Terminou a 2ª
Assembleia dos Povos indígenas de Goiás/Tocantins. Foi um evento marcante para
todos os participantes: memória de muitas lutas, convocação para fortalecer a
organização e renovação da nossa fé na capacidade dos povos indígenas. Sonho e
horizonte se revelaram palpáveis.
A seguir o
Manifesto
da II Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins
Ouvimos a voz
indignada de uma anciã que perdeu sua netinha, ainda na barriga da mãe, e o
gemido de dor de nossas crianças adoecidas nas aldeias. Ouvimos os relatos de
ameaças e violências contra nosso povo. Ouvimos os parentes detalhar sobre o
avanço do agronegócio e das florestas de eucalipto nas terras indígenas.
Ouvimos sobre a lentidão do governo federal em garantir os direitos assegurados
pela Constituição Federal, como a terra, acesso à saúde, educação e consulta
prévia. Ouvimos a verdade por trás das mentiras que os brancos tentam nos
impor. Nessa verdade está nosso horizonte.
Há 513 anos
apareceram, em nosso horizonte, as caravelas dos colonizadores. Nos impuseram
seu mundo e nos chamaram de selvagens, mas eles é que mataram milhões de
indígenas. Porém, percebemos que os brancos seguem tentando nos impor seu
Estado, sua cultura e seus interesses econômicos sobre as terras tradicionais
que nos restam e nosso modo de viver e olhar sobre o mundo. No parlamento, são
cerca de 90 proposições, entre projetos de lei e propostas de emendas à
constituição, que tratam diretamente dos povos indígenas. O interesse do branco
é grande em destruir nossas terras e retirar nossos direitos.
Destacamos
algumas dessas proposições. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 visa
transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação e homologação de terras
indígenas, quilombolas e áreas de proteção ambiental. Sabemos que os ruralistas
possuem a maior bancada da Câmara Federal e se essa PEC 215 for aprovada, nunca
mais teremos demarcações no país. Outro projeto que nos preocupa é o PL 1610,
sobre mineração em terras indígenas. Enquanto o Estatuto do Índio se mantém
parado, esse PL vai promover um verdadeiro leilão de nossas terras, demarcadas
ou não, para as mineradoras. Já o PL 4740 pretende arrendar as terras indígenas
para a criação de gado e monocultivo do agronegócio.
Mas não é
apenas o parlamento que pretende praticar o esbulho de nossas terras. O Palácio
do Planalto, aliado dos ruralistas, baixou a Portaria 303, que pretende
estender condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol para todas as
terras tradicionais do país. As condicionantes nem foram votadas pelos
ministros do STF e por isso a portaria foi suspensa, mas queremos a revogação
dela. Durante este mês de maio, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman,
suspendeu todos os procedimentos de demarcações da Funai no Paraná depois que o
Embrapa questionou um relatório que atestava a ocupação tradicional de uma
comunidade Guarani. A ministra disse que a Funai não é imparcial para demarcar
e que as demarcações nos estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Mato
Grosso e Rio Grande do Sul também passariam pelo crivo da Embrapa e
ministérios. Nem nos piores momentos do neoliberalismo sofremos tamanho ataque,
que vem de fazendeiros e seus pistoleiros, parlamentares ruralistas, governo
federal, Judiciário. O mais triste é que acreditamos que Lula e Dilma poderiam
melhorar nossas vidas, mas isso não está acontecendo.
Terras e
grandes projetos
O agronegócio
cerca, invade e envenena as terras indígenas. Querem nossas terras para
produzir alimentos podres, à base de agrotóxicos e sementes transgênicas. Não
bastasse isso, o governo federal impõe, sem consulta prévia como exige a
Constituição Federal e a Convenção 169, usinas hidrelétricas, estradas,
hidrovias e o bilionário financiamento estatal ao monocultivo de commodities e
criação de gado. A tudo isso estão relacionadas as ações da bancada ruralista,
que pretendem mudar as regras para facilitar a retirada de nossas terras com o
objetivo de investir os milhões que ganham do governo para os monocultivos. Por
outro lado, isso faz parte de um projeto de desenvolvimento nacional do governo
federal, que não contempla nossas nações e por isso cremos ser um projeto de
desenvolvimento de uma elite colonialista, branca.
