Um mês após assassinato de indígena no MA, madeireiros não foram intimados e voltam a invadir território Ka’apor



  Far West à maranhense 

Carolina Fasolo
A fonte integral da notícia é do sitio do Cimi

        O agente indígena de saneamento Eusébio Ka’apor, 42 anos, da aldeia Xiborendá, da Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, foi assassinado no domingo (26.04.2015) com um tiro nas costas. Ele voltava da aldeia Jumu'e Ha Renda Keruhu, na garupa de uma motocicleta conduzida pelo seu primo. Os indígenas seguiam o caminho de casa, cruzando os povoados que cercam a Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão. "Tava chovendo muito, quase escuro", relembra o primo. Ao ouvir os gritos de dois pistoleiros encapuzados, ele resolveu acelerar. A moto percorreu cerca de 80 metros, até que Eusébio caiu. “Tá doendo”, foram algumas das últimas palavras de Eusébio. Ainda vivo, foi carregado até um povoado próximo. Na na aldeia Ximborendá pediram socorro. Conseguiram um caminhão e correram para o hospital no município de Zé Doca. Alguns quilômetros antes de chegar na cidade, o Eusébio faleceu.

Eusébio, Ka´apor, defensor de seu povo

        De acordo com indígenas que pediram pra não serem identificados, os responsáveis pelo crime são madeireiros do município de Centro do Guilherme, que mataram Eusébio devido às ações de autofiscalização e vigilância territorial iniciadas em 2013 pelos Ka’apor, que culminaram, em março deste ano, no fechamento de todos os ramais de invasão madeireira da Terra Indígena Alto Turiaçu. Eusébio era um líder importante no combate à exploração ilegal de madeira na Terra Indígena (TI) e membro do Conselho de Gestão Ka’apor.
        
     “O pessoal tá insistindo que tem a ver com madeira e eu insisto que não tem”, declarou o delegado da Polícia Federal Fabrízio Garbi sobre o assassinato da liderança Eusébio Ka’apor, no Maranhão. Após 30 dias da emboscada que vitimou o indígena de 46 anos, a Polícia Federal não abriu inquérito para investigar o assassinato e as crescentes ameaças contra outras lideranças indígenas, responsáveis pela proibição da atividade madeireira dentro da Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu.



        Uma das lideranças Ka’apor encarregadas do Conselho de Gestão do povo - instância administrativa organizada pelos indígenas que monitora a educação, saúde e proteção territorial - relata que as intimidações e ameaças de morte são constantes e que madeireiros voltaram a desmatar a TI. “Estão invadindo tudo de novo, tão tirando madeira de duas áreas já, lucrando com nossa floresta. Eles viram que a gente tá fraco por causa da morte do Eusébio, com medo de morrer também”.

       
 O Ministério Público Federal (MPF) no estado havia requisitado a instauração do inquérito e realização de diligências à Polícia Federal no dia 4 de maio, “por entender, a princípio, que se trata de um evento a ser averiguado na esfera federal, ante o histórico de conflitos locais e a possível relação com disputas atinentes aos direitos indígenas”, disse o procurador Galtienio da Cruz Paulino, que realizou oitivas com cinco indígenas nas últimas duas semanas, mas ainda não intimou nenhum dos madeireiros citados nos depoimentos.

        A Fundação Nacional do Índio (Funai), questionada sobre as providências, declarou que enviou após o assassinato o coordenador Regional do órgão no estado “para realizar o diálogo com a comunidade indígena, colher informações e explicar os procedimentos investigatórios de competência dos órgãos de segurança pública”. Disse ainda que acionou o Departamento de Polícia Federal no Maranhão.

        O delegado Fabrízio Garbi, que atua no combate ao crime organizado na PF, afirmou que nos ofícios recebidos da Funai, onde consta o depoimento de um funcionário do órgão ao delegado José Henrique, da Polícia Civil no município de Zé Doca, “não se constatou nada que tem relação com a comunidade ou com a exploração madeireira. Trata-se de uma tentativa de roubo. O funcionário tomou declarações da testemunha do assassinato no dia 27 e foi ouvido no dia 28 na Policia Civil”.


