Refletir sobre a
semântica do Mistério da Igreja hoje em uma abordagem cristológica compôs o
central da proposta do teólogo jesuíta Roger Haight em sua conferência da manhã
desta sexta-feira, 05-10-2012, na Unisinos, S. Leopoldo/RS. Ele abordou cinco
desafios científicos para a fé e a espiritualidade cristã em tempos de
tecnociência. O primeiro deles enfatizou a relação entre Big Bang, evolução e
intervenção divina.
Segundo Haight, o primeiro “choque” acontece entre o Deus
que age livremente no mundo, e a ciência que não admite isso. Deus é chamado de
Pai, traduzido por nossa imaginação por uma pessoa a quem dirigimos oração. A
ciência apresenta outro cenário. A idade e dimensão do universo proposto pela
ciência proíbem que se fale de Deus como uma pessoa, ponderou.
A reportagem é de
Márcia Junges, Unisinos.
O segundo desafio é a
relação entre aleatoriedade e propósito ou finalidade. Os cristãos pensam o
universo criado por um propósito e vontade específicos. Em contraposição, a ciência
apresenta um universo em movimento constante. A realidade não é estática. A
mudança é sua condição padrão e a criação ainda está produzindo novas formas de
ser no universo. Esse é um sistema
aberto, apontou Haight (foto).
Em terceiro lugar, o
jesuíta mencionou o debate entre evolução e pecado original. A evolução implica
ligação da espécie humana com o universo e da vida emergente. Isso inclui a
luta violenta das formas de vida para se apegar à existência. A consciência
evolutiva e a evolução da humanidade excluem um pecado original concebido com
acontecimento ou queda. O que aparecia como momento definidor no relato cristão
é retratado pela ciência como tendência humana natural. É assim que ela aparece à luz da evolução. O
pecado original é metáfora do egoísmo humano e dos danos que causa na luta pela
vida.
Em quarto lugar,
Haight falou sobre Jesus e outros salvadores, mencionando que a ciência trouxe
novo desafio para a doutrina básica de uma única encarnação. A ciência está
sugerindo mais do que uma encarnação como algo provável. O sentido da
encarnação figurou como o quinto desafio exposto por Haight. “A fé cristã
caracteriza Jesus como presença divina que ocorreu uma vez, apenas. Como
podemos falar de encarnação de forma inteligível?”, perguntou.
Seguindo Jesus
1. A espiritualidade
é um modo de vida diante da transcendência.
2. A espiritualidade
cristã se fundamenta em um seguimento de Jesus.
3. Essa
espiritualidade reflete o contexto histórico em que existe. Há níveis ou
andares diferentes na fé cristã. O térreo é a espiritualidade do seguimento de
Jesus. Isso é o que define a fé em Deus como fé cristã, a saber, o fato de que
ela está baseada em Jesus de Nazaré e é moldada por ele. À medida que subimos
os andares do prédio nos deparamos com diferenças. São crenças diferentes e
formas, além de ênfase em valores éticos e modelos de culto na forma de seguir
Jesus. O que realmente une os cristãos ao longo dos séculos não é o mesmo
conjunto de palavras ou práticas, mas a mesma estrutura básica da
espiritualidade que define uma pessoa ou grupo como cristão. A orientação
fundamental na vida é plasmada e modelada por Jesus de Nazaré.
4. A espiritualidade
cristã absorve a cultura científica, e não a refuta.
5. A espiritualidade
cristã fornece a base para entender a Cristo em uma era científica.
Um Deus “dentro” da
história
O terceiro grande
momento da conferência de Roger Haight analisou o seguimento de Jesus numa era
científica ou tecnológica. A cultura científica está dentro da lógica
espiritual de seguimento de Jesus, observou. Em cinco subdivisões, o jesuíta
explicou como se dá esse seguimento ao Crucificado em nosso tempo:
1. O reconhecimento
da imanência de Deus
Deus não é uma
entidade como outras, mas algo como um Verbo, uma ação contínua, na qual tudo o
mais participa de acordo com sua própria individualidade. Deus não intervém na
história, porque ele é o “dentro” da história. Para entender como Deus atua,
temos que ter consciência que a causalidade de Deus é diferente da causalidade
mundana. Agentes finitos na esfera da realidade criada causam o que acontece
nesse mundo. Deus, pelo contrário, é o “dentro” de toda realidade que sustenta
o sistema e os acontecimentos do mundo. As coisas acontecem por causa finita,
que atua dentro de sua esfera. Como se
pode apreciar ou valorizar isso em termos religiosos?
