Parabéns, Dom Paulo!

Cidadão do mundo, cristão para o século XXI


Porta aberta, voltado para o mundo

Nesta manhã do dia 14 de setembro, festa da Exaltação da Santa Cruz, Dom Paulo Evaristo Arns celebrou solenemente seu 90º aniversário na sua atual residência junto às Irmãs Franciscanas da Ação Pastoral, em Taboão da Serra, SP. A Missa de ação de graças foi concelebrada por alguns bispos, padres e religiosos na presença de familiares e amigos e amigas da caminhada. Dom Paulo, no final da celebração Eucarística, tomou a palavra e agradeceu à presença de pessoas que naquele momento representavam toda a Igreja, dizendo que dividia seus 90 anos de existência em três etapas: a primeira, dedicada à sua vida em família; a segunda, vivida com os irmãos da Ordem dos Frades Menores; a terceira, como pastor e bispo da Arquidiocese de São Paulo.

Com a família franciscana
Dom Paulo dispensou homenagens que seriam organizadas para celebrar seus 90 anos de vida. Nascido em Forquilinha, em Santa Catarina, no ano de 1921, Dom Paulo foi ordenado padre em 1945. Após cursar letras na Universidade Sorbonne, na França, uma das mais renomadas da Europa, retornou ao Brasil e passou a atuar em Petrópolis (RJ), como professor de patrística durante dez anos. Consagrado bispo em 1966. Entre 1970 e 1998 foi arcebispo de São Paulo. A partir da década de 1970 ganhou projeção como defensor dos trabalhadores e, mais tarde, com a redemocratização do país. Logo se colocou como autoridade moral contra a violação de direitos humanos, com prisões arbitrárias e tortura, e deu respaldo para que grupos de resistência pudessem existir. Na periferia, D. Paulo incentivou a formação e o fortalecimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).


Presente de aniversário:
  Memórias da Comissão de Justiça e Paz

A sala da Cúria Metropolitana cedida por dom Paulo Evaristo Arns à Comissão Justiça e Paz rapidamente se transformou em ponto de peregrinação. Em tempos de repressão, eram raras as portas que se abriam aos refugiados.
 [A reportagem é de João Peres e Virginia Toledo e publicado pela Rede Brasil Atual, 10-09-2011.]

 

D. Paulo e Ivo Herzog,
filho de Vladimir Herzog
“Me lembro que começou sendo um dia por semana. Depois, passou a ser dois dias, três dias, no fim era todos os dias, de manhã e de tarde. Realmente a 'freguesia' era grande”, recorda Margarida Genevois, que integrou a comissão durante 25 anos. Em boa parte dos casos, o que restava era dar proteção às vítimas de perseguição.

Mas logo dom Paulo, respeitado internacionalmente, montou uma rede de contatos no exterior que garantia a divulgação rápida de denúncias. “Os militares não queriam fazer figura feia, queriam parecer bonzinhos, então ficavam furiosos quando alguma coisa transpirava para o exterior”, pontua a socióloga.

Esta rede também passou a assegurar o financiamento de projetos. O pastor presbiteriano Jaime Wright, a jornalista inglesa Jan Rocha e o advogado Luís Eduardo Greenhalgh se deram conta de que o número de refugiados latino-americanos que chegavam à Cúria era cada vez maior, e decidiram montar o Clamor, um grupo para dar assistência e demonstrar que a América Latina estava unida na resistência às ditaduras que assolavam o continente.
Adeus, Dom Paulo!

Wright já era a essa altura um sujeito familiarizado à luta pelos direitos humanos. Entrou de cabeça no tema quando o irmão, Paulo, desapareceu nos porões da repressão. Conheceu dom Paulo e se transformou em grande aliado nesta missão, chegando a ser chamado por alguns de bispo auxiliar. “Nunca protestei, porque o auxílio dele era realmente de alguém que sabia vigiar – é esta a tradução de bispo – e, mais ainda, propor soluções, por mais custosas que nos parecessem”, anota o cardeal na autobiografia Da esperança à utopia.

O pastor presbiteriano começou, então, uma rotina de viagens à Suíça. Lá, encontrava-se com o amigo de infância Charles Harper, brasileiro, filho de norte-americanos, e agora membro do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que reúne as entidades protestantes. Voltava trazendo sob as roupas notas de dólares amarradas à cintura, que financiavam os trabalhos em São Paulo.

Com o tempo, as articulações regionais foram crescendo, e denúncias chegavam de todas as partes. Os refugiados eram arquivos vivos de informações sobre quem estava em risco, quem havia fugido, quem caíra sob a repressão, e acabavam por parar na sala da casa de Jaime Wright. “Eu não sabia muito a fundo a história deles, mas meu pai e minha mãe sempre foram muito hospitaleiros e solidários”, recorda Anita. Em 1978, o Clamor conseguiu a informação de que crianças uruguaias, filhas de pais mortos pela ditadura argentina, estavam vivendo no Chile.

Dom Paulo telefonou ao repórter Ricardo Carvalho e o escalou para a missão ao lado de Greenhalgh. Carvalho foi a Montevidéu, onde localizou as avós de Anatole e Vicky, contou sobre a localização e colheu algumas novas informações. Semanas depois, o grupo estava a caminho de Santiago, onde ocorreu um encontro emocionante para a avó e angustiante para a mãe adotiva, que não sabia do rapto das crianças pelos militares. No fim, a decisão foi por deixar os irmãos na companhia dos novos pais para evitar uma nova ruptura emocional que resultaria traumática. Foi assim que as Avós da Praça de Maio, velhas amigas de Wright, dom Paulo e Harper, fizeram a primeira recuperação do destino de seus netos. O grupo de senhoras, que se tornaria mítico com o passar dos anos, começou sob apoio de dom Paulo, e com dinheiro do CMI.

Nos anos seguintes, a parceria entre o Clamor e as Avós valeria algumas humilhações aos ditadores de plantão do outro lado da fronteira. O primeiro boletim do coletivo paulistano denunciava, em plena Copa do Mundo na Argentina, as graves violações de direitos humanos – em espanhol, português e inglês para facilitar a difusão pela imprensa estrangeira presente a Buenos Aires para a cobertura do evento.

Mais tarde, o cruzamento dos dados que chegavam a São Paulo por meio dos refugiados possibilitaria imprimir a primeira lista de desaparecidos do regime – os arquivos seriam utilizados pela Comissão Nacional de Desaparecidos Políticos (Conadep), criada logo após a redemocratização pelo presidente Raúl Alfonsín, e que chegaria a cifras assustadoras sobre o número de mortes. Na época, foram 9 mil as vítimas comprovadas, mas hoje se acredita que o número seja muito maior, de até 30 mil pessoas.

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