"A
solução para a grave crise ambiental que estamos vivendo não é, pois, a
colocação de preço nos bens naturais e nos serviços ambientais. É a preservação
dos bens e dos processos naturais como bens comuns, como bens de todos, de toda
a humanidade. Nós não precisamos de uma “economia verde”: nós precisamos de uma
outra economia". O comentário é de Ivo Lesbaupin, no sítio do Iser
Assessoria.
Segue o artigo com pequenos cortes.
A
humanidade está hoje na direção da não-sustentabilidade, caminhando rapidamente
para tornar a Terra inabitável.
O
mundo está sofrendo um aquecimento global sem precedentes, que tem produzido a
multiplicação de eventos climáticos extremos (fortes ondas de calor, invernos
rigorosos, tempestades e inundações, incêndios cada vez mais frequentes,
furacões e tsunamis), a extensão das áreas de seca no mundo, forte impulso na
desertificação, perdas frequentes de colheitas, redução das áreas
agricultáveis, e a secagem temporária ou permanente de inúmeros rios. Está
também derretendo fontes de água doce como as geleiras, os glaciares e as
calotas polares, produzindo o aumento do nível dos mares. [...]
Nossa
água doce está sendo utilizada em uma quantidade muito acima de sua capacidade
de reposição. Além disso, ela está sendo poluída pelo não-saneamento, pelos
agrotóxicos, pelos produtos tóxicos das indústrias e da mineração. O processo
de acidificação dos mares leva cientistas a prever que, possivelmente dentro de
30 a 40 anos, desaparecerão os peixes. Recifes de corais inteiros já
desapareceram ou estão em vias de desaparecer.
Quais
as causas destas mudanças climáticas tão dramáticas, destes desastres
ambientais?
Em primeiro lugar, a emissão de dióxido de carbono na
atmosfera, numa proporção muito maior nos últimos duzentos anos – e sobretudo
nos últimos trinta anos - do que nos setecentos mil anos anteriores.
Esta
emissão é produzida, em primeiro lugar, pela utilização de combustíveis fósseis
– petróleo, gás, carvão. Ora, estes, especialmente o petróleo, têm sido a
principal fonte de energia dos últimos cem anos. A “civilização do automóvel”
tornou a emissão de gases um fenômeno exponencial e a poluição das cidades (e
da atmosfera em geral) um fato habitual.
O
gás metano é o um dos principais produtores de efeito estufa. Ora, um dos
produtores deste gás é o gado. A extraordinária multiplicação do número de
cabeças de gado no mundo [...] aumentou enormemente a produção de metano.
Outro
produtor de gás metano são os lagos artificiais das usinas hidrelétricas que
inundam partes de florestas. A madeira submersa, no correr do tempo, apodrece e
produz metano.
Em segundo lugar, a destruição dos bens naturais é
produzida por um modelo de desenvolvimento centrado na produção e no consumo
cada vez maior de bens, o modelo produtivista-consumista.
Como
a obtenção de lucros é o principal objetivo dos produtores, interessa-lhes que
todo cidadão seja consumidor e que seja consumidor insaciável, de modo a
comprar cada vez mais produtos. Esta obsessão pela produção tem como
consequência a utilização dos bens naturais renováveis numa velocidade maior do
que a sua capacidade de reposição e dos bens não renováveis em direção à sua
extinção [...].
Além
disso, a produção incessante de bens exige uma quantidade de energia sempre
maior, tornando também crescente a necessidade de geração de energia. Sabe-se
que os países desenvolvidos têm apenas 20% da população mundial, mas utilizam
80% dos recursos naturais. [...]
O
que tem levado a desmatar nesta velocidade alucinante? O que tem levado a
consumir muito mais água doce do que sua capacidade de reposição? o que tem
levado a poluir as águas numa proporção tão grande?
O
modelo econômico dominante não busca apenas atender às necessidades dos
cidadãos: ele produz incessantemente uma enorme quantidade de bens e procura
convencer, pela propaganda, que são absolutamente indispensáveis para a vida.
Ele os produz não para durarem, mas para se tornarem rapidamente obsoletos
[...]. Este modelo é baseado na descartabilidade dos produtos, com a
consequente geração de um lixo cada vez maior e inaproveitado. [...]
