MISSÃO COLONIAL EM STAND BY: Os povos indígenas e a Igreja pós-conciliar

Este texto foi apresentado na Mesa Redonda: “Missões religiosas e povos indígenas no tempo presente” das “XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas. Fronteiras e identidades: povos indígenas e Missões religiosas”, organizadas pela Universidade Federal da Grande Dourados, Faculdade de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Linha de Pesquisa História Indígena, no dia 2 de setembro 2010.
A colonização encontra nas instituições uma disponibilidade permanente para exercê-la, como colonização ativa que aliena o outro e como passiva, que permite às pessoas se deixarem colonizar. Hoje também é difícil resistir à disposição colonizadora no interior de sociedades e Igrejas globalizadas, aliciadas e mordidas por propaganda e mercadorias, por modernizações conservadoras e desejos de hegemonia que, em seu conjunto, induzem à violência. O espírito colonial, esse desejo de fazer prevalecer a força física ou simbólica sobre o outro, é uma forma de alienação embutida na sociedade burguesa. Essa sociedade transforma as relações humanas em relações de troca e relações de troca estabelecem equivalências. Mercadorias, valores e dinheiro se tornam conversíveis. Tudo o que não é conversível, tudo o que não tem preço, como a dignidade humana, sofre pressões de adaptação. Os povos indígenas sofrem essa pressão de adaptação, acomodação e integração. O que não é adaptável, portanto, o que não pode ser transformado em valor de troca, ou é eliminado ou transformado em folclore. A dupla violência do neocolonialismo está na tentativa de homogeneizar o mundo nos patamares de uma sociedade de classe. Trata-se, portanto, de uma igualdade cultural imposta em condições de subordinação e exploração social. A mentalidade colonizadora está sempre esperando a sua vez, à espreita nas suas tocas modernizadas, ou, com uma expressão do mundo já colonizado, está em stand by.
Autor: Paulo Suess

Encontro no Comina: Viver Bem - Sumak Kawsay – Reino de Deus

No encontro do Conselho Missionário Nacional (Comina), dia 16.08.2010, Brasília, foi apresentada uma reflexão sobre o "viver bem" como novo paradigma latino-americano e planetário:
No discurso público, o projeto de vida plena real para todos, desapareceu completamente. Vivemos não só num mundo pós-moderno, mas também num mundo pós-utópico. Exatamente neste momento pós-utópico emergiu em países latino-americanos muito pequenos e economicamente frágeis, a proposta de um projeto sócio-político alternativo.
Enquanto Brasil está competindo com os países com economias fortes, nas discussões constitucionais da Bolívia e do Equador irrompeu uma proposta que procura superar as políticas alinhadas com os projetos de hegemonia competitiva. Essa proposta, de origem kechwa, se articula em torno de um novo paradigma do “viver bem”, em kechwa, “sumak kawsay”. O “sumak kawsay” é uma utopia política não muito distante da nossa utopia do Reino. Ambos são precedidos ou representam um pachakuti, uma reviravolta em dimensões cósmicas. O pachakuti restabelece o equilíbrio perdido e abre o caminho para “viver em plenitude”.
Autor: Paulo Suess
Leia o texto integral:

Migração - imigração (Manu Chao - Clandestino)


Clandestino
Solo voy con mi pena. Sola va mi condena.Correr es mi destino.Para burlar la ley. Perdido en el corazón. De la grande Babylon. Me dicen el clandestino. Por no llevar papel. Pa' una ciudad del norte. Yo me fui a trabajar. Mi vida la dejé. Entre Ceuta y Gibraltar. Soy una raya en el mar. Fantasma en la ciudad. Mi vida va prohibida. Dice la autoridad. Solo voy con mi pena. Sola va mi condena. Correr es mi destino. Por no llevar papel.
Perdido en el corazón. De la grande Babylon. Me dicen el clandestino. Yo soy el quiebra ley. Mano Negra, clandestina. Peruano, clandestino. Africano, clandestino. Marijuana, ilegal.
Solo voy con mi pena. Sola va mi condena. Correr es mi destino. Para burlar la ley. Perdido en el corazón. De la grande Babylon. Me dicen el clandestino. Por no llevar papel.
Leia também:
PAULO SUESS: "MIGRAÇÃO, IDENTIDADE, INTERCULTURAÇÃO: Teses e fragmentos para um discernimento teológico-pastoral"
A migração é atravessada por todas as questões cadentes da nossa civilização. Temas como territorialidade, urbanização, agronegócio, modelo de desenvolvimento, trabalho, sociedade de classe, identidade são como fios que formam um nó quase impossível de se desfazer. Para este texto, construído em forma de teses, foi proposto fazer um corte pela identidade e a interculturalidade, a partir do campo teológico-pastoral. Mesmo assim, no pedregulho da migração, todas as pás que procuram cavar fundo entortam. O resultado parece já estar pronto antes de se escrever a primeira linha, e aponta para duas opções: acabar com a migração ou acompanhá-la. O resultado, aparentemente impossível, questiona o sedentarismo eclesial e o estatuto sistêmico da prática pastoral.

