A corrente campanha de
desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai), realizada pelo próprio governo
federal, teve seu ápice na última quarta-feira, 08, com a participação da
ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, na audiência pública realizada
pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural,
na Câmara dos Deputados. A participação da ministra-nessa audiência, o conteúdo
de sua fala, prometendo um novo marco regulatório para a demarcação das terras
indígenas, assim como a decisão de suspender as demarcações indígenas no Paraná
são medidas consideradas pelo movimento indígena como um ato político único,
importante para agradar os ruralistas já que ela é a provável candidata do PT
ao governo paranaense. Segundo matéria da Folha de S. Paulo, edição de 10 de
maio, assinada pelo repórter Aguirre Talento, “quando se candidatou ao Senado,
em 2010, Gleisi recebeu R$ 390 mil de empresas ligadas ao agronegócio”. Pelo
andar dos tratores, o apoio poderá ser bem maior no ano que vem.
A reportagem é de
Patrícia Bonilha, e está na íntegra no portal do Cimi, 11-05-2013.
O ar não era bom nessa audiência |
Porém,
antes que o marco seja oficializado, o Palácio do Planalto já suspendeu as
demarcações de terras indígenas no estado do Paraná, com base em análises da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sobre estudos da Funai. A
intenção vai além: relatórios do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Ministério
das Cidades também serão levados em consideração. Em outras ocasiões, o
ministro da Justiça José Eduardo Cardozo indicou que tais mudanças ocorreriam.
Logo
em sua fala de abertura, Gleisi afirmou que "a Funai é um órgão envolvido
com os interesses indígenas", e que, portanto, ela não é imparcial,
colocando sob suspeição a competência da instituição para desenvolver as
atribuições que estão sob a sua responsabilidade. A deixa da ministra para os
ruralistas foi dada de forma bastante clara, e não podia ser mais perfeita. Mas
ainda havia mais por vir.
Após
inúmeras falas nervosas e contundentes em que a Funai, este órgão público do
governo federal - é bom lembrar - foi chamada pelos deputados ruralistas de
criminosa, vigarista, fraudulenta, incompetente, desonesta, dentre outros
adjetivos, a ministra-chefe da Casa Civil afirmou que "a Funai não está preparada
e não tem critérios claros para fazer a gestão de conflitos. Ela não tem a
capacidade para fazer a mediação [entre índios e agricultores] pelo
envolvimento que tem com os índios". Era tudo o que os ruralistas queriam
ouvir: falava contra a Funai a voz delegada pela Presidência da República.
Raposa
no galinheiro
Neste
sentido, além dos critérios antropológicos, o governo também quer ter acesso a
dados “qualificados” sociais e econômicos das áreas em processos de demarcação.
“Queremos um mapa cartográfico sobre a ocupação do território. Queremos saber
qual a produtividade na área, por quanto tempo os produtores tomaram crédito do
governo, há quanto tempo há presença indígena porque os processos estão mais
tensos agora sobre áreas antropizadas”, declarou Gleisi, candidata virtual ao
governo do Paraná nas eleições de 2014, primeiro estado a ter as demarcações
suspensas. [...]
Tudo
muito bem articulado
O
espetáculo protagonizado pela ministra da Casa Civil e pelos ruralistas já
vinha sendo armado há bastante tempo. Há meses, o ministro da Justiça José
Eduardo Cardozo faz declarações à imprensa indicando que para a atual gestão a
Funai não deve ser o órgão com preponderância para definir a demarcação das
terras indígenas, tal como determina a Constituição Federal. Mais recentemente,
no dia 29 de abril, em Campo Grande (MS), a presidenta Dilma foi vaiada por
ruralistas que protestavam contra a demarcação de terras indígenas. A partir
daí uma avalanche de boatos têm sido diariamente estampados nas páginas dos
jornais sobre a possível demissão da presidenta da Funai, Marta Maria do Amaral
Azevedo.
Na
última terça-feira, 7, com base em análise da Embrapa, a ministra Gleisi pediu
ao Ministério da Justiça a suspensão de estudos da Funai para a demarcação de
terras indígenas no Paraná. Este ato foi divulgado pela mídia como “uma
intervenção de Dilma na Funai” e agradou bastante a ala ruralista um dia antes
da ministra Gleisi ir “se explicar” no parlamento sobre a demarcação de terras
indígenas neste governo, atendendo a convocação da bancada ruralista.[...]
