RICARDO ANTUNES
"Arbeit,
lavoro , travail, labour, trabajo." Não há nenhum canto do mundo que não
esteja vendo o desmoronar do trabalho. A atividade que nasceu sob o signo da
contradição foi, desde o primeiro momento, um ato vital, capaz de plasmar a
própria produção e a reprodução da vida humana, de criar cada vez mais bens
materiais e simbólicos socialmente vitais e necessários. Mas trouxe consigo,
desde os primórdios, o fardo, a marca do sofrimento, o traço da servidão, os
meandros da sujeição.
Se
o trabalho é um ato poiético, o momento da potência e a potência da criação,
ele também encontra suas origens no "tripalium", instrumento de
punição e tortura. Se, para Weber, o trabalho fora concebido como expressão de
uma ética positiva em sintonia com o nascente mundo da mercadoria e o encanto
dos negócios (negação do ócio), para Marx, ao contrário, o que principiara como
uma atividade vital se converteu em um não valor gerador de outro valor, o de
troca. Daí sua síntese cáustica: se pudessem, todos os trabalhadores fugiriam
do trabalho como se foge de uma peste!
E
a sociedade da mercadoria do século 20 se consolidou como a sociedade do
trabalho. Desde o início, no microcosmo familiar, fomos educados para o labor.
O sem-trabalho era expressão de pária social. Mas a mesma sociedade que se
moldou pela formatação do trabalho se esgotou. Ele se reduz a cada dia, e de
modo avassalador. Enquanto a população mundial cresce, ele mingua.
Complexifica-se, é verdade, em vários setores, como nas tecnologias da
informação e em outras áreas de ponta, e resta exangue em tantos outros.
Trabalho e Kapital |
Onde
cresce avassaladoramente, como no telemarketing, produz um ser falante quase
mudo, repetidor do trabalho prescrito, movido a pequenos "regalos" ao
final de um dia extenuante, cujos minutos e segundos são contabilizados e
controlados. Assim nos encontramos hoje: temos muito menos empregos para todos
os que dele necessitam para sobreviver. Os que têm emprego trabalham muito, sob
o sistema de "metas", "competências",
"qualificações", "empregabilidades" etc. E, depois de
cumprirem direitinho o receituário, vivem a cada dia o risco e a iminência do
não trabalho.
E
isso não só nos estratos de base, onde estão os assalariados no chão da
produção. Foi-se o dia em que os gestores, depois do corte, iam para suas casas
com a garantia do trabalho preservado. Eles sabem que o corte deles se gesta
enquanto eles laboram o talhe dos outros. Se vivêssemos em outro modo de
produção e de vida, o tempo de trabalho poderia ser muito menor e mais afinado
com o tempo de vida fora do trabalho, ambos dotados de sentido e fora dos
constrangimentos do capital.
Mas,
ao contrário, esses tempos se complementam em outro diapasão, com a casa se
tornando espaço de trabalho adicional, e o tempo de vida fora do trabalho se vê
cada vez mais encolhido e reduzido à esfera do que fazer para não perder a
guerra quando o labor recomeçar no dia seguinte. A resultante é áspera e se
conta na casa dos bilhões: aqueles que têm emprego trabalham muito, muitos já
não mais encontram trabalho e outros fazem qualquer trabalho para tentar
sobreviver com o que sobra da arquitetura societal da destruição. Em plena
crise estrutural e sistêmica do capital, da Ásia à América Latina, da Europa à
África, há uma nota tristemente confluente: como os assalariados que só dispõem
de seu labor poderão sobreviver neste mundo sem trabalho e sem salário?
Dos
EUA à China, de Portugal ao Canadá, da Inglaterra ao Japão, passando pelos
tristes trópicos, novos recordes de desemprego são batidos todos os dias. Um
incomensurável processo de corrosão e erosão se efetiva. Tal como foi
desenvolvido ao longo do curto século 20, o trabalho tayloriano-fordista sofreu
forte retração a partir dos anos 1970. Mas, com a intensificação desse quadro
crítico, adentramos um novo ciclo de demolição do trabalho em escala global.
As
diversas formas de "empreendedorismo", "trabalho
voluntário" e "trabalho atípico" oscilam frequentemente entre a
intensificação do trabalho e sua autoexploração. Dormem sonhando com o novo
"self-made man" e acordam com o pesadelo do desemprego. Empolgam-se
pela falácia do empresário-de-si-mesmo, mas esbarram cada vez mais na ladeira
da precarização.
Em
volume assustador, uma massa de homens e mulheres torna-se supérflua,
esparramando-se pelo mundo em busca de um labor que já não mais existe. Este 1º
de Maio nos leva, então, a indagar: qual trabalho queremos para este tenso
século 21 que mal está começando?
[fonte: 1.5.2009. F.d.S.P.]
Caro Suess,
ResponderExcluirMuito bom o seu blog! Se puder, visite o nosso.
Abraços!