X Assembléia Continental de Ameríndia

De 20 a 23 de julho de 2010, sob o olhar milenar do Cotopaxi, o grupo Ameríndia realizou sua Assembléia Continental, em Quito, Equador. AMERÍNDIA teve sua origem em 1978 preparando a Conferência de Puebla. Um grupo de teólogos se constituiu como assessores dos delegados de Puebla. Um trabalho semelhante o grupo realizou nas Conferências de Santo Domingo, em 1992, no Sínodo de América, em 1997, e em Aparecida, em 2007.
Ameríndia pretende manter e renovar a tradição teológica e pastoral latino-americana e caribenha, e atualizar a teologia da libertação. Juntamente com outras pessoas e grupos, pretende criar alternativas econômicas, políticas, sociais e culturais ao modelo neoliberal de globalização. Hoje, Ameríndia é uma rede de teólogos, comunicadores, educadores, cientistas sociais, religiosos/as e leigos/as comprometidos na Igreja e em movimentos sociais (cf. http://www.amerindiaenlared.org/).
O objetivo dessa X Assembléia era projetar a missão da entidade para os próximos três anos. Para essa finalidade, e a partir da análise social (Manuel Hidalgo) e eclesial (Virgilio Uchoa, Gabriele Cipriani), Paulo Suess foi convidado para oferecer ao grupo de aproximadamente 45 pessoas um discernimento que permita assumir os novos desafios como tarefas teológico-pastorais. Em seu texto “Prospectivas e tarefas desde um olhar crítico sobre os desafios da realidade em vista do “buen vivir” (sumak kawsay) de todos“, Paulo Suess teceu em cinco círculos concêntricos “Elementos para um discernimento teológico”:
- O enfoque dos desafios estruturais e conjunturais da realidade nos permite fazer primeiros discernimentos (1).
- O contexto político-cultural-eclesial dificulta hoje assumir o conflito social como ponto de partida para a reflexão teológica. A “ação afirmativa” substituiu ação e reflexão crítica na sociedade e nas Igrejas. Precisamos, portanto, recuperar o espírito crítico e, profeticamente, desafinar o coro dos contentes e coniventes (2).
- Para dar um fundamento sólido à crítica profética do nosso agir teológico devemos recorrer à revelação no plural (bíblia, sabedoria dos povos, sinais do tempo) e aos ensinamentos inovadores do Vaticano II e seus desdobramentos no magistério latino-americano (3).
- A interpretação teológica e prático-pastoral do Concílio nos envolve numa disputa sobre as diferentes leituras possíveis, leituras em chave de continuidade e continuísmo, e de ruptura ou prosseguimento criativo (4).
- Por fim, Paulo Suess procurou, a partir do novo paradigma sócio-planetário e ameríndio do “buen vivir” (sumak kawsai) dos pobres e de seu entrelaçamento com justiça maior do Evangelho, elencar alguns núcleos para a produção teológica e ética solidária dos próximos anos (5).
- Um destes núcleos éticos de uma nova civilização, é o desprendimento. Esse desprendimento em sua forma individual pode ser compreendido como conversão e ascese, em sua forma comunitária ou sociopolítica, como ruptura e solidariedade. O desprendimento como descontentamento profético emerge da consciência de que “remendos novos em odres velhos” não mudarão o curso da História.
Depois da Assembléia, alguns dos participantes tiveram ainda a graça de visitar a “Capela do Homem”, obra de Oswaldo Guayasamin. Trouxemos dois retratos que podem ser considerados como lembretes e imperativos da nossa solidariedade teológica: “Ternura” e “Lágrimas de Sangue”.
Fotos: Quito; Oswaldo Guayasamin, "Ternura", Capela do homem, Quito; Oswaldo Guayasamin, "Lágrimas", Homenagem a Salvador Allende, Pablo Neruda, Victor Jara (essas mãos representam a máscara do silêncio imortalizada no tempo, ocultando a verdade que está na arte de fazer política e literatura, e no canção da vida).