Sobre nossas
terras e nas áreas limítrofes delas, sobretudo no Tocantins, avançam as
florestas de eucalipto, as carvoarias e canaviais, que quando queimam lançam
sobre as aldeias fumaça e poluição, gerando doenças respiratórias. A Secretaria
de Regularização Fundiária do estado foi entregue ao filho da líder do
agronegócio no Brasil, Kátia Abreu. O secretário, Irajá Silvestre filho, firmou
convênio com o Ministério de Desenvolvimento Agrário para regularizar as terras
da União, ou seja, as terras indígenas, quilombolas, áreas de preservação
ambiental do Tocantins. Isso mostra como o agronegócio avança em nossas terras,
que não são demarcadas e protegidas, a não se por nós mesmos e já decidimos que
vamos morrer defendendo-a. Mas não apenas retirando as nossas terras que tentam
nos usurpar. A nossa saúde está completamente quebrada, levando sofrimento e
morte para as aldeias.
Saúde e
educação
A saúde indígena
passa por problemas em sua administração, desde Brasília, na Secretaria
Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, até às regiões, no
Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), onde os administradores regionais
são incompetentes, descompromissados e mentirosos. Isso gerou uma descrença
generalizada e ao mesmo tempo a inciativa em pedir a exoneração de Ivanezilda
Ferreira Noleto, coordenadora do DSEI, depois que a expulsamos de nossa II
Assembleia. Ela registrou ocorrência na Polícia Federal, alegando danos
emocionais. Perguntamos: e nossos danos pelas crianças e parentes mortos pela
incompetência desses gestores? E nossos danos por não termos saneamento básico
e medicamentos, suspensos pela Portaria 3185 do Ministério da Saúde? Quando ficamos
doentes, temos de torcer para que nossa doença esteja na lista do governo, pois
do contrário morremos sem medicamentos. A saúde indígena está na UTI e assim
matam lentamente nossos povos.
Mesmo não
tendo os estudos do branco, sabemos como educar nossos filhos com uma educação
diferenciada e exigimos que o governo respeite nossos currículos. Sendo assim,
na educação, apesar de pequenos avanços, a situação não é muito melhor. O que
vemos é que não existe vontade política para garantir uma escola diferenciada e
de qualidade como diz a legislação. Não queremos ensinar nossas crianças a
manusear a escrita para mentir e prejudicar o outro; queremos ensiná-las a
pensar e refletir, olhando para a própria cultura e os direitos da Mãe Terra.
Formamos guerreiros. Nossas escolas devem ter o nosso rosto e fincadas em nosso
chão, como forma de garantir nosso envolvimento social e político; nossa
relação com a Mãe Terra.
Esperança no
horizonte
Apesar do
clima de indignação, dos graves problemas e desafios enfrentados pelas
comunidades, realizamos uma Assembleia de esperança, marcada pelas nossas
celebrações e rituais, pela solidariedade e amizade. Saímos fortalecidos e
unidos, entre nós e com todos os que lutam por um Brasil plural, mais justo e
solidário.
Tivemos a presença
de parentes de todo país, caso dos Pataxó Hã-hã-hãe, Bahia, Xavante, Mato
Grosso, Xukuru-Kariri, Alagoas, além de aliados dos movimentos sociais, caso da
Via Campesina, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Conselho Indigenista
Missionário (Cimi). Nailton Pataxó Hã-hã-hãe nos trouxe a palavra de que
sozinhos não conseguimos nada, portanto precisamos nos unir entre os povos e
aliados. Acreditamos e confiamos que a luta é árdua e longa, mas não
abandonaremos a batalha. Seguimos até o fim pelo Bem Viver, o Sumak kawsay
ameríndio, em nossas terras indígenas.
Palmas, TO,
23 de maio de 2013
Povos
indígenas Apinajé, Xerente, Krahô, Tapuia, Karajá-Xambioá, Krahô-Kanela,
Avá-Canoero, Javaé, Kanela do Tocantins e Guarani.
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