"PORTARIA DA AGU VIABILIZA O
MODELO AGROEXPORTADOR DO PAÍS''.
Entrevista especial com Cleber
Buzatto
“A portaria abre as ‘porteiras’
das terras indígenas para que elas sejam exploradas de diversas formas seja
pelo Estado brasileiro seja por empresas particulares”, aponta o secretário
executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
IHU On-Line – O que a portaria
303 determina em relação às terras indígenas? Como o Cimi a interpreta?
Cleber Buzatto – Nós recebemos a
notícia com muita indignação, porque se trata de uma peça política que tem um
conteúdo extremamente danoso aos povos indígenas e aos seus direitos. É uma
portaria que, no nosso entendimento, não tem fundamentação legal, está situada
em um contexto justamente de julgamento por parte do Supremo Tribunal Federal –
STF, de embargos de declaração relativos à petição 3388 e, portanto, ela é uma
iniciativa do Executivo que, no nosso entendimento, se antecipa ao julgamento
do STF na tentativa de influenciar seus ministros a decidirem de acordo com o
que o próprio poder Executivo está entendendo que sejam os efeitos das
condicionantes. O Executivo faz isso sob a pressão e o lobby dos fazendeiros e
dos grandes proprietários de terras do país.
IHU On-Line – Diante da portaria
303, como ficam as terras indígenas já homologadas e demarcadas? Elas poderão
ser questionadas na Justiça? Vislumbra alguma insegurança jurídica?

IHU On-Line – Então as 19
condicionantes só foram válidas para demarcar as terras de Raposa Serra do Sol?
Cleber Buzatto – Esse é o nosso entendimento, o qual esperamos
ver consolidado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o caso. Isso deve
acontecer nos próximos meses. O julgamento do caso da terra indígena Raposa
Serra do Sol ainda não foi concluído pelo STF, por isso essa portaria é
totalmente inconsequente, não tem sentido algum no campo jurídico e esperamos
que ela seja revogada, que o governo federal reconheça esse atropelo. Ao mesmo
tempo, esperamos que o STF, ao julgar os embargos e a declaração da petição
3388, confirme o entendimento de que essas condicionantes se aplicam,
especificamente, ao caso da terra indígena Raposa Serra do Sol.
IHU On-Line – Quais são os
critérios para a demarcação de terras indígenas?
Cleber Buzatto – A demarcação e o
reconhecimento das terras indígenas segue estritamente o que determina a
Constituição Federal nos artigos 231 e 232, especialmente o artigo primeiro
deles. Ali estão todos os critérios que confirmam quais são as terras indígenas
tradicionais no país e essas terras precisam ser, pelo Estado brasileiro,
reconhecidas e demarcadas. Para oficializar o reconhecimento da
tradicionalidade de uma terra indígena, existe um procedimento administrativo
que é posto em prática. Esse procedimento administrativo é regulamentado pelo
decreto 1775 de 1996, que estabelece uma série de passos que têm a finalidade
de reconhecer e de fazer o processo de demarcação de uma terra indígena no
país.
IHU On-Line – Quantas terras
indígenas ainda precisam ser demarcadas?
Cleber Buzatto – A Funai está com
o processo aberto para cerca de 330 terras indígenas, mas os dados do Cimi, que
se baseiam justamente nas reinvindicações dos povos indígenas do país,
demonstram que, além desses 330 processos que estão em curso, outros 340
processos devem ser abertos para reconhecer o direito dos povos e efetivar a
demarcação dessas terras.
IHU On-Line – Outro ponto
polêmico da portaria 303 diz respeito à impossibilidade de ampliar as terras
indígenas já demarcadas. Como fica, nesse sentido, as terras ocupadas pelos
Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul?
Cleber Buzatto – Nós entendemos
que esse também é um erro do poder Executivo. Sabemos que diversos povos no
Brasil vivem efetivamente sem terra, e o caso dos Guarani-Kaiowá, no Mato
Grosso do Sul, é emblemático nesse sentido. Eles vivem uma situação de extrema
vulnerabilidade social, política, econômica. Essa tese de não ampliar as terras
já demarcadas é defendida pelo setor do agronegócio, seus sindicatos e grandes
proprietários rurais.
Nós entendemos que o poder
Executivo não deve acatar essas teses, porque elas somente favorecem o
agronegócio e dificultam ainda mais a implementação dos direitos dos povos
indígenas de terem suas terras tradicionais reconhecidas e demarcadas no país.
IHU On-Line – Em que medida a
portaria restringe a autonomia dos índios em seu território?
Cleber Buzatto – Nesse sentido a
portaria 303 é muito danosa, porque, além de dificultar o processo de
reconhecimento e demarcação das terras indígenas, ela também limita o acesso e
o direito dos povos de usufruirem das terras já demarcadas. A portaria abre,
digamos assim, as “porteiras” das terras indígenas para serem exploradas de
diversas formas seja pelo Estado brasileiro seja por empresas particulares, no
sentido de viabilizar infraestrutura para deslocamento de commodities agrícolas
até os portos do país, e para viabilizar a exploração mineral ou exploração de
recursos hídricos para produção de energia. Portanto, essa portaria pretende
viabilizar justamente o modelo agroexportador vigente no país.
IHU On-Line – Caso consolidada, a
portaria 303 poderá agravar os conflitos fundiários envolvendo a posse das
terras indígenas?
Cleber Buzatto – Nós entendemos
que ela não deverá ser consolidada. Ela é tão absurda juridicamente que deverá
ser cassada. Se o governo brasileiro politicamente não retroagir, não tomar uma
decisão política de revogar essa portaria, será possível, sim, nos tribunais o
seu cancelamento. Entendemos que se trata de uma peça jurídica sem fundamento
legal, mas na hipótese da consolidação, ela traria ainda mais prejuízos nesse
sentido de agravar os conflitos.
IHU On-Line – Que relações
estabelece entre a PEC 215 e a portaria 303? Nesse sentido, como vê a atuação
do Estado brasileiro em relação aos povos indígenas?
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IHU On-Line – Gostaria de
acrescentar algo?
Cleber Buzatto – Os povos
indígenas precisam ter ciência da gravidade da portaria 303 e deste momento
conjuntural político que estamos vivendo. Está ocorrendo uma verdadeira guerra
contra os povos indígenas, a qual é puxada pelos setores que querem explorar as
terras indígenas e os próprios povos indígenas do país. Infelizmente, o governo
brasileiro e as instituições estão contribuindo nesse processo.
http://www.taquiprati.com.br/cronica/1431-as-linguas-indigenas-o-brasil-e-a-unesco-em-2019
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