O povo Tupinambá que sofre da violência

No dia 02 de junho de 2009, quatro homens e uma mulher do povo Tupinambá foram detidos e agredidos por agentes da Polícia Federal (PF) em Ilhéus, Estado da Bahia. Todos foram algemados, imobilizados no chão e receberam fortes doses de um produto químico nos olhos, conhecido como "gás pimenta". Em seguida os índios foram espancados e três deles receberam choques elétricos nas costas e dois deles, nos órgãos genitais. Estas agressões, com características de crueldade e tortura visavam intimidar os índios para não permanecerem na posse da terra que tradicionalmente ocupam e que está invadida por um pretenso fazendeiro. Além disso, os policiais federais tinham o objetivo de forjar a confissão pelo assassinato de um homem, cujo corpo foi encontrado pelos próprios indígenas na represa da fazenda Santa Rosa.

Ação da Polícia Federal junto aos Tupinambá da Terra do Padeiro I


TRISTE TITULO

“No contexto político e econômico brasileiro e, em particular do Estado do Mato Grosso do Sul, pode-se dizer que o foco é fazer viver os grande proprietários, o grande capital e deixar morrer os povos indígenas” (Relatório de Violência contra os Povos Indígenas 2009, pg17). “Mato Grosso do Sul, campeão de violências contra os povos indígenas. Até Quando?” Assim, há quatro anos atrás, anunciava uma faixa num debate promovido pela CNBB regional, sobre a violência contra os povos indígenas deste estado. De lá para cá todos os anos a faixa continua sendo ostentada , ano após ano, o triste título. Neste ano, uma vez mais, a faixa vai ser desfraldada para dizer ao Brasil e ao mundo que o Mato Grosso do Sul continua sendo o campeão disparado de violências contra os povos indígnas.

Autor: Egon Heck, Campanha-movimento Povo Guarani Grande Povo, Brasília, 9 de julho de 2010

http://www.missiologia.org.br/cms/UserFiles/cms_artigos_pdf_81.pdf

ATEUS E PÓS-SECULARES: dois interlocutores da missão ad gentes

“Estou convencido de que há de se seguir dizendo não,
ainda que se trate de uma voz predicando no deserto”.
(José Saramago)
“Marx diz que as revoluções são a locomotiva da história,
mas talvez seja tudo muito diferente, e as revoluções representem
tentativas da humanidade (...) de puxar o freio de emergência”.
(Walter Benjamin)

O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa, o padre José Tolentino, declarou que com a morte de José Saramago, dia 18 de junho p. p., Prêmio Nobel de Literatura de 1998 e ateu confesso, “a Igreja perde um crítico com o qual soube dialogar constantemente”. Nas categorias do censo do CERIS, de 2004, com enfoque na migração religiosa, Saramago pertence ao pequeno grupo de 7,8% dos que se declaravam “sem religião”. Na pesquisa do CERIS, os “sem religião” são compostos por cinco categorias diferentes. “Sem religião” pode significar, “possuir uma religiosidade própria sem vínculo com igrejas” (41,4%); pode significar também “não frequentar nenhuma igreja e não possuir crenças religiosas” (29,4%), “não acreditar nas religiões” (15,1%), “não ter tempo para frequentar a igreja” (23,2%), e “não acreditar em Deus” (0,5%). Portanto, dos 7,8% “sem religião”, só meio porcento se declara ateus.

Autor: Paulo Suess

Leia mais: http://www.missiologia.org.br/cms/UserFiles/cms_artigos_pdf_80.pdf

"A Triste Partida" - Dia dos Migrantes - 20.6.2010

A migração é atravessada por todas as questões cadentes da nossa civilização. Temas como territorialidade, urbanização, agronegócio, modelo de desenvolvimento, trabalho, sociedade de classe, identidade são como fios que formam um nó quase impossível de se desfazer. O Documento de Aparecida lembra: “Um dos fenômenos mais importantes em nossos países é o processo de mobilidade humana, em sua dupla expressão de migração e itinerância, em que milhões de pessoas migram ou se veem forçadas a migrar dentro e fora de seus respectivos países” (DAp 73).[ver o texto de Paulo Suess "Identidade, migração, interculturação" em: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana (REMHU) XVIII/34 (Janeiro/Junho 2010) 169-183.
Autor: Paulo Suess

Quem é Babau?

