Paraíso sitiado: o território dos Awá no Maranhão


O drama dos índios Awá e a resistência de seu povo que tenta impedir a ação criminosa de madeireiros na Reserva Biológica Gurupi, onde o território indígena já perdeu 30% de sua paisagem original.

Reportagem: Míriam Leitão - Fotos: Sebastião Salgado


Sobreviver com coragem


Piraima’a (à esquerda) e seu pai (Pirama’a) mostram marcas feitas por madereiros  que 
invadem a floresta para cortar ilegalmente árvores em terras indígenas. Esse tipo de árvore 
(Tabebuia) tem alto valor no mercado, mas é também sagrada para os Awá.
Considerados um dos últimos povos caçadores e coletores do planeta, os poucos mais de 400 Awá que povoam o que restou da Floresta Amazônica no Maranhão vivem o momento mais decisivo de sua sobrevivência: impedir que grileiros, posseiros e madeireiros destruam o seu mais valioso bem. É das árvores e da mata densa situadas na Reserva Biológica do Gurupi, de onde tiram o seu alimento, a sua certeza de amanhã poderem garantir a continuação de seu povo, de sua gente. Eles não querem nada mais do que a garantia do governo federal de que não terão o seu terrítório devastado pela ganância do homem branco, que avança a passos largos em busca de madeira nobre.

Apesar de sua terra já estar demarcada, homologada e registrada com 116.582 hectares pela União, eles enfrentam uma ameaça real de assistir à destruição da floresta da qual são tão dependentes e de onde tiram o sustento de seus filhos. Ainda que a Justiça já tenha determinada a retirada desses 'intrusos' ou não índios, como define a Funai, os Awá temem pela própria sorte, se afirmam em sua coragem e não vacilam quando veem sua resistência em xeque. "Não temos medo. Vamos resistir", dizem em discursos emocionados.


Liberação da terra Awá

Míriam Leitão, Coluna no Globo, 24.12.2013 -

Vai começar a desintrusão da Terra Awá. A palavra é estranha, mas quer dizer algo que se esperava que acontecesse ao longo deste segundo semestre, até por ordem judicial: a retirada dos não indígenas da área demarcada e registrada como dos índios do grupo Awá Guajá, no Maranhão. Chove muito esta época do ano, mas será assim que as tropas vão se deslocar.

A ordem do juiz federal no Maranhão José Carlos do Vale Madeira estabeleceu prazos e modos da retirada dos não indígenas. O governo já reuniu todos os órgãos envolvidos e concluiu o plano da retirada dos não indígenas.

Os que estiverem instalados na terra indígena receberão nos próximos dias notificações para deixar o local. Os moradores terão 40 dias para retirar seus bens. Ao final do prazo, serão desapropriados. Foram expedidos mandados de busca e apreensão de todos os equipamentos que estiverem ligados à prática criminosa.

Vão se deslocar para cumprir a ordem judicial, e o plano do governo, tropas do Exército e funcionários da Funai, ICMBio, Incra, Ministério Público, Força Nacional de Segurança, Polícia Militar do Maranhão. Foi criado, por ordem do juiz, o Comitê de Desintrusão da Terra Awá Guajá, com representantes de todos esses órgãos e mais a OAB, ABIN, Secretaria-Geral da Presidência, Ibama, um integrante da Assembleia Legislativa e outro do Governo do Maranhão.

Será instalada para executar a operação uma grande base em São João do Caru e outra em Vitória da Conquista, no Maranhão, onde há grande concentração de madeireiros.

O governo vai derrubar as cercas e fechar os ramais que foram abertos pelos madeireiros nas invasões frequentes da Terra Awá. A ideia é abrir apenas uma estrada que contorne a terra para facilitar o acesso da fiscalização. O risco é a estrada acabar facilitando novos ataques à mata onde vivem os índios, nessa área que é um dos últimos remanescentes de Floresta Amazônica no Maranhão.

Em agosto, o GLOBO publicou uma longa reportagem feita por mim e pelo fotógrafo Sebastião Salgado (*). “O Paraíso Sitiado” teve como título na primeira página o resumo do que vimos lá: “Eles estão em perigo.” Era o começo da estação madeireira, e os índios estavam encurralados por madeireiros que atacavam a floresta por todos os lados. Ameaçavam reagir, mas como? São 400 pessoas de um grupo contactado no final dos anos 1990, depois de terem fugido por quase 500 anos.

Os Awá são nômades, acabaram de ser aldeados, poucos falam português, são do tronco Tupi e têm uma ligação intensa com a floresta, porque creem que a existência do mundo após a morte depende da manutenção da floresta em pé.


Como sempre, nestas situações, a ocupação da terra indígena foi feita tanto por grileiros e madeireiros, quanto pelos posseiros. A Justiça julgou que eles não são ocupantes de boa fé; ou seja, sabiam que era uma terra indígena. Apesar disso, há enorme diferença entre os dois grupos. A ordem judicial determina que os posseiros recebam ajuda do governo através de financiamentos do Pronaf, sementes, inclusão no Bolsa Família, inscrição no INSS e concessão de terra através do Incra. Há uma área próxima, em Bom Jardim, onde devem ser assentadas 60 famílias. Outras receberão crédito fundiário.

Há uma grande fazenda, o empreendimento agropecuário Alto Turiaçu, na terra indígena Awá Guaja, que terá que sair imediatamente. A Justiça determinou a desocupação da fazenda e a retirada — ou demolição — dos imóveis e dos bens móveis e animais.

A Coordenação dos Índios Isolados e Recém Contatados da Funai quer iniciar, em seguida, o trabalho de reconstituição da cobertura florestal na área desmatada da terra Awá Guajá. 

Um comentário:

  1. Como podemos permanecer indiferentes à luta pelos direitos dos verdadeiros donos desse solo?
    Estamos envolvidos em tantas lutas por direitos, e no entanto, postergando a defesa dos que têm prioridade, pelas demandas serem as mais antigas, por serem os mais espoliados e merecedores de respeito e autonomia.

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