A volta ao futuro |
Nós, mais de 1.800
lideranças, representantes de povos e organizações indígenas presentes, APIB –
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (COIAB, APOINME, ARPINSUL,
ARPINSUDESTE, povos indígenas do Mato Grosso do Sul e ATY GUASU), COICA –
Coordenadora de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, CAOI – Coordenadora
Andina de Organizações Indígenas, CICA – Conselho Indígena da América Central,
e CCNAGUA – Conselho Continental da Nação Guarani e representantes de outras
partes do mundo, nos reunimos no IX Acampamento Terra Livre, por ocasião da
Cúpula dos Povos, encontro paralelo de organizações e movimentos sociais, face
à Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).
Depois de intensos
debates e discussões realizados no período de 15 a 22 de Junho sobre os
distintos problemas que nos afetam, como expressão da violação dos direitos
fundamentais e coletivos de nossos povos, vimos em uma só voz expressar perante
os governos, corporações e a sociedade como um todo o nosso grito de indignação
e repúdio frente às graves crises que se abatem sobre todo o planeta e a
humanidade (crises financeira, ambiental, energética, alimentar e social), em
decorrência do modelo neodesenvolvimentista e depredador que aprofunda o
processo de mercantilização e financeirização da vida e da Mãe Natureza.
É graças à nossa
capacidade de resistência que mantemos vivos os nossos povos e o nosso rico,
milenar e complexo sistema de conhecimento e experiência de vida que garante a
existência, na atualidade, da tão propagada biodiversidade brasileira, o que
justifica ser o Brasil o anfitrião de duas grandes conferências mundiais sobre
meio ambiente. Portanto, o Acampamento Terra Livre é de fundamental importância
na Cúpula dos Povos, o espaço que nos possibilita refletir, partilhar e
construir alianças com outros povos, organizações e movimentos sociais do
Brasil e do mundo, que assim como nós, acreditam em outras formas de viver que
não a imposta pelo modelo desenvolvimentista capitalista e neoliberal.
Defendemos formas de
vidas plurais e autônomas, inspiradas pelo modelo do Bom Viver/Vida Plena, onde
a Mãe Terra é respeitada e cuidada, onde os seres humanos representam apenas
mais uma espécie entre todas as demais que compõem a pluridiversidade do
planeta. Nesse modelo, não há espaço para o chamado capitalismo verde, nem para
suas novas formas de apropriação de nossa biodiversidade e de nossos
conhecimentos tradicionais associados.
Paresi na Kari-Oca |
Considerando a
relevante importância da Cúpula dos Povos, elaboramos esta declaração, fazendo
constar nela os principais problemas que hoje nos afetam, mas principalmente
indicando formas de superação que apontam para o estabelecimento de novas
relações entre os Estados e os povos indígenas, tendo em vista a construção de
um novo projeto de sociedade.
Repúdios
Em acordo com as discussões
na Cúpula dos Povos, repudiamos as causas estruturais e as falsas soluções para
as crises que se abatem sobre nosso planeta, inclusive:
• Repudiamos a
impunidade e a violência, a prisão e o assassinato de lideranças indígenas (no
Brasil, caso Kayowá-Guarani, Argentina, Bolívia, Guatemala e Paraguai, entre
outros).
• Repudiamos os
grandes empreendimentos em territórios indígenas, como as barragens – Belo
Monte, Jirau e outras; transposição do Rio S. Francisco; usinas nucleares;
Canal do Sertão; portos; ferrovias nacionais e transnacionais, produtoras de
biocombustíveis, a estrada no território TIPNIS na Bolívia, e empreendimentos
mineradores por toda a América Latina).
• Repudiamos a ação de
instituições financeiras como o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, que financia grandes empreendimentos com dinheiro público,
mas não respeita o direito à consulta as populações afetadas, incluindo 400
regiões no Brasil, e em todos os países em que atuam, inclusive na América
Latina e África.
• Repudiamos a diminuição
dos territórios indígenas.
• Repudiamos todas as
iniciativas legislativas que visem submeter os direitos indígenas ao grande
capital, através da flexibilização ou descaracterização da legislação
indigenista e ambiental em vários países, como a PEC 215 e o Código Florestal
no congresso brasileiro e as alterações propostas no Equador.