Visita a Babau e Givaldo na Penitenciária Federal de Segurança Máxima

Chegamos a Mossoró, cidade localizada numa faixa de transição entre o litoral e o sertão do Rio Grande do Norte, ao entardecer do dia 15 de junho. Tudo era festa, a seleção brasileira acabara de estrear na Copa do Mundo e vencera a Coréia do Norte. Parecia que todas as pessoas haviam saído às ruas, era uma multidão em verde-amarelo. Luciano (Luciano Ribeiro Falcão, jovem advogado de causas populares) e eu parecíamos dois estranhos no ninho: não havíamos assistido ao jogo do Brasil, não vestíamos verde-amarelo e nem trazíamos no rosto qualquer expressão festiva. Estávamos tomados pela ansiedade de no dia seguinte poder visitar os irmãos Babau e Givaldo, dois importantes guerreiros do Povo Tupinambá, vítimas de uma grande e bem montada trama persecutória, razão pela qual se encontravam aprisionados na Penitenciária Federal de Segurança Máxima, localizada a poucos quilômetros de Mossoró. Não encontrava justificativa para o fato de estarem cumprindo uma injusta prisão preventiva em um ambiente destinado a abrigar presos considerados de alta periculosidade.
AUTOR: Saulo Ferreira Feitosa
Brasília, junho de 2010.

Depois de audiência com Lula, PF prende irmã de Babau com filho de dois meses

A Polícia Federal prendeu na tarde do feriado de Corpus Christi, 3 de junho, a índia Glicéria Tupinambá e seu filho de apenas dois meses. Glicéria é liderança de seu povo e membro da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI. Vinculada ao Ministério da Justiça, a CNPI tem entre seus integrantes representantes de 12 ministérios, 20 lideranças indígenas e dois representantes de entidades indigenistas. No dia anterior a sua prisão, Glicéria participou da reunião da CNPI com o Presidente Lula (ver a foto!), oportunidade em que denunciou as perseguições de que as lideranças Tupinambá têm sido vítimas por parte da Polícia Federal no Sul da Bahia.
No dia seguinte, quando tentava retornar para sua aldeia, Glicéria – tendo ao colo o seu bebê de dois meses – foi detida ao descer do avião, ainda na pista de pouso do aeroporto de Ilhéus (BA). Após ser interrogada durante toda a tarde na sede da Polícia Federal em Ilhéus, Glicéria recebeu voz de prisão da delega Denise ao deixar as dependências do órgão. Segundo informações ainda não confirmadas, a prisão foi decretada pelo juiz Antonio Hygino, da Comarca de Buerarema (BA), sob a alegação de Glicéria ter participado no sequestro de um veículo de uma empresa que presta serviço de energia na região. Mãe e filho foram transferidos para um presídio na cidade de Jequié, distante cerca de 200 km de sua aldeia. A seguir, trechos do relato de uma visita do assessor do Cimi, Saulo Ferreira Feitosa, aos irmãos de Glicéria, Babau e Givaldo, na prisão de segurança máxima no sertão do Rio Grande do Norte.

Criminalização de lideranças indígenas Babau na prisão de segurança máxima

Na madrugada da quarta-feira (10.3.2010), cinco policiais federais, fortemente armados, arrombaram a casa de Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau, na comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro. Segundo seus familiares, no momento de sua prisão, Babau foi violentamente agredido e ameaçado de morte, na presença de sua esposa e do filho de 3 anos. A ação da PF aconteceu por volta das 2h40 da madrugada, no entanto os agentes só chegaram com Babau à delegacia de Ilhéus entre 6h30 e 7 horas da manhã.
Desde que a FUNAI iniciou o processo de demarcação da Terra Tupinambá as fazendas invasoras daquele território passaram a contratar pistoleiros e iniciaram campanhas difamatórias nas rádios e jornais locais, incitando a população regional contra os índios. Como consequência da disputa pela posse da terra os Tupinambá respondem a uma série de inquéritos e processos criminais patrocinados pela Polícia Federal, numa estratégia clara de criminalização de sua luta legítima em defesa de seu território tradicional. Em decorrência dessa ofensiva de criminalização já estão presos os indígenas Rosivaldo e seu irmão Givaldo e sua irmã Glicéria, além do bebê Erúthawâ, filho de Gicéria, com apenas dois meses de idade. Estranhamente nenhum fazendeiro ou pistoleiro foram processados pelas violências cometidas.

Criminalização de lideranças indígenas Babau na prisão de segurança máxima

Saudade de Pedro Yamaguchi Ferreira

Pedro, pedra de Davi,

missionário, testemunha,

maracá do Reino,

veleiro do Rio Negro

onde paz e tempestade

te abraçaram.


Sinal de solidariedade,

memória do cárcere,

dos injustiçados, furacão,

sino de esperança;

desde o mundo indígena

badalando indignação.


Pequeno irmão dos pobres,

apareceste entre os humanos

em tempo de vacas magras;

sonhaste vinho para todos

e pão consagrado, repartido -

como tua vida.


