“Somos contra o
golpe, não em favor de Dilma, que foi mais que negligente no trato dos povos
indígenas. Mas se a história nos obriga a defender a democracia com a presidente
Dilma, consideramos o valor da democracia o valor maior e a Dilma o mal menor”.
(Paulo Suess)
"A prática do golpe de Estado legal
parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas."
Por Michael Löwy
Do sitio da Ed. Boitempo.
Vamos dar nome aos bois. O que
aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi
um golpe de Estado. Golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”,
“institucional”, parlamentar ou o que se preferir. Mas golpe de Estado.
Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção
(fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente
pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir
déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos
anteriores! Não há dúvida de que vários quadros do PT estão envolvidos no
escândalo de corrupção da Petrobras, mas Dilma não… Na verdade, os deputados de
direita que conduziram a campanha contra a presidente são uns dos mais
comprometidos nesse caso, começando pelo presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (recentemente suspenso), acusado de corrupção, lavagem de
dinheiro, evasão fiscal etc.
A prática do golpe de Estado legal
parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Testada em
Honduras e no Paraguai (países que a imprensa costuma chamar de “República das
Bananas”), ela se mostrou eficaz e lucrativa para eliminar presidentes (muito
moderadamente) de esquerda. Agora foi aplicada num país que tem o tamanho de um
continente…
Podemos fazer muitas críticas a Dilma:
ela não cumpriu as promessas de campanha e faz enormes concessões a banqueiros,
industriais, latifundiários. Há um ano a esquerda política e social cobra uma
mudança de política econômica e social. Mas a oligarquia de direito divino do
Brasil – a elite capitalista financeira, industrial e agrícola – não se
contenta mais com concessões: ela quer o poder todo. Não quer mais negociar,
mas sim governar diretamente, com seus homens de confiança, e anular as poucas
conquistas sociais dos últimos anos.
Citando Hegel, Marx escreveu no 18 de
Brumário de Luís Bonaparte que os acontecimentos históricos se repetem duas
vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Isso se aplica
perfeitamente ao Brasil. O golpe de Estado militar de abril de 1964 foi uma
tragédia que mergulhou o Brasil em vinte anos de ditadura militar, com centenas
de mortos e milhares de torturados. O golpe de Estado parlamentar de maio de
2016 é uma farsa, um caso tragicômico, em que se vê uma cambada de
parlamentares reacionários e notoriamente corruptos derrubar uma presidente
democraticamente eleita por 54 milhões de brasileiros, em nome de
“irregularidades contábeis”. O principal componente dessa aliança de partidos
de direita é o bloco parlamentar (não partidário) conhecido como “a bancada
BBB”: “Bala” (deputados ligados à Polícia Militar, aos esquadrões da morte e às
milícias privadas), “Boi” (grandes proprietários de terra, criadores de gado) e
“Bíblia” (neopentecostais integristas, homofóbicos e misóginos). Entre os
partidários mais empolgados com a destituição de Dilma destaca-se o deputado
Jair Bolsonaro, que dedicou seu voto aos oficiais da ditadura militar e
nomeadamente ao coronel Ustra, um torturador notório. Uma das vítimas de Ustra
foi Dilma Rousseff, que no início dos anos 1970 era militante de um grupo de
resistência armada, e também meu amigo Luiz Eduardo Merlino, jornalista e
revolucionário, morto em 1971 sob tortura, aos 21 anos de idade.
O novo presidente, Michel Temer,
entronizado por seus acólitos, está envolvido em vários casos suspeitos, mas
ainda não é alvo de investigação. Uma pesquisa recente perguntou aos
brasileiros se eles votariam em Temer para presidente da República: 2%
responderam que sim…
Em 1964, grandes manifestações “da
família com Deus pela liberdade” prepararam o terreno para o golpe contra o
presidente João Goulart; dessa vez, multidões “patrióticas” – influenciada pela
imprensa submissa – se mobilizaram para exigir a destituição de Dilma, em
alguns casos chegando a pedir o retorno dos militares… Formadas essencialmente
por brancos (os brasileiros são em maioria negros ou mestiços) de classe média,
essas multidões foram convencidas pela mídia de que, nesse caso, o que está em
jogo é “o combate à corrupção”.
O que a tragédia de 1964 e a farsa de 2016
têm em comum é o ódio à democracia. Os dois episódios revelam o profundo
desprezo que as classes dominantes brasileiras têm pela democracia e pela
vontade popular.
O golpe de Estado “legal” vai
transcorrer sem grandes obstáculos, como em Honduras e no Paraguai? Isso ainda
não é certo… As classes populares, os movimentos sociais e a juventude rebelde
ainda não deram a última palavra.
Excelente síntese, com narrativa objetiva sobre o Golpe perpetrado contra a Presidenta Dilma Rousseff.
ResponderExcluirApós a reportagem publicada na Folha de S. Paulo, expondo o envolvimento do líder do governo interino, Romero Jucá e demais conspiradores, vai ficar muito difícil, continuar defendendo a tese de que o Golpe seria "Constitucional"..... Não cola mais!