Cortador de cana-de-açúcar, doutor da USP e professor em psicologia social na PUC: entrevista com José Agnaldo Gomes




 
Parabéns José Agnaldo e gratidão aos seus benfeitores D. Luciano de Almeida Mendes, que te conseguiu uma bolsa integral na Universidade S. Judas, D. Cláudio Hummes que deu um empurrão na PUC, quando a sua bolsa de Mestrado não foi para frente, e a D. Bernardo Johannes Bahlmann, que te proporcionou um estágio na Alemanha, para aprender alemão, que serviu para entrar na USP. Continue lutando por um mundo justo de iguais!

 

A seguir alguns trechos das “Considerações Finais da tese de Agnaldo:

 

    
      Ao percorrer o canavial vinte anos depois da minha primeira passagem por ele, cheguei em casa fisicamente exausto, porém cientificamente mais informado para transformar no banco da vida minhas diárias em renda flexível, e na banca acadêmica meu diário em prestação de contas. Já não seria mais capaz de cortar as 12 toneladas de cana-de-açúcar por dia. Aprendi a fazer outros cortes para enfrentar o canavial da vida. Com o facão da Teoria Crítica procurei fazer cortes na história brasileira e na realidade do mundo, nas aparências e nas racionalidades, nas ideologias e nos interesses.

          Não se trata de cortes cartesianos da realidade que separam a verdade da mentira e a “vida correta” da “vida falsa”. As ponderações, sobre a possível escolha dos próprios canavieiros entre “exclusão”, “acomodação” e “transformação” se revelaram tipológicas. No canavial “como realidade e metáfora”, com suas dimensões sistêmicas e vivenciais, se entrelaçam e se sobrepõem em combinações dialéticas sem fim. Tenho mais claro por mim que a “vida correta” e a “vida falsa” são inseparáveis. A cada dia procuro aceitar a ambivalência da vida, do canavial e do canavieiro e, ao mesmo tempo, lutar contra essa ambivalência em sua forma de racionalidade mutilada e vida degradada. Escrever é uma forma de lutar contra a vida falsa, programada, burocratizada, unidimensional e colonizada. Nossos cortes não são tão certeiros que nos impeçam de permanecer devedores diante dos enigmas da realidade e da ciência. Fazemos parte da realidade mutilada que queremos desvendar.

          Resta perguntar se a saída do canavial de Cosmópolis paulistano e cidade-universo é fatalmente uma saída para um reencontro com o mesmo ou para a terra de ninguém. O fato de não haver saídas sistêmicas por falta daquele ponto arquimédico fora do sistema não significa o fim da História. Nem a luz messiânica de Adorno, que clama por redenção e proíbe fazer imagens do futuro, nem o universalismo kantiano de Habermas, que procura dissolver os problemas em prolegômenos infinitos...

          O sofrimento mantém acesa a tocha de restos do imaginário que resistem em nós contra a submissão e o consentimento do “sim senhor”. Esse imaginário permite constelar os fragmentos em configurações sociais novas, óbvias: a coincidência do real com o racional. Numa dessas configurações será devolvida à máquina seu significado original de meio auxiliar do trabalhador e não de seu concorrente eliminatório. Isso trará uma mudança que afetará profundamente todo o projeto civilizatório: os meios desvirtuados em fins se tornariam novamente meios. A desconstrução do trabalho penoso pode ser ponto de partida para que sejam repensados os fins do projeto civilizatório. Sentado na minha colina, parece que comecei a cochilar e a sonhar.

          Vejo os canavieiros na minha frente, cuja permanência no canavial não é opção, mas necessidade. A necessidade assumiu o papel da irracionalidade e está permanentemente empenhada na expulsão da racionalidade da vida social.

          Estou descendo da minha colina. Jogo um aceno discreto aos cortadores de cana. O sol já está forte. Adeus canavieiros e canavieiras! Sua luta pelo pão é o primeiro passo de uma longa caminhada. Este “pan del mañana, para todas las bocas, sagrado y consagrado [...] sera el producto de la más larga y de la más dura lucha humana” (Pablo Neruda).

Um comentário:

  1. vi o seu trabalho na televisão, oque me despertou interesse foi que voce foi cortador de cana na cidade de Cosmópolis pois é a cidade em que eu vivo. Parabeniso pelo seu sucesso de boia fria a professor univercitario é grandioso

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