Posseiro do tempo,

romeiro sem lar;

trocaste a carreira de advogado

pela caminhada do peregrino,

o grito pela canção -

Quixote e Macunaíma.

Pedro, pedra preciosa,

raiz com asas;

na luta pela justiça

te fizestes pedra-caminho,

agitação divina,

dom, presente, Eucaristia.


Autor: Paulo Suess

PEDRO, ADVOGADO E MISSIONÁRIO (*11.03.1983 São Paulo +01.06.2010)

Trechos da Carta Circular de D. Edson Damian, Bispo de S. Gabriel da Cachoeira-AM
Pedro Fukuyei Yamaguchi Ferreira, 27 anos, filho de Paulo Teixeira Ferreira, deputado federal pelo PT-SP e da advogada Alice Yamaguchi Ferreira, chegou em São Gabriel da Cachoeira no dia 2 de março. [...] Veio trabalhar como assessor jurídico da diocese e servir aos Povos Indígenas que representam mais de 95% da população. No dia 1 de junho, perto do meio dia, Pedro foi banhar-se no Rio Negro e foi arrastado pela correnteza. Seu corpo foi encontrado 48hs depois em Tapereira, a mais de 40 quilômetros de São Gabriel. Morte trágica, inesperada, prematura. [...]
Quem era o Pedro? Recebeu o nome em homenagem a Dom Pedro Casaldáliga. Seus pais são membros da Fraternidade Secular de Charles de Foucuald, militantes nos movimentos sociais. Formou-se em direito pela PUC de São Paulo. Estagiou em grandes escritórios de advocacia, mas encontrou-se realmente durante os três anos em que atuou como assessor jurídico da Pastoral Carcerária.
Pedro era baixo. Os olhinhos japoneses, herança da mãe, o tornavam parecido com os Povos Indígenas. Como os índios das vinte e três etnias do Rio Negro se consideram parentes, Pedro já tinha sido adotado como parente deles. [...] No dia em que chegou em São Gabriel, no fim da tarde, viu um jogo de futebol atrás da escola, ao lado da casa do bispo. Vestiu sua roupa de esporte e dirigiu-se para lá. Logo foi convidado para entrar no jogo. Como perceberam que jogava bem o contrataram para jogar no time da Vila Boa Esperança.
No dia seguinte acompanhei-o na visita à cadeia. Passou a tarde conversando com cada presidiário. À noite relatou-me suas preocupações. Encontrou chefes de família retidos há muito tempo e o último júri popular havia acontecido há mais de cinco anos. Além disso, havia jovens envolvidos em pequenos delitos e uso de drogas. Não demorou para encontrar uma solução. Em comum acordo com a juíza sugeriu que cinco deles fossem contratados para trabalhar na reforma da cúria, iniciada há poucos dias. A proposta foi aceita. E dos cinco jovens, apenas um desistiu. Pedro foi a sua procura até encontrá-lo e motivá-lo para ingressar na Fazenda da Esperança.
Ele mesmo, em carta dirigida aos amigos, descreve o seu dia a dia: “[...] Tenho feito semanalmente visita ao presídio. Isso tem me possibilitado estender as visitas aos familiares e assim conheço a realidade da vida deles, um pouco da cultura e também a miséria que atinge a cidade, sobretudo aqueles que vêm das comunidades do interior [...]”.
Bastam estas palavras para perceber as lutas e os sonhos do Pedro. Ele ficava indignado quando ficava sabendo que advogados cobravam verdadeiras fortunas para defender pequenas causas. E as famílias pobres deviam desfazer-se da casa, do terreno, e outros bens indispensáveis para sobreviver [...].
A mãe Alice, após a Missa na Catedral de S. Paulo, ainda arrancou forças para dar este testemunho: “Quando soube que o Pedro tinha desaparecido no Rio Negro tive a sensação de que não resistiria diante de tamanha dor. Mas, na medida em que fui recebendo visitas, telefonemas, abraços de tantas pessoas amigas foi me reanimando e consolando. Percebi que meu filho era amado e tinha ajudado a muitas pessoas. Além disso, quem sou eu para me revoltar contra Deus? [...] Meu filho morreu feliz no meio do rio, da floresta, entre os Povos Indígenas.” [...]
Passei o dia 6 de junho com a família do Pedro em sua residência. Paulo e Alice, Caio, Ana, Manuela, Laís e Júlia. Entre lágrimas e risos, olhamos fotos, vimos imagens, escutamos canções que recordavam o Pedro, Pedrinho, Pedrão. Fizemos a memória da passagem meteórica do Pedro que soube amar e servir as pessoas e as grandes causas precursoras de “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21). [...]
Pedro testemunhou que a vida não é um capital para ser acumulado, mas um dom de Deus para ser partilhado. [...]

