
O Instituto Humanitas Unisinos - IHU - um órgão transdisciplinar da Unisinos, que visa apontar novas questões e buscar respostas para os desafios de nossa época. Parte da visão do humanismo social cristão, debatendo a sociedade do futuro.
O
Papa Francisco nos lembra: “Acreditar num Deus único que é comunhão trinitária,
leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca trinitária” (cf.
LS 239). Tudo está interligado: Deus, as pessoas, a natureza, o cosmo. “O
mundo, criado segundo o modelo divino, é uma trama de relações” (LS 240), de
relações trifásicas.
A
Trindade não aponta para a “terceira via” como resultado de um liquidificador
que mistura tudo, mas para um salto qualitativo, dialético, messiânico,
surpreendente. Esse salto resgata com sua memória subversiva o passado e
antecipa o futuro.
Neste
momento político, o Brasil precisa abandonar o sistema binário da luta dos bons
contra os maus. O país necessita fazer um salto qualitativo para sua realidade profunda,
que já contém a semente daquela possibilidade que está na nossa frente: a
inclusão do Terceiro.
A
esquerda partidária hegemônica, podre e autoritária, foi derrubada pela parceria
igualmente podre e autoritária da socialdemocracia com a direita de setores
ligados ao grande capital, a setores fascistas e ao fundamentalismo religioso.
Não existe partido redentor para as causas redentoras dos pobres, dos outros ou
da classe operária. Nunca existiu. Fora dos partidos e mesmo na clandestinidade
partidária sobrevive um ou outro, não com cara redentora, mas com cara honesta,
considerada ingênua, quixotesca no estilo de Pepe Mujica e Francisco Bergóglio.
Vamos dar nome aos bois. O que
aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi
um golpe de Estado. Golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”,
“institucional”, parlamentar ou o que se preferir. Mas golpe de Estado.
Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção
(fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente
pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir
déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos
anteriores! Não há dúvida de que vários quadros do PT estão envolvidos no
escândalo de corrupção da Petrobras, mas Dilma não… Na verdade, os deputados de
direita que conduziram a campanha contra a presidente são uns dos mais
comprometidos nesse caso, começando pelo presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (recentemente suspenso), acusado de corrupção, lavagem de
dinheiro, evasão fiscal etc.
Citando Hegel, Marx escreveu no 18 de
Brumário de Luís Bonaparte que os acontecimentos históricos se repetem duas
vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Isso se aplica
perfeitamente ao Brasil. O golpe de Estado militar de abril de 1964 foi uma
tragédia que mergulhou o Brasil em vinte anos de ditadura militar, com centenas
de mortos e milhares de torturados. O golpe de Estado parlamentar de maio de
2016 é uma farsa, um caso tragicômico, em que se vê uma cambada de
parlamentares reacionários e notoriamente corruptos derrubar uma presidente
democraticamente eleita por 54 milhões de brasileiros, em nome de
“irregularidades contábeis”. O principal componente dessa aliança de partidos
de direita é o bloco parlamentar (não partidário) conhecido como “a bancada
BBB”: “Bala” (deputados ligados à Polícia Militar, aos esquadrões da morte e às
milícias privadas), “Boi” (grandes proprietários de terra, criadores de gado) e
“Bíblia” (neopentecostais integristas, homofóbicos e misóginos). Entre os
partidários mais empolgados com a destituição de Dilma destaca-se o deputado
Jair Bolsonaro, que dedicou seu voto aos oficiais da ditadura militar e
nomeadamente ao coronel Ustra, um torturador notório. Uma das vítimas de Ustra
foi Dilma Rousseff, que no início dos anos 1970 era militante de um grupo de
resistência armada, e também meu amigo Luiz Eduardo Merlino, jornalista e
revolucionário, morto em 1971 sob tortura, aos 21 anos de idade.
Em 1964, grandes manifestações “da
família com Deus pela liberdade” prepararam o terreno para o golpe contra o
presidente João Goulart; dessa vez, multidões “patrióticas” – influenciada pela
imprensa submissa – se mobilizaram para exigir a destituição de Dilma, em
alguns casos chegando a pedir o retorno dos militares… Formadas essencialmente
por brancos (os brasileiros são em maioria negros ou mestiços) de classe média,
essas multidões foram convencidas pela mídia de que, nesse caso, o que está em
jogo é “o combate à corrupção”.
Com a Papa Francisco, um destes frutos
ganhou especial destaque: a alegria. Ela aparece em dois títulos dos seus
documentos: na Exortação Evangelii
gaudium (Alegria do Evangelho) e
na Exortação Amoris laetitia (Alegria do Amor), que sintetiza os
resultados do Sínodo dos Bispos sobre a Família (2015).
Com sua ênfase na “alegria”, o Papa
Francisco retoma outros dois documentos do magistério recente da Igreja, a
Exortação Apostólica, de Paulo VI, “Sobre a Alegria Cristã: Gaudete in Domino (Alegrai-vos no
Senhor)”, de 1975, e a Constituição Pastoral Gaudium et spes (Alegria e esperança) no mundo de hoje, de 7 de
dezembro de 1965, promulgada no último dia do Concílio Vaticano II.![]() |
| Caminhar juntos: Refugiados em Lesbos |
Qual é a finalidade dessa saída? A EG
aponta para uma metodologia com quatro pilares de uma pastoral em chave
missionária (EG 33ss):
Visando a vida para todos, Francisco
pode generalizar: “No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres,
tanto que até Ele mesmo «Se fez pobre» (2Cor 8,9). Todo o caminho da nossa
redenção está assinalado pelos pobres” (EG 197). Ouvir o clamor dos pobres não
é um mérito especial, mas expressão da nossa fé na presença de Deus e expressão
da nossa indignação contra aqueles que tentam apagar essa glória de Deus no
meio dos marginalizados.
Em seu discurso por ocasião da
comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, dia 17 de
outubro de 2015, o Papa Francisco qualificou o Sínodo como “um dos legados mais
preciosos da última sessão conciliar. [...] O caminho da sinodalidade é
precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio” (Discurso, www.vatican.va
/17.10.2015, p. 2). “Igreja sinodal” é um pleonasmo, porque, segundo João Crisóstomo
(+407), “Igreja e Sínodo são sinônimos” (ibid.
p. 4). O papa dá nesse discurso uma verdadeira aula sobre a função da
sinodalidade na Igreja. “Estou convencido de que, numa Igreja sinodal, também o
exercício do primado petrino poderá receber maior luz. O Papa não está,
sozinho, acima da Igreja; mas, dentro dela, como batizado entre batizados”
(Discurso, l.c. p. 6).