Por uma indignação histórica
Catadoras de lixo |
A “conversão pastoral”, proposta por Aparecida (DAp 365ss), não aconteceu. Tudo como dantes, no quartel de Abrantes. Estamos patinando, enquanto a juventude mundial está gritando: “chega”! Após uma década do surgimento dos movimentos de Seattle (1999) e Porto Alegre (2001), o movimento dos que pensam que outro mundo é possível irrompe novamente nas praças do mundo: Primavera Árabe, desde Egito, os indignados, desde Espanha, os ocupantes da Wall Street de New York, os protesto dos estudantes no Chile.
Amigos meus, que se queixaram sobre a ausência significativa de cristãos no movimento dos indignados de Madrid, agora começam a contentar-se com o movimento de cristãos, na França, ainda timidamente articulando sua indignação com as estruturas políticas e eclesiais concretas, e com um ecumenismo de baixa densidade. A pergunta essencial, porém, que o movimento se faz é aquela mesma pergunta de Lenin: “O que podemos fazer?” A seguir trechos de seu “Manifesto” que se encontra republicado na íntegra no sitio IHU e traduzido por Moisés Sbardelotto.
O nosso primeiro ato de engajamento consiste
em tomar a palavra.
Associamos a nossa voz à de todos aqueles que denunciam há muito tempo o sistema econômico neoliberal que rege economias e sociedades há cerca de 30 anos. Discípulos de Cristo, não temos medo de expressar a nossa revolta contra uma ordem profundamente antievangélica, cujas consequências desastrosas não podem mais ser contestadas.[...]
A fila do SUS |
Herdeiros de um humanismo bimilenar que enraíza toda a nossa tradição social e política em uma concepção muito elevada da pessoa humana, podemos ignorar por mais tempo que o materialismo assumido e agressivo, sob cujo regime vivemos, reflete uma imagem deformada e brutalizada da nossa humanidade? [...]
O paradigma liberal não somente não funciona, mas é indigno do ser humano. É nossa responsabilidade como cristãos afirmar isso e propor outro modelo conforme as exigências do Evangelho. [...]
O que podemos fazer?
1. Sobretudo, converter o nosso olhar sobre o mundo que nos rodeia. Devemos fazer a constatação de que não podemos mais continuar vivendo como fazemos, nem ignorar que o paradigma liberal sobre o qual as nossas vidas são construídas não é duradouro e leva a humanidade à sua ruína. Devemos compreender que tudo está conectado e que não há uma única crise: ela é ao mesmo tempo financeira, econômica, ecológica, política, moral e espiritual. É a crise de uma humanidade que perdeu seu caminho e simplesmente comprometeu as suas chances de sobrevivência, tendo esquecido “as razões” do viver.
Indignados com satanás |
2. Uma vez iniciada essa conversão, é preciso que mudemos o nosso estilo de vida cotidiana, vivendo pessoalmente e promovendo em torno a nós uma ecologia completa e plenamente humana. Pensamos, com efeito, que refundar as nossas sociedades passa, sobretudo pela adoção de um modo de vida simples e respeitoso ao nosso ambiente social e natural. Mudar de vida significa renunciar com firmeza às lógicas de "crescimento", de monopólio e de consumo sem discernimento que caracterizam o modo de vida ocidental e optar, em nome do ideal de vida cristão, por levar uma existência sóbria e alegre centrada no essencial. [...]
3. Por fim, em uma escala maior, devemos participar ativamente da promoção de tudo o que, ao nosso redor, orienta os seres humanos a um futuro novo! Digamo-lo diretamente: empresas à medida do ser humano preocupadas com o seu enraizamento na sociedade; trocas econômicas livres, mas subordinadas a regras de solidariedade imperativas e desimpedidas dos artifícios das finanças desmaterializadas; um modo de vida sóbrio, próximo da natureza, dos seus ritmos e dos limites que ela nos impõe e que, sem ter medo de nos repetir, volta definitivamente as costas ao modelo consumista; todas as iniciativas políticas que tendam a fazer viver uma concepção nova do bem comum, entendido em uma acepção universal, capaz de abraçar o destino dos povos próximos ou distantes que sofrerão, direta ou indiretamente, as escolhas que fazemos para nós mesmos. [...]
Assim, poderemos escancarar as nossas janelas para o mundo com confiança e generosidade, ouvir o apelo à justiça que ressoa de um lado ao outro da nossa terra e deixar agir em nós que o Espírito do dom que espera o nosso engajamento para se manifestar.”
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