O Palácio do
Planalto, em Brasília, se maquiou de verde na manhã desta terça-feira, 5, para
a cerimônia do Dia Mundial do Meio Ambiente. A presidenta Dilma Rousseff, com
os olhos voltados para a Rio+20, homologou sete terras indígenas, assinou o tão
esperado decreto da Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas
(PNGATI) e anunciou a criação de um comitê interministerial para a execução de
medidas envolvendo a política de saúde indígena. Medidas ventiladas durante a
retomada dos encontros da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI),
durante esta segunda-feira, 4, e entendidas como sinalização de diálogo.
A reportagem é de
Renato Santana, editor do jornal Porantim, e publicado pelo sítio do Cimi,
05-06-2012.
Apresentados pela
ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, os atos presidenciais ocorrem
logo após uma longa temporada de apatia e má vontade do atual governo quanto
aos direitos dos povos indígenas, ausência de diálogo, um quadro caótico na
saúde indígena, com mortes, protestos e ocupações dos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEI’s), questões mais amplas como a alteração do Código
Florestal, além de constrangimentos públicos do Palácio do Planalto envolvendo
a homologação de terras já demarcadas.
Em abril deste ano,
Dilma mandou de volta para o Ministério da Justiça seis terras indígenas
prontas para serem homologadas. A alegação é de que os processos não tinham
passado pelo gabinete do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que
desfilou sua presença draconiana na cerimônia desta terça-feira. Outras quatro
seguiram nas mãos da presidenta.
Destas dez terras
indígenas, Dilma homologou nos holofotes do Dia Mundial do Meio Ambiente apenas
cinco: três no estado do Amazonas (Santa Cruz da Nova Aliança, Matintin e
Tenharim Marmelos), uma no Pará (Xipaya) e uma no Acre (Riozinho do Alto
Envira). Fechamos a conta de sete com outras duas terras no Amazonas (Lago do
Marinheiro e Porto Limoeiro) - surpresas do tímido pacote. [...]
Sônia preparada para a luta |
Em resposta à fala da
presidenta Dilma, a representante dos indígenas Sônia Guajajara, vice-coordenadora da Coiab, pediu diálogo,
revelou as angústias vividas pelas comunidades, fez reivindicações, pediu
comprometimento do governo contra a PEC 215 e o PL da mineração, bem como
solicitou reunião de trabalho com a presidenta. O governo teve de ouvir a
educada e mordaz fala da indígena.
Ao final, Sônia
entregou a carta para a presidenta, cujo texto [...] foi picotado pela censura
do ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho,
momentos antes do início da cerimônia.
Eis a íntegra do
documento:
PRONUNCIAMENTO DOS
REPRESENTANTES INDÍGENAS NO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE
À Excelentíssima
Senhora Dilma
Rousseff,
Presidenta da
República Federativa do Brasil
Convidados a
participar da programação do Dia Mundial do Meio Ambiente, aproveitamos a
simbologia da data e tudo o que ela representa para nós povos indígenas, e nos
dirigirmos a Vossa Excelência para demonstrar, mais uma vez, o desejo em
estabelecer diálogo a partir da pauta apresentada pelo movimento indígena.
Já se passou um ano e
meio de vosso mandato. De forma lamentável, ainda não tivemos a oportunidade de
termos com vossa excelência uma reunião para expormos nossas angústias,
problemas e reivindicações. Não obstante, foram inúmeros os pedidos de
audiência protocolados em seu gabinete. Enquanto isso, seguimos nas comunidades
alijados de nossos direitos por terra, saúde e educação; seguimos vendo nossos
parentes assassinados e expostos às mais variadas formas de violência.
Em junho de 2011, a
bancada indígena da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) tomou a
decisão de suspender a participação nas reuniões da comissão. Os indígenas
anunciaram que só retomariam a participação quando a presidenta da República
encontrasse um espaço em sua agenda para se reunir com os representantes do
movimento indígena. Um ano se passou. Agora, com o convite para esta solenidade
do Dia do Meio Ambiente, entendemos que vossa excelência sinaliza para o tão esperado
diálogo.
Diante de tal aceno,
que interpretamos ser no sentido do diálogo, aguardamos que seja agendada para
breve uma reunião de trabalho com a presença de vossa excelência, da bancada
indígena da CNPI e representantes das organizações indígenas regionais e
nacional. A conjuntura para os povos indígenas, como é diariamente noticiado
pelos veículos de imprensa é de extrema dificuldade.
Considerando o atual
contexto, em que os direitos indígenas sofrem violentos ataques no Congresso
Nacional, onde de forma enérgica se pretende aprovar em breve espaço de tempo a
PEC 215, que visa inviabilizar demarcações de terras, e o PL 1610, que libera
as terras indígenas para a exploração de minérios, além da grave situação de
vulnerabilidade em que se encontram os nossos povos, antecipamos aqui as
seguintes reivindicações:
1. Que a FUNAI cumpra
com máxima celeridade a sua obrigação de demarcar e proteger todas as terras
indígenas, priorizando com urgência os casos críticos dos povos indígenas de
Mato Grosso do Sul, principalmente os Guarani Kaiowá;
2. Que seja agilizada
a assinatura do Decreto de criação da Política Nacional de Gestão Ambiental e
Territorial de Terras Indígenas, e a sua devida implementação, para assegurar
as condições de sustentabilidade dos nossos povos e territórios;
3. Que a Presidência
da República se manifeste, de forma incisiva, a favor da Criação, na Câmara dos
Deputados, da Comissão Especial para analisar o PL 2057/91, considerando as
propostas encaminhadas pela CNPI, após discussões nas distintas regiões do
país, visando a tramitação e aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas.
4. Que seja criado o
Conselho Nacional de Política Indigenista, através de Medida Provisória, tendo
em vista o fato de que a CNPI se constitui numa instância transitória, pensada
principalmente para viabilizar a criação do Conselho.
5. Que se garantam os
recursos financeiros suficientes para a implementação da Secretaria Especial de
Saúde Indígena e efetivação da autonomia política, financeira e administrativa
dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI`s), com a participação plena
e controle social efetivo dos nossos povos e organizações nos distintos
âmbitos, evitando a reprodução de práticas de corrupção, apadrinhamentos
políticos, e o agravamento da situação de abandono e desassistência em que
estão muitos povos e comunidades indígenas.
6. Que o Ministério
da Educação assegure a participação dos povos e organizações indígenas na
implementação dos territórios etnoeducacionais, e que cumpra as resoluções
aprovadas pela I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, realizada
em 2009.
7. Que a participação
das mulheres indígenas seja sempre valorizada, assegurando sua presença em
todas as instâncias governamentais onde haja representação indígena.
8. Que as lutas dos
nossos povos pelos seus direitos territoriais não sejam criminalizadas, a
exemplo do que ocorre com nossos líderes na Bahia, Pernambuco e Mato Grosso do
Sul, na maioria das vezes perseguidos por agentes do poder público, aqueles que
deveriam exercer a função de proteger e zelar pelos direitos indígenas.
9. Que os empreendimentos que afetam terras indígenas sejam suspensos até que seja regulamentada a realização da Consulta Prévia Livre e Informada, como estabelece a Convenção 169 da OIT, assegurando-se assim a ampla e efetiva participação de todos os povos indígenas do país;
Certos de contarmos
com sua compreensão e atenção às nossas reivindicações, aguardamos o
estabelecimento do diálogo por nós desejado.
Brasília, 5 de junho
de 2012.
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