Veja molhou as mãos no caso Cachoeira
Por
que a mídia nativa fecha-se em copas diante das relações entre Carlinhos
Cachoeira e a revista Veja? O que a induz ao silêncio? [...] O Brasil não é o
Reino Unido, a gente sabe. A mídia britânica, aberta em leque, representa todas
as correntes de pensamento. Aqui, terra dos herdeiros da casa-grande e da
senzala, padecemos a presença maciça da mídia do pensamento único. Na hora em
que vislumbram a chance, por mais remota, de algum risco, os senhores da
casa-grande unem-se na mesma margem, de sorte a manter seu reduto intocado. [...]
A corporação é o próprio poder, de sorte a entender liberdade de imprensa como
a sua liberdade de divulgar o que bem lhe aprouver. A distorcer, a inventar, a
omitir, a mentir.
Neste
enredo vale acentuar o desempenho da revista Veja. De puríssima marca
murdoquiana. Não que os demais não mandem às favas os princípios mais
elementares do jornalismo quando lhes convém. Neste momento, haja vista, omitem
a parceria Cachoeira-Policarpo Jr., diretor da sucursal de Veja em Brasília e
autor de algumas das mais fantasmagóricas páginas da semanal da Editora Abril,
inspiradas e adubadas pelo criminoso, quando não se entregam a alguma pena inspirada
à tarefa de tomar-lhe as dores. Veja, entretanto, superou-se em uma série de
situações que, em matéria de jornalismo onírico, bateram todos os recordes
nacionais e levariam o espelho de Murdoch a murmurar a possibilidade da
existência de alguém tão inclinado à mazela quanto ele. E até mais inclinado,
quem sabe.
O
jornalismo brasileiro sempre serviu à casa-grande, mesmo porque seus donos
moravam e moram nela. Roberto Civita, patrão abriliano, é relativamente novo na
corporação. Sua editora, fundada pelo pai Victor, nasceu em 1951 e Veja foi
lançada em setembro de 1968. De todo modo, a se considerarem suas intermináveis
certezas, trata-se de alguém que não se percebe como intruso, e sim como mestre
desbravador, divisor de águas, pastor da grei. O sábio que ilumina o caminho.
Roberto Civita não se permite dúvidas, mas um companheiro meu na Veja censurada
pela ditadura o definia como inventor da lâmpada Skuromatic, aquela que produz
a treva ao meio-dia. Indiscutível é que a Veja tem assumido a dianteira na arte
de ignorar princípios. A revista exibe um currículo excepcional neste campo e
cabe perguntar qual seria seu momento mais torpe. Talvez aquele em que divulgou
uma lista de figurões encabeçada pelo então presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, apontados como donos de contas em paraísos fiscais. Lista
fornecida pelo banqueiro Daniel Dantas, especialista no assunto, conforme
informação divulgada pela própria Veja. [...] A questão, como era previsível,
dissolveu-se no ar do trópico. Miúda observação: Dantas conta entre seus
advogados, ou contou, com Luiz Eduardo Greenhalgh e Márcio Thomaz Bastos, e
este é agora defensor de Cachoeira. É o caso de dizer que nenhuma bala seria
perdida? Sim, sim, mesmo os mais eminentes criminosos merecem defesa em juízo,
assim como se admite que jornalistas conversem com contraventores. Tudo depende
do uso das informações recebidas. Inaceitável é o conluio. A societas sceleris.
A bandidagem em comum.
[Trechos da matéria de Mino Carta, na CartaCapital – 5.5.2012]
Reportagem da Record desmascara a
Revista Veja
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