Despejo de comunidade Terena

Egon Heck, nosso reporter do front do MS, nos relata o despejo da comunidade Terena "Futuro das Crianças", do dia 17 de maio 2010. Estávamos nós, o pessoal do Cimi do regional MS, em encontro regional. De repente Rogério, nosso assessor jurídico, recebe chamada da aldeia Terena "Futuro das Crianças", Terra Indígena Cachoeirinha. A polícia está indo para aí. Inquietação geral. Continuam os telefonemas. "Já chegaram. São muitos. Viaturas, ônibus, cães, armas, escudos... Estamos reunidos, não vamos sair", avisam os índios. A essa altura a reunião já tinha ido às cucuias. Os telefonemas da área foram se multiplicando. "Estamos dialogando. Começou o confronto. Estão atirando contra nossa gente. Estão atirando bombas, um cheiro horrível!" "Molhem as camisas e coloquem sobre a boca e o nariz", sugere nosso assessor, a essa altura mais que jurídico. "Tem gente ferida. Estão avançando sobre as casas". "Calma", sugeríamos aqui do outro lado. "Estamos recuando, não queremos mortes, feridos... Só nos resta recuar". Alívio tenso. Momentâneo. "O que poderá ainda acontecer? Estão derrubando as casas. Estão destruindo nossa plantação". A força bruta (e põem bruta nisso!) da prepotência das armas e do poder pucinelli, impuseram a desocupação. Muitas lágrimas foram derramadas. Mas o povo Terena não foi derrotado. No dia seguinte, reunidos na aldeia Mãe Terra, relembram o que parece ter sido apenas um pesadelo. Mais lágrimas. Desta vez também partilhadas pela dúzia de membros do Cimi que lá fomos levar apoio e solidariedade. Comida, lona, mas principalmente nossa irrestrita solidariedade na luta pela terra, vida e dignidade de uma comunidade, que continua. O futuro será das crianças, da terra a semente regada com lágrimas, fará florescer a mesma terra donde acabaram de ser expulsos.

A Bandeira do Divino


Os devotos do Divino vão abrir sua morada
p´ra bandeira do menino ser bem-vinda, ser louvada.

Deus nos salve esse devoto pela esmola em vosso nome
dando água a quem tem sede, dando pão a quem tem fome.

A bandeira acredita que a semente seja tanta,
que essa mesa seja farta, que essa casa seja santa.

Que o perdão seja sagrado que a fé seja infinita,
que o homem seja livre, que a justiça sobreviva.

Assim como os três reis magos que seguiram a estrela guia,
a Bandeira segue em frente atrás de melhores dias.

No estandarte vai escrito que ele voltará de novo,
que o rei será bendito - ele nascerá do povo.
(V. Martins/I. Lins)

Sejamos testemunhas vivas de esperança pascal neste mundo de egoísmo

No domingo, 16 de maio, em passagem por Goiânia, dom Pedro Casaldáliga brindou velhos amigos com um encontro de vida e esperança. Uma celebração eucarística foi realizada, simples e verdadeira. Dom Pedro começou a homilia com palavras de esperança ressaltando: "A esperança está nos detalhes, nos pequenos detalhes... porque a vida é feita de detalhes e a morte é o último deles". Cada pessoa presente relatou, de modo simples, o que é a esperança e de que modo ela surge na sociedade. Em meio às lutas dos povos indígenas, nas caminhadas dos movimentos, no trabalho de cada um. Para Pedro, a esperança deve ser feita de fé e prática, e não deve ser apenas o ato de esperar. "Sejamos testemunhas vivas de esperança pascal neste mundo de egoísmo", pediu aos amigos. Para cada um que visitou figura tão importante das lutas sociais - um verdadeiro exemplo de coerência de vida - escutar as palavras de dom Pedro foi um verdadeiro sopro do Espírito Santo.

