26 de agosto: Diego Irarrazaval no Largo São Francisco, São Paulo



As reflexões de Diego Irarrazaval “De baixo e de dentro” têm marcas de itinerário, experiência e testamento; itinerário que mostra muitas facetas e um longo caminhar da teologia latino-americana; experiência pastoral junto aos “de baixo e de dentro”; testamento de alguém que combateu em todas as estações de sua vida o bom combate em solidariedade com os povos indígenas e os pobres, em fidelidade ao Evangelho e lealdade com as instituições eclesiais que nem sempre facilitaram a sua vida. Diego escreve com grande serenidade, continua, porém, inquieto com o grito dos pobres e dos outros, e com a frieza de certas instâncias eclesiásticas que impedem que os “de baixo” sejam assumidos e reconhecidos como os “de dentro”, que de fato são.
O evento de Aparecida se pronunciou não só através da retomada da “opção pelos pobres” em favor dos “de baixo”, mas os declarou também como os “de dentro” quando insiste por duas vezes no documento final: A Igreja “é casa dos pobres” [DA 8; 524]. A pertença aos pobres faz parte de sua estrutura trinitária, já que ela é “Povo de Deus”, “Corpo do Senhor” e “Templo do Espírito Santo” (Lumen Gentium 17). Essa estrutura teológica tem uma incidência sobre as estruturas materiais e institucionais. Se o Espírito Santo é o “pai dos pobres”, como a Igreja o invoca na Sequência de Pentecostes, então certamente também seu templo é a casa dos pobres. Nesta lógica Aparecida espera “um novo Pentecostes, (...) uma vinda do Espírito que renove nossa alegria e nossa esperança” [DAp 362]. O Espírito Santo é Deus no gesto do Dom. Ele mostra a face de Deus através de gestos significativos de continuidade e ruptura, de despojamento e inovação. Na gratuidade e na unidade do Espírito Santo se manifesta a resistência contra a lógica dos sistemas que giram em torno do eixo “custo-benefício” e dividem a humanidade.
Na lógica do Reino, “os de baixo”, os que vivem do lado sombrio do mundo, são caminhos da verdade e porta da vida. As vítimas do anti-reino não são apenas os protagonistas e os destinatários do projeto de Deus; são lugar da epifania de Deus, por excelência. A questão social está estreitamente vinculada à questão da ortodoxia. Pecado significa indiferença diante da exploração dos pobres. No cristianismo, essa pobreza do próprio Deus tem muitos nomes: encarnação, cruz, ressurreição, eucaristia. “A pobreza é a verdadeira aparição divina da verdade.” Na proximidade aos pobres e aos outros, Diego fez por longos anos essa experiência da verdade. Por causa dessa convivência não precisa humilha-los dispensando idealizações compensatórias. Aponta para a fragilidade de sua situação e procura os fortalecer com os argumentos de muitos colegas teólogos com os quais está permanentemente em diálogo. Seu livro enfoca um feixe de questões que perpassam a identidade (1), as culturas dos pobres e dos outros (5), a interação cultural (2) e a inculturação (2; 7), a religiosidade popular e oficial (3, 4, 6). Em seu último capítulo (8) propõe leituras especificamente latino-americanas dessa realidade complexa, tarefa difícil nesse momento eclesial em que muitos procuram “soluções” compactas e claras que marcam limites, separação e condições de pertença.
Ao avançar na construção teológica de uma “Igreja Casa dos Pobres”, Diego sabe que existe ainda muito entulho colonial que deve ser afastado. Por isso questiona a herança normativa da cristandade ainda presentes na América Latina, propõe novas leituras interculturais e fornece argumentos valiosos para a prática do protagonismo dos pobres e dos outros não só na sociedade, mas também na Igreja.
Paulo Suess, Prefácio

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