Qual é a mensagem do desfile de moda barroca na Igreja?



Entre alguns pequenos grupos da Igreja, as vestes religiosas barrocas estão voltando. Elas podem estar retornando não como sinais religiosos, mas como distrações da fé e do ministério. Como disse Henry David Thoreau, "cuidado com todos os empreendimentos que exijam roupas novas".

O artigo do dominicano norte-americano Thomas O'Meara, foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 26-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto (Unisinos, S. Leopoldo).

Eis o texto.

Quando eu era menino, há mais de 50 anos, as roupas eclesiásticas eram impressionantes. Eram incomuns e coloridas, antigas e sacrais, eram distintamente católicas romanas. A seda moiré colorida, as luvas enfeitadas com joias, os sapatos vermelhos (cáligas) indicando um indivíduo envolvido em um ofício da Igreja.
Essa figura transcendente, um representante do divino, aparecia entre os ternos e vestidos comuns da classe trabalhadora católicos em raros momentos. No entanto, mesmo como um adolescente que cantava em um coral do colégio nas liturgias do arcebispo, eu já tinha percebido que às vezes os rituais se focavam mais nas roupas do que nas palavras e sacramentos religiosos. Tirar as luvas e colocar os óculos, manter um solidéu no seu lugar ou ajustar um pálio poderia parecer mais importante do que a elevação do cálice.
O tempo passa, e hoje as roupas eclesiásticas são menos inteligíveis e indicam menos claramente algo além das suas cores e dos seus dourados. Elas levantam questões de gênero e de classe, de cultura e de sacramentalidade.
Existem três tipos de roupas que os homens católicos usam para eventos litúrgicos e eclesiásticos públicos. Há vestes para a liturgia da Eucaristia, outros sacramentos e devoções. Entre elas estão a casula e a estola, a alva e o cíngulo, a mitra e o pluvial. Em segundo lugar, há os hábitos das ordens e congregações religiosas. Em terceiro lugar, há os paramentos especiais para aqueles que fazem parte da ordem episcopal e que estão em níveis abaixo (monsenhores) ou acima (cardeais).
As vestimentas na Eucaristia e nas outras liturgias parecem ser, no melhor dos casos quando são simples, esteticamente agradáveis e inspiradoras para as pessoas que as veem. Os membros de ordens religiosas, especialmente monges e frades, tendem a vestir seus hábitos na liturgia e em outros momentos dentro das suas casas religiosas.
Aqui está uma descrição do século IX das roupas litúrgicas usadas pelo bispo de Roma, roupas relacionadas no seu estilo a paramentos usados pelos romanos dois séculos antes. Walahfrid Strabo, que morreu em 849, escreveu: "As vestes sacerdotais tornaram-se progressivamente o que são hoje: ornamentos. Em tempos antigos, os padres celebravam a missa vestidos como todos os demais".
Geralmente, os paramentos especiais da Igreja não vêm do período patrístico ou medieval (que não incentivavam roupas distintas). Eles vêm do período barroco, de 1580 a 1720, quando a liturgia como teatro preparava os rituais para canalizar graças. Depois de 1620, no mundo do Papa Urbano VIII, os vestes eclesiásticas começaram a assumir a importância que elas têm hoje nos principais detentores de cargos eclesiásticos.

Quem pode vestir o que, com que cores e em que serviço religioso? Os anos de 1830 a 1960 testemunharam novas e bastante artificiais elaborações do traje eclesial. Os paramentos de hoje que refletem a simplicidade do estilo patrístico ou do início da Idade Média também parecem ser contemporâneos, enquanto aqueles que parecem ser antiquados e extravagantes são produto do período barroco.
Críticos das vestes religiosas
Jesus é um crítico da religião. Ele adverte contra a exposição humana e o uso dos objetos religiosos para desdenhar os demais. Ele condena o uso da religião para favorecer o fato de ser notado ou separado da maioria das pessoas. "Os escribas e os fariseus (...) fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros. Vejam como eles usam faixas largas na testa e nos braços, e como põem na roupa longas franjas, com trechos da Escritura. Gostam dos lugares de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas (...) O maior de vocês deve ser aquele que serve a vocês" (Mateus 23, 5-6;11).

