A memória não se apaga por decretos
O poeta argentino Juan Gelman (81) era um dos
principais convidados da “Primeira Bienal do Livro e da Leitura”, de Brasília.
Falou com ironia do ex-ditador Jorge Videla. Seu reconhecimento da morte de 7
ou 8 mil pessoas durante o período em que governou a Argentina no regime
militar, de 1976 a 1983, seria um sinal de "modéstia" do político
criminoso, “porque não foram 8 mil, mas 30 mil mortes". Gelman teve seu
filho e sua nora assassinados, além de uma neta desaparecida.
O filho do poeta, Marcelo Gelman, após ter sido sequestrado e torturado, foi assassinado por
uma ação combinada das ditaduras argentina e uruguaia, nos marcos da Operação
Condor que estabelecia a cooperação entre as ditaduras latino-americanas. Sua nora, María Claudia García, que tinha 19
anos e estava grávida, foi sequestrada e detida junto com o marido, mas como
foi transferida para o Uruguai, até hoje seu paradeiro não é conhecido.
Enquanto isso, a neta, Macarena, foi roubada por militares e deixada na porta
da casa de um policial uruguaio. Só foi encontrada pelo avô em 2000.
Ao falar sobre as chamadas "leis do
perdão", que livraram de responsabilidade os repressores argentinos, o
escritor, hoje residente no México, destacou: "não conheço nenhuma vítima
que tenha delegado a terceiros a faculdade do perdão". Gelman evitou
comentar a vigência da Lei de Anistia, decretada pelo ditador João Batista
Figueiredo, em 1979, e ratificada pelo Supremo Tribunal Federal há dois anos. À
pergunta, se a memória pode ser apagada por decreto, ele responde:
“Há 2.500 anos na Grécia de Péricles houve uma
ditadura, a ditadura dos 400. Quando essa ditadura foi derrubada, obrigaram
todos os cidadãos a jurar que não iriam recordar nada do que havia ocorrido, ou
seja, estabeleceram o esquecimento por decreto. Isso é impossível: por mais
decretos que se queiram impor, não há esquecimento dos crimes cometidos pelas
ditaduras. Os familiares sabem muito bem o que perderam e uma sociedade que diz
que “é preciso não olhar para trás”, que “não se deve ter olhos nas costas”,
“que não é o caso de abrir velhas feridas”, é uma sociedade que se equivoca.”
Cf. também a entrevista de Egídio Schwade cedida ao Instituto Humanitas Unisinos:“Waimiri-Atroari: vítimas da Ditadura Militar. Mais um caso para a Comissão da Verdade” em: www.urubui.blogspot.com
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