Passagem do ano
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade, Memorial Copacabana, Rio de Janeiro |
O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres
te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papeis,
farás viagens e tantas celebrações de aniversário,
formatura, promoção, glória,
doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos do lobo, na solidão.
Irreparáveis uivos do lobo, na favela do Moinho/SP |
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Cadeirantes na corrida de S. Silvestre, São Paulo, 31.12.2011 |
Merecestes viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou,
outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de corpo na mão esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar,
o recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia
todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
[In: A rosa do povo (1945)]
Feliz Ano Novo - Paz e Bem |
"Para sonhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre." (Carlos Drummond de Andrade)
Nenhum comentário:
Postar um comentário