Coincidência
ou não, a ministra Gleisi, um dia após pedir a suspensão das demarcações no
Paraná, compareceu à audiência pública dos ruralistas, com as “boas” notícias
sobre a efetivação de um novo marco regulatório para as demarcações de terras
indígenas até o mês de junho. Na prática significa, em um primeiro momento, o
esvaziamento e desmonte completo da Funai.
A
tragédia vai além
[...]
“Esta audiência pública é um divisor de águas e tem como objetivo a suspensão
de todas as demarcações. Não há alternativa”, afirmou de modo bastante nervoso
o deputado Vilson Covatti (PP/SC), conhecido detrator dos povos indígenas e de
seus aliados, imputando falsas acusações e respondendo a processos por tais
atitudes em seu estado de origem.
A
instalação da Comissão Especial sobre a PEC 215, que passa para o Legislativo a
prerrogativa de definir as demarcações de terras indígenas, e a vigência da
Portaria 303, que estende as condicionantes da demarcação da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol para todas as terras indígenas do Brasil, também foram
temas recorrentes e exigências apresentadas pelos ruralistas. Em relação a esta
Portaria, o Advogado Geral da União (AGU), ministro Luís Inácio Adams, também
assumindo claramente de que lado está, afirmou que “quanto mais rápido for o
julgamento dela, maior clareza e certeza teremos em relação às condicionantes,
que estão absolutas corretas em seu mérito[...]”.
Não
satisfeitos com a série de ataques orquestrados contra os povos indígenas, os
parlamentares ruralistas ainda demandaram a instalação da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) da Funai, proposta recebida com aplausos pela claque formada
pelos latifundiários vindos do Paraná, Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
No total, segundo os próprios deputados, cerca de 1.100 representantes dos
fazendeiros foram trazidos destes estados para pressionar o governo federal.
Por
outro lado, 50 indígenas estiveram na audiência. Com o plenário tomado pelos
ruralistas, que ultrapassavam em muito o número de 50 representantes acordado
com a presidência da Câmara, os indígenas demonstraram força e coragem. De
forma altiva, deixaram seu recado – apesar da censura imposta pelos ruralistas.
Após cerca de duas horas, com gritos de “aqui é casa de ruralista e não de
índio”, contra as manifestações preconceituosas dos deputados e da claque
ruralista.
Os
pequenos usados pelos grandes
O
deputado Dionilso Marcon (PT-RS) alertou para a necessidade de explicitar o
jogo armado pela bancada ruralista que, segundo ele, nunca se manifesta em
nenhuma ação concreta para ajudar os índios que estão em situação de miséria.
“O que me entristece é ver os pequenos agricultores e os quilombolas sendo
colocados contra os índios. Os coronéis se escondem e estão usando os pequenos
para atingir os seus objetivos”, afirmou. [...]
Já
o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que para discutir questões indígenas
importantes, como a PEC 215, era “fundamental que caciques indígenas estivessem
na mesa, já que os caciques do agronegócio, como a senadora Kátia Abreu
(PSD/TO) e o deputado Homero Pereira (PSD/MT), compuseram a mesa da audiência”.
[...] “A Funai virou a Geni. Os índios não são responsáveis pelos problemas que
estão ocorrendo. Eles são vítimas. Há 100 milhões de hectares na mão de
proprietários particulares, e mesmo assim, não se discute a reforma agrária e o
sistema fundiário. As soluções são complexas e não podem ser encaminhadas
somente para beneficiar o agronegócio, sojeiros e madeireiros ”, afirmou
Valente. Em relação à CPI da Funai, ele afirmou que até a assinaria desde que
ela analisasse as atrocidades e violências cometidas contra os povos indígenas
relatadas pelo recém descoberto Relatório Figueiredo, realizado pela ditadura
militar em 1967. “Dois mil indígenas Waimiri-Atroari desapareceram na
Amazônia”, exemplificou.[...]
No
lugar errado, na hora errada? Ou muito pelo contrário...
O
deputado Sarney Filho (PV/MA) fez a última fala da audiência e afirmou que quem
deveria estar naquela sessão respondendo às questões relativas à Funai era o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já que esta instituição indigenista
é vinculada ao seu ministério. “Com todo respeito, ministra, a Casa Civil não
tem nenhuma atribuição constitucional para discutir as questões indígenas”,
declarou ele, que defendeu o quadro qualificado da Funai e a sua atuação. “O
Congresso quer promover um retrocesso na legislação. Trata-se de uma manobra
para não se criar mais nenhuma terra indígena”, concluiu ele.
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