A questão da terra e a Igreja Católica no Brasil

Para as centenas de povos indígenas que ocupavam a Pindorama, a terra das Palmeiras, seja a terra, sejam as águas vindas da terra por fontes, mares e rios ou caídas do céu por chuvas e orvalho, sejam as matas ou sementes, plantas e tubérculos, sejam os animais e pássaros estavam carregados de um sentido sagrado: escondiam e revelavam o mistério da divindade. A terra era sagrada, fonte de vida e alimentação, lugar de comunhão com as forças da natureza e por último com o próprio criador, pai e mãe de todas as coisas e também dos humanos. Abrigava também os espíritos maus que traziam doenças e a morte. Se não tinham senso de propriedade privada, pela forma familiar e comunitária de vida e trabalho, demarcavam e defendiam e seu território de caça, pesca, coleta ou plantio, como garantia de sobrevivência da tribo.
Hospede convidado ao blog: José Oscar Beozzo

A memória não prescreve: na PUC-SP, lideranças Guarani Kaiowá denunciam violência (assista: "Terra negada violencia ampliada")

No dia 7 de maio 2010, representantes Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul estiveram na PUC-SP para denunciar a violência contra seu povo e pedir apoio. Com os incentivos ao agronegócio, a violência no Mato Grosso do Sul aumenta a cada dia. Em 2006 foram mortos 28 indígenas naquele Estado, em 2007, 53 indígenas, e em 2008 42 pessoas. A Reserva Indígena de Dourados, MS, por exemplo, melhor seria chamada de “Confinamento Indígena”: em 3 mil hectares de terra foram confinados 18 mil indígenas. Os espaços ínfimos de terras habitadas pelos índios contrastam com as terras disponibilizadas para o plantio da cana-de-açúcar. Uma usina de açúcar ocupa, no mínimo, uma área de 30 mil hectares. Na safra 2008/9, a ETH Bioenergia, braço energético do Grupo Odebrecht, produziu 200 milhões de litros de etanol e 130 mil toneladas de açúcar. Em 2009, a ETH inaugurou três usinas, nos estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul. A meta da ETH é produzir 470 milhões de litros de etanol e 160 mil toneladas de açúcar na safra 2009/10. “Nossa aposta é que o Centro-Oeste (GO, MT, MS) será a região de vocação natural para a expansão da cana-de-açúcar”, declarou José Carlos Grubisich, presidente da ETH Bioenergia. A expansão do agronegócio configura a violência contra os povos indígenas da região.
Na semana em que as lideranças indígenas estiveram em São Paulo, iniciou-se o julgamento dos acusados do assassinato do cacique Marcos Verón (72), que ocorreu em janeiro de 2003, em Juti, MS. Por não haver isenção nos julgamentos envolvendo indígenas naquele estado, o Ministério Público Federal pediu que o processo fosse julgado na capital paulista. No segundo dia, o julgamento foi transferido para o dia 21 de fevereiro 2011, confirmando o dito de uma das advogadas dos Guarani Kaiowá: “Se os índios são réus, os processos andam com certa rapidez, se os índios são vítimas, os processos são engavetados ou prescrevem pela morosidade da justiça”.
Valdelice Veron, filha do cacique assassinado, perguntou a plateia num depoimento comovente naquela noite no pátio do Museu da Cultura da PUC-SP: “Que história vou contar para meus filhos? Meu bisavô e meu avô foram assassinados pela “Matte Laranjeira”, meu pai foi assassinado pelos jagunços do latifúndio. Rolindo e Genivaldo, meus colegas professores, foram assassinados este ano. Tudo permanece impune até a prescrição do processo. Isso não é normal. Meu coração sangra muito. Pra quem a gente vai clamar? De nós esperam que deixemos de ser índios. Mas nós não vamos deixar de ser índios. Onde um cai, outro se levanta!”
Autor: Paulo Suess, presente no dia 07.10.2010 na PUC-SP





Semelhanças, diferenças, alianças: Religião na Europa e América Latina a partir de um plebiscito suíço sobre a construção de minaretes

A Suíça é famosa pelo sigilo de seus bancos e pela precisão de seus relógios. Recentemente, esse país, com seus 7,7 milhões de habitantes, chamou a atenção mundial não por causa de um escândalo bancário ou por causa do atraso de um de seus relógicos, mas por causa de um plebiscito sobre a construção de minaretes (29.11.2009). O minarete é a torre de uma mesquita de onde os muezins chamam os fiéis muçulmanos para a oração. A grande maioria dos cerca de 350 mil muçulmanos suíços são migrantes da antiga Iugoslávia e da Turquia. De mais de 100 mesquitas naquele país, apenas quatro têm minarete – 57,5% dos eleitores, votaram pela proibição da construção de outros minaretes. Pesquisas de opinião mostraram que também em outros países europeus o resultado de uma consulta popular teria sido semelhante. Portanto, o que aconteceu na Suíça não representa um comportamento isolado. Ignorância e intolerância, que confundem o Islã com Al Qaeda e Talibã, se somaram ao medo de uma islamização do país, da perda da identidade cultural e da laicidade política. Por motivos diferentes, o governo suíço, o Vaticano, igrejas evangélicas e bispos católicos, setores da sociedade civil e de partidos políticos de esquerda se expressaram a favor da construção de novos minaretes. Em vão. As instituições políticas, religiosas e civis, com seus comunicados de opinião politicamente corretos, perderam o contato com o povo.
Autor: Paulo Suess
Postado: 01.05.2010