        Os indígenas acreditam que há uma confluência entre Funai, Polícia Federal e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para afastar qualquer ligação do crime com a exploração madeireira dentro da Terra Indígena Alto Turiaçu, e que isto se daria devido ao processo que condenou esses órgãos, em janeiro de 2014, à implantação de postos de fiscalização nas TIs Alto Turiaçu, Awá Guajá e Caru. “Como já sofreram essa condenação da Justiça Federal e não cumpriram, é melhor desfocarem o crime dos madeireiros, porque isso afasta a responsabilidade desses órgãos e evita uma nova condenação”, disse o representante do Conselho de Gestão, que pediu para não ser identificado devido às ameaças de morte que vem recebendo.

        Para os Ka’apor as evidências são claras: “Se queriam roubar, por que só mataram o Eusébio e não levaram a moto?”, questiona um dos indígenas. “Eles estavam de tocaia esperando a pessoa certa pra matar, porque naquele dia pararam outras três pessoas mais cedo, que também passavam de moto, mas deixaram ir embora”, completa. José Henrique, o delegado da Polícia Civil à frente do inquérito no início das investigações, disse à reportagem, no dia 12 de maio, que depois de ouvir a testemunha do crime e outros indígenas, estava trabalhando com a hipótese de “relação com os madeireiros, conflito que se intensificou há um ano e meio, desde que os indígenas começaram a proteger o território mais ativamente. Sabemos dos ataques aos indígenas, mas a competência dessa investigação é da Polícia Federal, que ainda não veio à região”, explicou.

        Cinco indígenas já foram ouvidos pelo MPF e ao menos três pela Polícia Civil. Todos narram ameaças sofridas em decorrência da proibição da exploração madeireira dentro da TI Alto Turiaçu. Há dois anos os Ka’apor têm fortalecido o processo de autofiscalização. Ao menos oito aldeias foram criadas em pontos estratégicos, para evitar a volta dos invasores, e em março deste ano os indígenas conseguiram, por conta própria, o fechamento de todos os ramais utilizados pelos madeireiros.

        No entanto, após a morte de Eusébio, dois ramais foram abertos e duas das oito aldeias de proteção tiveram que ser abandonadas pelos indígenas. “Disseram que se a gente não saísse eles iam chegar atirando e queimando nossas coisas”, conta a liderança de uma dessas aldeias, localizada nas proximidades do município de Centro do Guilherme. “Madeireiros estão entrando direto, principalmente em Santa Luzia [do Paruá], Nova Olinda [do Maranhão]. Mataram Eusébio pra gente ficar com medo e desistir de proteger a floresta. A gente fecha um ramal e eles abrem outro”, explica um dos indígenas responsáveis pelas operações de fiscalização.



      Em depoimento ao MPF, um dos filhos de Eusébio disse que foi cercado pelo madeireiro M. logo após a morte do pai, quando chegava ao município de Santa Luzia do Paruá. De acordo com seu relato, um homem mandou que parasse o carro, no qual transportava o corpo de Eusébio de volta pra aldeia, e disse que “quem era pra morrer era o A. e o C. [outros indígenas]”. Ele conta ao MPF que naquele momento poucas pessoas sabiam do assassinato.

        Depois da morte de Eusébio, os Ka’apor não receberam nenhum tipo de proteção do Estado. “Não tem como a gente se defender. Estamos com medo de que aconteça de novo, nossas famílias não querem que a gente saia na cidade. Tenho seis filhos, eles ficam preocupados ‘pai, o pessoal tá procurando você aí, dando recado’... Mas a gente não pode ficar parado, vamos continuar lutando”, diz uma liderança do Conselho de Gestão do povo.

Um comentário:

  1. Insustentável a situação dos povos indígenas do Alto Turiaçu, que não estão encontrando proteção nem por parte da FUNAI, Polícia Federal, IBAMA.....
    Até quando o Governo Federal, as instâncias mais altas da República, as entidades governamentais e as ONGS, a Imprensa séria ( encolhendo sempre mais....)até quando as pessoas de bem vão ignorar os covardes ataques às lideranças indígenas?
    Até quando vai durar a indiferença diante desse faroeste despropositado, no tempo e no espaço?
    Até quando veremos, envergonhados e sem ação, as barbaridades perpetradas contra esses povos indefesos - que não acreditam mais na Justiça, na lei e nas instituições - pois não aparece ninguém para defende-los, efetivamente..... Até quando, meu Deus?!!!!!!
    Minha solidariedade ao povo Ka'apor.... e de que adianta minha solidariedade, se não produz uma ação em defesa desses irmãos sofredores????

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