No início do Advento, dia 3 de dezembro, a Igreja Católica celebra anualmente o aniversário de falecimento e ressurreição de São Francisco Xavier (7.4.1506-3.12.1552). O Advento aponta, como a vida de Francisco Xavier, para a permanente tarefa de “abrir portas” para dentro e para fora do mundo, da Igreja e da vida de cada um. Este ano faz 459 anos que Francisco Xavier que abriu portas para o cristianismo na Índia, na Indonésia e no Japão, faleceu, com 46 anos, na pequena ilha de Sancian, prestes para abrir a porta da China.
Impressiona na vida de Francisco Xavier a extensão de suas viagens (ver Mapa) em função da prioridade da Companhia de Jesus de salvar almas. Francisco não era predestinado para essa tarefa. Sua carreira eclesiástica deveria terminar na diocese de Pamplona, não na China. Mas, Inácio de Loyola, seu companheiro de quarto na Sorbona, preparou essa “massa duríssima” que era Francisco, para uma causa maior. No dia 15 de agosto de 1534, Inácio e Francisco fizeram com mais cinco companheiros seus votos no Montmarte de Paris. Reestruturaram sua vida e escaparam das pequenas gaiolas familiares e das carreiras previsíveis. Em 1540, fundaram a Companhia de Jesus. O resto era fidelidade vivida no interior de uma estrutura quase militar, com flexibilidade pastoral e horizonte universal. Do banco de reserva, substituindo o missionário enfermo, Nicolas Bobadilla, Francisco Xavier foi chamado para se tornar titular da missão das Índias orientais, provincial da Ásia e, desde 1927, padroeiro das missões da Igreja Católica.
Basco de Navarra, 10 anos estudante em Paris, peregrino em Roma, Francisco Xavier – um global player do seu tempo - tornou-se missionário da Índia e Malaysia, da Indonésia e do Japão, tudo em apenas 11 anos. Quando descobriu que a chave para a conversão do Japão estaria na cultura da China, preparou-se para ir à China.
“Um mundo não é sufuciente para nós” estava escrito numa pintura do século 17 que mostra Manuel da Nóbrega, em 1549, velejando à terra brasilis. Para abraçar estes mundos novos precisava mais braços. Numa carta programática, de 15 de janeiro 1544, Francisco escreveu aos seus companheiros em Roma: “Muitas vezes penso ir aos seminários e universidades destas partes, particularmente, à universidade da Paris e gritar na Sorbona, como um louco, aos que têm mais estudos teóricos que vontade prática: ‘Quantas almas deixam de ir à glória e vão para o inferno por causa da negligência de vocês!’ (...) Temo que muitos que estudam em universidades, estudam mais para que com as letras alcancem títulos, benefícios, bispados (...).”
Itinerários de Francisco Xavier |
Francisco Xavier é o missionário das melhores intenções e dos maiores esforços. Como Inácio de Loyola e Francisco de Assis, rompeu com o conforto herdado ou prometido pela família e assumiu pobreza e austeridade. A prova maior da ortodoxia cristã está na pobreza de Deus que substitui as palavras pela Palavra que se fez carne, Palavra que revela e esconde. A ortodoxia cristã se reveste não de eficácia, nem de obras quantificáveis, mas de sinais de pobreza do próprio Deus: encarnação, cruz e eucaristia. E a pobreza não é algo abstrato. Ela tem “personalidade” e “subjetividade”. Lugares da epifania de Deus são os crucificados da história. Neles, a Igreja reconhece “a imagem de seu Fundador pobre e sofredor” (Lumen gentium 8c). O diálogo inter-religioso dos pobres pode gerar uma nova resistência não contra os ídolos que Francisco Xavier identificou, mas contra os ídolos e demônios que desprezam a natureza como um dom para todos e o ser humano como imagem de Deus.
Francisco Xavier nunca rompeu com o sistema colonial e com o exclusivismo salvífico de seu tempo. O zelo e a abnegação pela salvação do outro eram extraordinários. Temos o direito de pedir mais do que essa coerência? Talvez não dele, mas, sim, de nós. Isso significa não somente comemorar os 459 anos de sua morte, mas apropriar-se de sua herança num novo rito de iniciação à causa do outro e à construção de um mundo novo. Advento, conversão, início.
Paulo Suess
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