MIGRAÇÃO, IDENTIDADE, INTERCULTURAÇÃO: Teses e fragmentos para um discernimento teológico-pastoral

A migração é atravessada por todas as questões cadentes da nossa civilização. Temas como territorialidade, urbanização, agronegócio, modelo de desenvolvimento, trabalho, sociedade de classe, identidade são como fios que formam um nó quase impossível de se desfazer. Para este texto, construído em forma de teses, foi proposto fazer um corte pela identidade e a interculturalidade, a partir do campo teológico-pastoral. Mesmo assim, no pedregulho da migração, todas as pás que procuram cavar fundo entortam. O resultado parece já estar pronto antes de se escrever a primeira linha, e aponta para duas opções: acabar com a migração ou acompanhá-la. O resultado, aparentemente impossível, questiona o sedentarismo eclesial e o estatuto sistêmico da prática pastoral.
Leia mais:
Autor: Paulo Suess

AMERÍNDIA EM APARECIDA: A PARTICIPAÇÃO DOS TEÓLOGOS DA LIBERTAÇÃO

Pode ser que “o olhar distanciado” do antropólogo seja mais objetivo do que o olhar do militante por uma causa e do participante de um evento. A proximidade local, a paixão instantânea e a lealdade com o próprio grupo tendem a enfraquecer a capacidade analítica. Também a sigla “Teologia da Libertação”, há tempo banida de documentos oficiais da Igreja, pode impor cuidados especiais na descrição da participação de “Teólogos da Libertação” num evento eclesial, como foi a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em maio de 2007 em Aparecida.
(Foto: tenda dos mártires, Aparecida do Norte, SP, Maio 2007)
Autor: Paulo Suess

"Nascer já é caminhar!": Aparecida confirma a caminhada da pastoral indígena

O enfoque da causa indígena sobre “Evento e Documento Aparecida” (EDA) não capta toda sua riqueza e complexidade. A visão da realidade (33-115), a opção pelos pobres (143, 405-413), os poucos mas decisivos parágrafos sobre as Comunidades Eclesiais de Base (193-195, 295d), o enfoque da questão da biodiversidade e da ecologia (83-87, 141s, 493c), o fio condutor do seguimento dos discípulos-missionários, a transversalidade da missão e alguns silêncios oferecem ainda muitos outros aspectos e desdobramentos que fazem do EDA um tapete colorido e político-pastoral de grande importância para as igrejas locais do continente.Leia mais: http://www.missiologia.org.br/cms/UserFiles/cms_artigos_pdf_17.pdf

Do Brasil de batizados ao Brasil de discípulos missionários

Hoje, a missão voltou ao coração da Igreja e ao centro da teologia. Tornou-se o paradigma-síntese de Aparecida. Agora depende muito da leitura que facemos do Documento de Aparecida, para que a missão não se torne apenas um serviço de bombeiros com objetivo de recuperar perdas numéricas. O paradigma pós-Aparecida da missão, resgatado da ideologia de colonização, do exclusivismo salvífico e do fundamentalismo legalista, deve nos ajudar a conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações (GS 4) e deve nos capacitar “a transformar o mundo” (DA 290).
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Para um novo paradigma da Missão no atual contexto de América Latina e Caribe: com Aparecida além de Aparecida

Para responder aos desafios no atual contexto de América Latina e Caribe, o paradigma da missão insiste na validade do mandato missionário e na relevância de suas profundas inspirações. A mais-valia dessa relevância se configura como esperança.
Leia mais: http://www.missiologia.org.br/cms/UserFiles/cms_artigos_pdf_59.pdf

O dom da pesca

O quarto Evangelho começa com um prólogo (“No princípio era o Verbo...” Jo 1) e fecha com um epílogo (Jo 21), um relato enigmático em torno de uma terceira aparição de Jesus depois da Páscoa. O texto é um apêndice redacional. Não se encaixa numa seqüência linear, porém é muito interessante para uma leitura simbólica e existencial. O trecho Jo 21,1-14 é a primeira parte desse epílogo e procura responder à pergunta da comunidade: Como avançar e para que atravessar a história sem a presença de Jesus histórico? Atrás da pergunta está a memória de uma perda, o sentimento de uma orfandade, o esclarecimento de um mal-entendido, o desafio da esperança.