2. Convivendo com a
aleatoriedade
Não é preciso que
cada acontecimento seja programado. Ao longo do tempo ou dentro dele pode-se
perceber direção em relação à complexidade da vida. O futuro é imprevisível,
mas se olharmos para trás percebemos certa direcionalidade para que aparecesse
a espécie humana. A criatividade contínua de Deus não age contra a
aleatoriedade. A aleatoriedade não exclui o propósito ou finalidade. Apesar da
lógica aparentemente cruel da evolução, tem-se esperança de um sentido coerente
que tem um caráter salvador num futuro absoluto.
3. A reorganização do
relato cristão
A existência humana
parece presa numa rede de pecado, observou Haight. Reconhecer a evolução em
relação ao pecado contribui para dois aspectos da existência humana. Salvação não
é salvar passado ou salvar um estado idealizado do ser. Os seres humanos têm
papel consciente e deliberado para desempenhar nesse projeto.
4. A relevância
universal de Jesus dentro do pluralismo religioso
A ciência dá acesso
ao horizonte cósmico, o que torna difícil que se sustente uma concepção
antropocêntrica ou cristocêntrica da realidade. “É difícil ser cristocêntrico
nos dias de hoje”, admitiu Haight. O pensamento cósmico desloca a perspectiva
cristã do cristocentrismo para o teocentrismo. A criação a partir do nada (ex
nihillo) implica a presença de Deus dentro de toda a realidade.
5. Uma nova concepção
de encarnação
Não deveríamos
conceber a encarnação nos termos imaginários dos quadros de uma história em
quadrinhos, ironizou o palestrante. Algo como se Deus estivesse lá em cima,
descesse e voltasse para cima. A encarnação se refere a Deus como um “dentro”
de todas as coisas. Deus como o poder e amor que sustenta o próprio ser finito.
Deus não intervém na realidade criada porque como reconhece a espiritualidade
cristã. Karl Rahner opera com essa ideia, de que Deus como criador contínuo
sustenta a evolução. O espírito de Deus pode ser entendido como poder divino
imanente, que possibilita a evolução dando à criação a capacidade de transcender-se
em outras espécies. O sopro de Deus sopra vida para dentro de todo processo
emergente. A ideia de encarnação deveria ser expandida.
Encerrando seu
raciocínio, Haight pergunta que diferença faz essa espécie de reflexão faz para
a comunidade cristã. Há uma função e relevância dupla, pontua. Entabular essa
discussão faz com que percamos a postura ingênua antropomorfórica de Deus. Em
segundo lugar, se entramos nessa discussão, tais análises podem abrir a
imaginação num modo receptivo que entende o mundo e nós dentro dele, de forma
positiva. Isso pode energizar continuamente nossa realidade. Uma visão
criticamente sensível terá poder mais profundo e duradouro.
Quem é Roger Haight
Roger Haight é
ex-presidente da Sociedade Teológica Católica dos EUA e professor visitante no
Union Theological Seminary, em Nova Iorque, uma tradicional casa de formação de
teólogos fundada em 1836 como uma instituição presbiteriana e onde estudaram
grandes nomes da teologia mundial. Foi professor de teologia por mais de 30
anos em escolas da Companhia de Jesus em Manila, Chicago, Toronto e Cambridge.
Foi professor visitante em Lima, Nairóbi, Paris e em Pune (Índia). De sua
produção bibliográfica, citamos: Jesus, símbolo de Deus (São Paulo: Paulinas,
1999); Dinâmica da teologia (São Paulo: Paulinas, 1990) e O futuro da
cristologia (São Paulo: Paulinas, 2005).
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