Poucas dimensões da vida humana despertaram a ira de Jesus, mas os líderes religiosos que buscavam atenção e poder através das vestes eram chamados de "sepulcros caiados que por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão" (Mateus 23, 27).

Nos anos imediatamente antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), o padre dominicano Yves Congar escreveu uma crítica à exibição da Igreja de poder e privilégio. Ele pesquisou as origens das vestes e insígnias eclesiais no Império Romano e no feudalismo, concluindo que essas roupas já não têm nenhum significado claro para as pessoas. Ele concluiu que as vestes podem ter o seu valor, embora a sua presença religiosa deve ressoar nas pessoas às quais se dirigem. [...]

O Vaticano II falou de uma "simplicidade nobre" para as vestes eclesiásticas. Nos anos logo após o Vaticano II, o Papa Paulo VI vendeu as tiaras papais e emitiu instruções para pôr de lado roupas incomuns como mantos extravagantes, meias coloridas, fivelas especiais e cíngulos com borlas.

As roupas hoje

Entre alguns pequenos grupos da Igreja, as vestes religiosas estão voltando. Elas podem estar retornando não como sinais religiosos, mas como distrações da fé e do ministério. Cíngulos e barretes, correntes e grandes cruzes, amitos e manípulos, luvas e sapatos especiais reapareceram. Grupos restauracionistas e reacionários tendem a ter roupas marcantes assim como as ditaduras têm uniformes.
Esses grupos mostram uma preferência por tipos especiais de colares clericais, mitras altas, caudas elaboradas, uma cruz de metal pendurada no pescoço. [...]
Nas formaturas em universidades católicas, os estudantes, os professores e os administradores usam suas vestes acadêmicas, enquanto os pais e as famílias usam ternos e vestidos. Um bispo em uma capa de seda com fitas e um solidéu parece fora de lugar. Uma vez, em um evento beneficente em um grande hotel, um bispo vestiu o que ele chamou de seu "uniforme de gala, que atrai muitos elogios para o meu guarda-roupa". O principal orador da noite comentou: "Se eu estivesse morrendo e alguém com uma faixa e um vestido vermelho se aproximasse, eu ficaria completamente apavorado".

A mídia dá atenção aos atuais sapatos vermelho-rosa do papa, ao chapéu forrado de pele do século VIII, à estola elaboradamente bordada do século XVIII. Imagens recentes da televisão de bispos e papas com batinas vermelho e branco, com chapéus renascentistas e luvas enfeitadas de joias já não parecem ser religiosas e sacramentais, mas sim antiquadas e autocentradas. O papa, durante uma visita ao jardim da Casa Branca em uma batina branca e sem calças visíveis, parecia fora de lugar; distinto e diferente, sim, mas não espiritual. Os católicos norte-americanos, pela primeira vez, estão reagindo a encontros televisionados de bispos e cardeais em que há uma preocupação sobre o adequado uso de saias e faixas coloridas.

Roupas e ministério

Os novos grupos religiosos dos Estados Unidos, juntamente com alguns jovens membros de ordens mais velhas, parecem ansiosos para vestir um hábito religioso em público, não apenas na região ao redor de uma escola, mas também nos aeroportos ou no metrô.

O que um hábito monástico ou uma batina em público diz aos norte-americanos no início do século XXI? Não é de todo evidente que o público em geral sabe quem é essa pessoa estranhamente vestida, nem mesmo que ele conecte a roupa à religião. O simbolismo não é claro, e a mensagem não é evidente. A pessoa realmente se destaca, mas como uma espécie de esquisitice pública. Roupas excêntricas incutem separação.

