnold Harberger, que elaboraram o programa econômico de governo de Pinochet, caracterizado pelo mais extremo neoliberalismo.

Assim as coisas, a partir do golpe, se instauram no país um sistema político excludente (com a Constituição de 1980) e um modelo econômico de desigualdades que fizeram retroceder nosso país em muitas décadas. O aumento do crescimento não pode esconder que durante os últimos quarenta anos, unos poucos grupos monopolizaram a riqueza que produzem todos os chilenos. As desigualdades na saúde, na educação e na previdência social se manifestam diariamente nas filas dos hospitais, na deterioração das escolas, em universidades que educam na ignorância e em uma imprensa que informa só o que interessa à classe dominante para sua reprodução. O poder econômico e político concentrado em uma minoria converteu nosso país em um sistema oligárquico.

Resulta uma comédia que a mesma geração, comprometida com o processo de transformações que impulsionou Salvador Allende, tenha aceitado administrar disciplinadamente o modelo econômico e o regime político instalado pelo governo de Pinochet. Isso revela que a responsabilidade para assumir as transformações, que demanda a cidadania, se encontra na juventude atual, a que já abriu o caminho com os protestos de 2011. Allende, o democrata e o revolucionário, o anunciou em seu discurso de despedida.

[de Roberto Pizarro, Economista e ex-ministro do presidente Eduardo Frei. Foi reitor da Universidad Academia de Humanismo Cristiano. Tradução: Liborio Júnior; Carta Maior]

O Papa Francisco visita um centro de refugiados em Roma


"Os conventos vazios não são nossos, para ganhar algum
 dinheiro, são para a carne de Cristo que são os refugiados".
 
 

 
O Papa Francisco visitou na tarde desta terça-feira, 10, o Centro dos jesuítas para os refugiados na Itália – chamado Centro Astalli. O Pontífice chegou ao refeitório no horário em que todos os dias existe uma fila de cerca de 400 pessoas que esperam para fazer uma refeição quente. O Centro Astralli é um centro para a acolhida e o serviço aos que pedem asilo e refúgio a cargo do JRS - Jesuit Refugee Service - Serviço dos Jesuíta para os Refugiados, que atua no centro de Roma.
 
O papa foi saudado pelo responsável pelo Centro Astalli, padre Giovanni Lamanna e dois refugiados, Adam, do Sudão e Carol, da Síria. Uma breve oração, recordou o Padre Pedro Arrupe, fundador do SJR. Depois de ouvir a narrativa de vida de Adam e Carol, o Papa Francisco pronunciou um discurso.
Inicialmente o Santo Padre saudou “sobretudo os refugiados e refugiadas”, agradecendo os testemunhos que havia acabado de escutar. Muitos de vocês são muçulmanos, de outras religiões, vêm de diversos países, de situações diferentes. “Não devemos ter medo das diferenças. Vivamos a fraternidade”, afirmou o Papa.
 
O Pontífice recordou que após Lampedusa e outros locais de chegada, Roma significa uma segunda etapa e deveria ser a cidade que permite reencontrar a dimensão humana, de recomeçar a sorrir. “Quantas vezes, ao invés disto, tantas pessoas que tem escrito na sua ‘permissão de estadia’ “proteção internacional” são obrigadas a viver em situações degradantes, sem poder iniciar uma vida com dignidade, de pensar num futuro”. O Papa Francisco ressaltou que “a acolhida e a fraternidade podem abrir uma janela pro futuro”.
 
O Papa resumiu então, em três palavras o programa de trabalho dos jesuítas e seus colaboradores: Servir, acompanhar e defender.
Servir
Ao explicar o significado de servir, o Papa disse que é acolher a pessoa com atenção, curvando-se sobre quem tem necessidade, estendendo-lhe a mão, sem cálculos, sem temor, com ternura e compreensão, como Jesus inclinou-se e lavou os pés dos apóstolos:
 
Campo de refugiados Yayladagi, na Turquia,
fronteira com Síria
“O pobres são também mestres privilegiados do nosso conhecimento de Deus; a sua fragilidade e simplicidade desmascaram os nossos egoísmos, as nossas falsas seguranças, as nossas pretensões de autossuficiência e nos guiam à experiência da proximidade e da ternura de Deus que, com discrição e paciente confiança, cuida de nós, de todos nós”. E interpelou a todos: ”Me curvo diante de quem está em dificuldades ou tenho medo de sujar as mãos? Sou fechado em mim mesmo, nas minhas coisas ou me dou conta daqueles que têm necessidade de ajuda? Sirvo somente a mim mesmo ou sei servir aos outros como a Cristo, que veio para servir até dar a sua vida? Olho nos olhos daqueles que pedem justiça ou viro o olhar para outro lado, para não olhar os olhos”?
Acompanhar
Ao deter-se no segundo ponto, “acompanhar”, Francisco destacou a evolução no caminho do Centro, que passou de uma primeira acolhida ao acompanhamento das pessoas e inserção social:
“Não basta dar o pão se não vem acompanhado da possibilidade de aprender a caminhar com as próprias pernas. A caridade que deixa o pobre assim como é, não é suficiente. A misericórdia verdadeira, aquela que Deus nos dá e nos ensina, pede a justiça, pede que o pobre encontre o caminho para não ser como tal. Pede – e pede a nós Igreja, a nós cidade de Roma, às Instituições – que ninguém deva mais ter necessidade de uma refeição, de um alojamento por sorte, de um serviço de assistência legal, para ter reconhecido o próprio direito a viver e trabalhar e ser pessoa em plenitude. Isto é integração”.
Defender
Francisco disse que servir, acompanhar, quer dizer também defender, o terceiro ponto da sua reflexão. “Quantas vezes levantamos a voz para defender nossos direitos, e quantas vezes somos indiferentes para com os direitos dos outros!” E ressaltou, que para a Igreja “é importante que a acolhida do pobre, a promoção da justiça, não seja confiado somente a ‘especialistas’, mas seja uma atenção de toda a pastoral, da formação dos futuros sacerdotes e religiosos, do compromisso normal de todas as paróquias, movimentos e agregações eclesiais:
 
“Em particular gostaria de convidar também os Institutos religiosos a ler seriamente e com responsabilidade este sinal dos tempos. O Senhor chama a viver com mais coragem e generosidade a acolhida nas comunidades, nas casas, nos conventos vazios. Caríssimos religiosos e religiosas, os conventos vazios não servem à Igreja para transformar-lhes em albergues e ganhar algum dinheiro. Os conventos vazios não são nossos, são para a carne de Cristo que são os refugiados. O Senhor chama a viver com generosidade e coragem a acolhida nos conventos vazios”.
O Santo Padre acrescentou que “devemos superar a mundanidade espiritual para sermos próximos às pessoas simples Temos necessidade de comunidades solidárias que vivam o amor de forma concreta”.
[fonte: Rádio Vaticano, 10-09-2013, via Unisinos;
foto: Riccardo De Luca/AP/SIPA ].