• Repudiamos a
repressão sofrida pelos parentes bolivianos da IX Marcha pela "Defesa da
Vida e Dignidade, Territórios Indígenas, Recursos Naturais, Biodiversidade,
Meio Ambiente, e Áreas Protegidas, pelo Cumprimento da CPE (Constituição
Política do Estado) e o respeito a Democracia”. Manifestamos nossa
solidariedade aos parentes assassinados e presos nesta ação repressiva do
estado boliviano.
• Repudiamos a atuação
de Marco Terena que se apresenta como líder indígena do Brasil e representante
dos nossos povos em espaços internacionais, visto que ele não é reconhecido
como legítimo representante do povo Terena, como clamado pelas lideranças deste
povo presentes no IX Acampamento Terra Livre.
Propostas
• Clamamos pela
proteção dos direitos territoriais indígenas. No Brasil, mais de 60% das terras
indígenas não foram demarcadas e homologadas. Reivindicamos o reconhecimento e
demarcação imediatos das terras indígenas, inclusive com políticas de
fortalecimento das áreas demarcadas, incluindo desintrusão dos fazendeiros e
outros invasores dos territórios.
• Reivindicamos o fim
da impunidade dos assassinos e perseguidores das lideranças indígenas.
Lideranças indígenas, mulheres e homens, são assassinados, e os criminosos
estão soltos e não são tomadas providências. Reivindicamos que sejam julgados e
punidos os mandantes e executores de crimes (assassinatos, esbulho, estupros,
torturas) cometidos contra os nossos povos e comunidades.
• Reivindicamos o fim
da repressão e criminalização das lideranças indígenas, como dos parentes que
se manifestam contra a construção de Belo Monte. Que as lutas dos nossos povos
pelos seus direitos territoriais não sejam criminalizadas por agentes do poder
público que deveriam exercer a função de proteger e zelar pelos direitos
indígenas.
• Exigimos a garantia
do direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, de cada povo
indígena, em respeito à Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do
Trabalho, de acordo com a especificidade de cada povo, seguindo rigorosamente
os princípios da boa-fé e do caráter vinculante desta convenção. Precisamos que
seja respeitado e fortalecido o tecido institucional de cada um de nossos
povos, para dispor de mecanismos próprios de deliberação e representação
capazes de participar do processo de consultas com a frente estatal.
• Clamamos pela
ampliação dos territórios indígenas.
• Clamamos pelo
monitoramento transparente e independente das bacias hidrográficas.
• Clamamos pelo
reconhecimento e fortalecimento do papel dos indígenas na proteção dos biomas.
• Clamamos pela
melhora das condições de saúde aos povos indígenas, como por exemplo, no
Brasil, pelo aumento do orçamento da SESAI – Secretaria Especial de Saúde
Indígena, a implementação da autonomia financeira, administrativa e política
dos DSEIs – Distritos Sanitários Especiais Indígenas, e a garantia dos direitos
dos indígenas com deficiência.
• Queremos uma
Educação Escolar Indígena que respeite a diversidade de cada povo e cultura,
com tratamento específico e diferenciado a cada língua, costumes e tradições.
• Exigimos que se
tornem efetivas as políticas dos estados para garantia da educação escolar
indígena, tal como os territórios etnoeducacionais no Brasil.
• Queremos uma
educação escolar indígena com componentes de educação ambiental, que promova a
proteção do meio ambiente e a sustentabilidade de nossos territórios.
• Exigimos condições
para o desenvolvimento a partir das tradições e formas milenares de produção
dos nossos povos.
Finalmente, não são as
falsas soluções propostas pelos governos e pela chamada economia verde que irão
saldar as dívidas dos Estados para com os nossos povos.
Reiteramos nosso
compromisso pela unidade dos povos indígenas como demonstrado em nossa aliança
desde nossas comunidades, povos, organizações, o conclave indígena e outros.
A SALVAÇÃO DO PLANETA
ESTÁ NA SABEDORIA ANCESTRAL DOS POVOS INDÍGENAS
RIO DE JANEIRO, 20 DE JUNHO DE 2012
APIB – Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil, COICA – Coordenadora de Organizações Indígenas
da Bacia Amazônica, CAOI – Coordenadora Andina de Organizações Indígenas, CICA
– Conselho Indígena da América Central, e CCNAGUA – Conselho Continental da
Nação Guarani
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