Embora alguns argumentem que roupas estranhas atraem as pessoas, o fato é que mais frequentemente elas repelem. As pessoas normais não são atraídas por trajes antigos ou bizarros, e os cristãos comuns não são atraídos por aqueles cujo traje especial implica que os outros são inferiores. Às vezes, vestir roupas parece ser um substituto para o ministério real.
Não está claro como os homens que usam vestidos e capas proclamam a transcendência de Deus ou o amor do Evangelho. A identidade de um homem é algo complexo; a sua busca dura uma vida inteira. Um clérigo celibatário abre mão de coisas que formam a identidade masculina, como ser marido e pai. Não podemos ignorar as possíveis ligações entre roupas incomuns e celibato.

O homem celibatário têm uma sexualidade neutra ou uma terceira sexualidade que lhe permita vestir roupas incomuns? As roupas especiais são uma proteção ao celibato? Ou elas são uma neutralização da masculinidade? Por que um homem gostaria de usar um vestido longo ou uma capa em público? As razões espirituais são a verdadeira motivação?

Significado cultural

As roupas são úteis porque nos mantêm quentes ou frios, e cobrem a nossa nudez. Elas podem tornar homens e mulheres atraentes para os outros. Os seres humanos e as sociedades chegaram a uma variedade de roupas às quais dão significados particulares, usando algumas roupas como símbolos – a toga, a cartola, o véu, o manto.

O que as vestes eclesiásticas dizem hoje? Essa questão toca não apenas a identidade do portador, mas também a fé da comunidade. Não há nenhuma resposta absoluta, nenhuma resposta além das pessoas no seu tempo e cultura.Tradição e história não são uma resposta, pois sempre há um momento em que tal peça do vestuário eclesiástico era desconhecida, e haverá um tempo em que ela será vista apenas em um museu.

O tempo traz e depois enterra estilos. Uma pessoa medieval provavelmente entendia as insígnias episcopais razoavelmente bem, porque os aspectos da sua vida dependiam da sua rara aparição, e eram vistas em um ambiente de muitas insígnias. O arranjo elaborado de roupas artificiais na Igreja Católica é dos últimos quatro séculos. Hoje, roupas incomuns aparecem na televisão como algo conectado ao entretenimento. Que pensamentos são evocados quando um cardeal ou um arcebispo aparece em um jogo de beisebol de capa e vestido? O que a capa e a faixa dizem pessoal e socialmente? Elas recordam o Novo Testamento ou a liturgia da comunidade cristã?

Na comunidade cristã, todo o vestuário – e isso inclui vestuário litúrgico – expressa a vida da Igreja animada pelo Espírito. Capas e mantos em estilo barroco não são nem proféticos nem contraculturais. Se a distinção régia ou antiquada uma vez tinha o seu valor para as lideranças eclesiais, se a pretensão de ser eclesiástica ou até mesmo metafisicamente melhor era presumida, desde o Vaticano II mais e mais pessoas ignoram tais exposições. O tempo nunca pára. O que parecia poderoso no passado é hoje meramente curioso. Muitos católicos estão chegando a um ponto em que as roupas antiquadas não são inspiradoras nem sacramentais, mas existem fora da vida humana. [...]




Henry David Thoreau disse muito bem: "Cuidado com todos os empreendimentos que exijam roupas novas". Talvez alguma lição permaneça das palavras do Salmo 132: "Que teus sacerdotes se vistam em santidade, e teus fiéis exultem de alegria"

2 comentários:

  1. "O papa, durante uma visita ao jardim da Casa Branca em uma batina branca e sem calças visíveis, parecia fora de lugar; distinto e diferente, sim, mas não espiritual."

    Imagino... todos os que estavam de calça, ali, eram todos muito espirituais.

    !?!?!?

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  2. Lúcido e grave, Paulo. Um encontro entre Thoreau, Congar e Agostinho.

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