A modernização brasileira e a política burguesa cinzenta.


Entrevista com Luiz Werneck Vianna

por Graziela Wolfart, Instituto Humanitas Unisinos


Na visão de Luiz Werneck Vianna, retomar o nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960 hoje é um anacronismo. Para ele, o nacional-desenvolvimentismo da época tinha uma conotação anti-imperialista que certamente não tem mais hoje. Além disso, era animado por uma "coalizão de forças sociais e políticas que contava com uma expressão muito forte da esquerda, do Partido Comunista da época, dos militares nacionalistas, de uma burocracia de Estado também muito orientada pelos valores do nacionalismo, que não estão mais aí. O que se tem hoje é uma tecnocracia animada pela aspiração de desenvolver, maximizar, robustecer o capitalismo brasileiro e inscrevê-lo de forma mais presente e vigorosa no cenário do capitalismo mundial”.

 Confira trechos da entrevista.


IHU On-Line – O senhor percebe a retomada do modelo econômico "nacional-desenvolvimentista” dos anos 1950 pelo governo Lula e que vem sendo mantido pelo governo Dilma? O que o caracteriza?

Werneck Vianna – Retomar o nacional-desenvolvimentismo, hoje, me parece um anacronismo. Esse tema se impôs entre nós a partir de uma circunstância muito particular, em que as questões internas estavam fortemente vinculadas à conjuntura internacional da época. O nacional-desenvolvimentismo tinha aí uma conotação anti-imperialista que certamente não tem mais hoje. Além do mais, era animado por uma coalizão de forças sociais e políticas que contava com uma expressão muito forte da esquerda, do Partido Comunista da época, dos militares nacionalistas, de uma burocracia de Estado também muito orientada pelos valores do nacionalismo, que não estão mais aí.

O que se tem hoje é uma tecnocracia animada pela aspiração de desenvolver, maximizar, robustecer o capitalismo brasileiro e inscrevê-lo de forma mais presente e vigorosa no cenário do capitalismo mundial. O nacional-desenvolvimentismo tinha uma conotação emancipatória, diferente de hoje.

A conotação nacional desse desenvolvimentismo atual é fraca. O tema forte nele é o desenvolvimento da ordem burguesa no Brasil. E essa é uma mudança muito importante. A agenda emancipacionista não está presente nisso que se chama hoje de nacional-desenvolvimentismo. É um anacronismo tratá-lo hoje como há 30, 40 anos. [...]

IHU On-Line – Em que sentido o eixo Getúlio-JK-regime militar influencia nas políticas e nos valores do nacional-desenvolvimentismo em nosso país?

Werneck Vianna – Essa coalizão foi construída exatamente como uma forma política a que o país chegou para lutar contra o subdesenvolvimento, contra a dominação imperial, com uma identidade nacional, por autonomia nacional. E vários atores se mobilizaram nisso por motivos próprios. Por exemplo, os sindicatos se deixaram enlear pela trama nacional-desenvolvimentista em busca de maior influência, de maior autonomia em relação à legislação corporativa que preponderava à época. Mais à frente, juntaram-se até setores do mundo do campo, como as Ligas Camponesas e o sindicalismo rural. E os militares tiveram um papel histórico nisso, porque estavam associados com o tema da modernização e da industrialização do país, desde a revolução de 1930. Aqui cito também a criação da Companhia Siderúrgica Nacional e a criação da Petrobras.

Os militares eram um braço importante dessa construção e que estava instalado no interior do Estado. Era uma posição forte, mas que procurava sobretudo os ideais de modernização associados a uma ruptura com o capitalismo hegemônico na época, com o imperialismo americano. Havia um inimigo externo ao nacional-desenvolvimentismo.

Qual o inimigo externo hoje ao desenvolvimentismo brasileiro? As próprias empresas capitalistas. Boa parte delas sediada aqui também. O modelo do capitalismo dependente, tal como se dizia nos anos 1960, vingou. Nosso capitalismo é associado em tudo, da indústria ao agronegócio. Nossos vínculos com as grandes empresas capitalistas internacionais é muito forte. [...]

IHU On-Line – Em que medida o debate teórico sobre o desenvolvimentismo inspira a reflexão sobre o papel do Estado na economia? Na sua visão, qual deve ser o papel do Estado no processo de desenvolvimento econômico de uma nação?

Werneck Vianna – Isso está em curso. O capitalismo brasileiro vem tendo como uma das suas peças fortes de propulsão o Estado e suas políticas, a capacidade de intervenção, de regulação. O Estado tem sido central. Mas isso foi também no regime militar. O fato é que esse Estado está sendo conduzido de forma tecnocrática, inclusive com uma formatação da política muito pouco amável em relação à democracia. Basta ver as relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Não vejo como tornar equivalentes o momento desenvolvimentista atual e o desenvolvimentismo anterior, em particular porque o nacional-desenvolvimentismo anterior estava fortemente associado a uma configuração na política apoiada num projeto nacional-popular. Este é um mundo cinzento, de cálculos e estratégias econômicas. Quem são os grandes atores? O BNDES, alguns estrategistas do mundo da economia, que exercem uma consultoria muito próxima junto à presidente, como o ex-ministro Delfim Netto e outros, e têm como eixo de orientação o tema da alavancagem do capitalismo brasileiro e isso com inteira neutralidade quanto à política e quanto aos atores da política.

IHU On-Line – O que caracteriza o pensamento da esquerda desenvolvimentista brasileira?

Werneck Vianna – Não creio que a esquerda de hoje seja desenvolvimentista. O que temos é que a política foi inteiramente subsumida aos fins econômicos. Ademais, não entendo que o nacional-popular seja uma bandeira que a esquerda agora, em 2012, deva trazer para si. Os temas hoje são outros: aprofundamento da democracia, difusão da participação, distribuição de riqueza, concepção de uma sociedade igualitária. As questões da esquerda vão por essa linha, tem essa inclinação, essa vocação. O nacional-desenvolvimentismo tem sido um repertório velho que está sendo tirado da tumba para justificar uma política burguesa cinzenta, de fins meramente instrumentais, sem nenhuma capacidade de mobilização. A modernização no Brasil já foi um projeto pluriclassista. Hoje não é mais. Hoje é um projeto monoclassista. Não creio que este tema do desenvolvimentismo deva fazer parte da constelação de questões da esquerda, salvo como crítica, e não como bandeira de organização, mobilização.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).


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