O "Massacre da Sé" de São Paulo

Notícias do Povo da Rua
Rede Rua de Comunicação -
Ano XXII - 2014 - Nº 227




Desde 2011, o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos (CNDDH) registrou 860 homicídios e 1.012 tentativas de homicídio contra a população de rua em todo o país. O CNDDH entretanto assegura que o número é subestimado, uma vez que não existe um método que registre tais crimes e ofereça informação fidedigna a respeito.

(Fonte: O Trecheiro, 01.08.2014)

Rose Barboza:

10 anos, o massacre que não termina

Há 10 anos ocorria, em São Paulo, o “Massacre da Sé”. Em quatro dias, 15 pessoas foram brutalmente espancadas, sete das quais morreram. Desde então, esse massacre tem estado no centro dos debates das políticas de vida e morte de quem vive nas ruas. A data de início dos ataques – 19 de agosto –, foi escolhida para celebração do Dia Nacional de Luta da População de Rua, que, anualmente, reivindica não só a memória desse episódio brutal, mas continua a exigir que a justiça seja feita e os culpados condenados.
 

A sociedade que testemunhou com horror e indignação a brutalidade de tais crimes se mostra mais intolerante 10 anos depois. Mesmo contabilizando algumas conquistas após muita luta e mobilização, as desigualdades estruturais no Brasil e, no mundo, são cada vez mais profundas e permanentes.
De lá para cá

 É certo que de 2004 para cá, algumas conquistas no enfrentamento à violência contra a população de rua ocorreram, como a organização do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), o Decreto 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional para o segmento e a criação de comitês estaduais e municipais e nacional de acompanhamento e implementação de políticas públicas para a população em situação de rua, em várias cidades do país. Em abril de 2011, foi inaugurado o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH), que coleta e acompanha denúncias de violações de direitos. O CNDDH está localizado, em Belo Horizonte, e tem núcleos em sete estados.
 

Higienização e o Mundial de Futebol da Fifa

Além dos homicídios com arma de fogo, gasolina e pedradas, chamam a atenção as denúncias sobre o processo de higienização das cidades, processo agravado pelo mundial de futebol da FIFA em 2014: “Um dos casos mais preocupantes foi a denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de que a prefeitura da cidade removeu das ruas, compulsoriamente, 669 pessoas, forçando-as a permanecer em um albergue sem as mínimas condições, para ‘limpar a cidade’ durante o Mundial. Além do Rio de Janeiro, Vitória e São Paulo enviaram denúncias da limpeza social que antecedeu a Copa do Mundo no país”, afirma Karina Vieira, coordenadora do CNDDH.

 Violência estrutural e higienização


Chamamos de violência estrutural aquela que se mistura ao cimento das paredes que colocam em pé nossa sociedade. Para muitas pessoas que vivem em situação de rua até mesmo pequenas escolhas do dia a dia, como encontrar um lugar para tomar banho, urinar ou comer são limitadas. Quando uma pessoa tem sua liberdade individual e necessidades básicas de sobre vivência reguladas por leis e regras – que se aplicam de forma seletiva, criminalizando alguns segmentos da sociedade e outros não –, estamos diante de casos de violência estrutural, que reduzem a dignidade das pessoas enquanto as submetem à segregação.

As ameaças constantes, “sutis ou não tão sutis”, de violência física – que pode partir de agentes públicos e/ou de seguranças privados – formam uma lista interminável e legitimam os processos de limpeza social e de expulsão dos centros da cidade.

O ciclo de violência estrutural, colocado em marcha pelas desigualdades econômicas, raciais e de gênero, também escondem as causas reais da situação de rua e, a própria população de rua é julgada culpada pela condição na qual se encontra. O caminho aberto por essa violência é lucrativo para alguns e enche os bolsos de especuladores, que ganham com a chamada “limpeza social” e muitas vezes, triplicam os preços de imóveis em regiões “higienizadas”.


Sem Habitação, Trabalho, Saúde e Educação é mais fácil vender para toda a sociedade as remoções e “limpezas urbanas”, como políticas necessárias. É nesse ponto em que a violência estrutural se perpetua em massacres cotidianos, inexplicáveis e brutais.

Desde abril de 2011, o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos (CNDDH) registrou 860 homicídios e 1.012 tentativas de homicídio contra a população de rua em todo o país. O CNDDH entretanto assegura que o número é subestimado, uma vez que não existe um método que registre tais crimes e ofereça informação fidedigna a respeito.

(Fonte: O Trecheiro, 01.08.2014)

2 comentários:

  1. Impactante a exposição clara, objetiva, verdadeira e contundente do jovem Pablo Neri, de Paraopebas, denunciando a realidade das populações vulneráveis, à merce dos grandes empreendimentos, no caso a Cia. Vale de mineração, impedindo que os habitantes vizinhos às suas obras - constituindo comunidades rurais, urbanas, indígenas, quilombolas.... consigam viver com dignidade, e seus direitos respeitados - visto que a simples presença desses moradores significam obstáculo aos objetivos expansionistas da referida empresa.
    Vergonhosa a atitude da Vale em relação às populações do entorno!
    Cabe um boicote aos interesses da empresa e ação exemplar do MINISTÉRIO PÚBLICO, na fiscalização dos excessos!

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  2. Quanto à violência estrutural e higienização, é um escândalo a impunidade dos agressores ao povo de rua e, especialmente, a omissão dos operadores dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, das entidades de defesa dos Direitos Humanos e das ONGs, além das tradicionais OAB, ABI e congêneres....Onde estão os defensores da Lei, da Justiça, da Dignidade dos seres humanos?

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