O
que o documento-base (“rascunho zero”) produzido pela ONU para a Rio+20 propõe
como solução a estes problemas é a “economia verde”.
A
“economia verde” propõe a redução da utilização do petróleo, do gás e do carvão
nos próximos anos? A “economia verde” propõe a progressiva mudança da matriz
energética do mundo, para passarmos dos combustíveis fósseis às energias
renováveis (solar, eólica, geotérmica, etc.)? Não. Então, a “economia verde”
não pretende atacar a principal causa do aquecimento global e,
consequentemente, não pretende atacar a principal causa das dramáticas mudanças
climáticas que a humanidade está sofrendo.
A
“economia verde” pretende superar o modelo produtivista-consumista, fonte da
destruição acelerada dos nossos bens naturais e do aquecimento global? Não. Ao
contrário, o “rascunho zero” encoraja fortemente os negócios e a indústria a
mostrarem sua liderança na realização da “economia verde”.
O
documento apóia os instrumentos de mercado para reduzir a destruição dos bens
naturais. Acredita que a solução virá do aumento do comércio mundial, do livre
comércio (sem barreiras) entre os países. Enfatiza a importância do Banco
Mundial, do FMI (Fundo Monetário Internacional), da OMC (Organização Mundial do
Comércio) para a implementação desta “economia verde”.
Em
suma, o documento pretende que se faça uma “economia verde” sem mexer no
essencial da economia dominante, naquele essencial que a torna depredadora da
natureza. Quer manter as mesmas instituições – FMI, OMC, BM - que lideraram o
processo de neoliberalização das economias dos últimos trinta anos, período no
qual, a depredação da natureza foi ainda maior que nos períodos anteriores,
graças à “desregulação”, à redução ou anulação dos controles públicos sobre a
atuação dos bancos e das empresas.
A
prioridade atribuída ao capital financeiro e seus lucros – e, por isso, ao
controle da inflação e dos gastos públicos em políticas sociais – desvalorizou
os seres humanos, desprestigiou os trabalhadores, gerou um desemprego massivo e
estrutural por toda parte, enfraqueceu os direitos humanos. Hoje, os seres
humanos são menos importantes que a dívida pública: para enfrentá-la, tudo é
válido, mesmo a destruição das condições de vida digna para as pessoas (como
está ocorrendo na Europa atual). Os governos não governam em primeiro lugar
para os cidadãos, governam para pagar aos bancos, aos investidores (nacionais e
internacionais).
[...]
Na sua busca desregulada de lucro – que é o objetivo essencial do mercado -, as
empresas exploram a natureza até o seu esgotamento. Esta é a razão pela qual as
florestas estão desaparecendo, o petróleo continua sendo usado como principal
fonte de energia, a água tem sido esgotada em inúmeras fontes por todo o globo
terrestre. As condições de “comércio livre” têm favorecido a destruição da
pequena agricultura de países emergentes pelos países desenvolvidos.
Por
que não se substituiu o investimento na produção de automóveis individuais pelo
investimento na produção de meios de transporte coletivos (trens, metrôs e
outros), muito mais eficientes, muito mais úteis para a população e menos
poluentes? Porque as grandes empresas automobilísticas querem continuar a ter
lucro e os governos as favorecem. A solução, portanto, não é o “mercado”, é o
controle do “mercado”, é a submissão da lógica da busca do lucro individual à
lógica da busca do bem público: os governos devem investir recursos públicos
nos transportes coletivos, solução primeira para reduzir a utilização dos
automóveis individuais, para reduzir o consumo dos recursos usados em sua
fabricação, para a redução da utilização de combustíveis fósseis e da poluição
atmosférica. [...]Não é o “mercado” que preserva a floresta, ao contrário, é
sua afirmação como bem comum, bem de todos, do qual ninguém pode se apropriar
privadamente. [...]
A
solução para a grave crise ambiental que estamos vivendo não é, pois, a
colocação de preço nos bens naturais e nos “serviços ambientais”. É a
preservação dos bens e dos processos naturais como bens comuns, como bens de
todos, de toda a humanidade. Nós não precisamos de uma “economia verde”: nós
precisamos de uma outra economia, nós precisamos de um outro desenvolvimento.
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