O bombardeio desta noite |
O Irã, importante aliado do
presidente sírio, Bashar al-Assad e arqui-inimigo de Israel, conclamou os
Estados da região a resistir à investida israelense. Segundo a Agência
Reuters/Damasco, a operação atingiu mísseis iranianos a caminho do grupo
libanês Hezbollah, que também tinham sido alvo dos outros dois ataques
israelenses este ano. No Líbano, o Hezbollah não quis fazer comentários de
imediato. A mídia estatal da Síria afirmou que o ataque de Israel foi uma
resposta aos recentes sucessos das forças de Assad contra os rebeldes que, com
o apoio de países ocidentais, vêm tentando há dois anos derrubar o presidente
sírio.
Neste contexto, confira a
entrevista que Adriana Carranca (O.E.d.S.P.) fez com o médico Paul McMaster (70).
Ele cruzou as montanhas da fronteira com a Turquia à noite, arrastando-se
"como um crocodilo", e entrou secretamente na Síria para dar apoio à
equipe em um centro cirúrgico improvisado no subterrâneo de uma caverna.
Qual a
situação na Síria?
Paul
McMaster: (Ele mostra a foto de uma sala de cirurgia no que parece ser um
subterrâneo com teto e paredes de terra). Este era um hospital de campanha
improvisado dentro de uma caverna, muito próximo de um dos palcos da guerra
(possivelmente Alepo). Nós saímos desse lugar em dezembro, pois senti que
estava muito perigoso. Havia bombardeios constantes e próximos. Quando as
bombas caíam, as lâmpadas balançavam, partes do teto ruíam. Eu sabia que era uma
questão de tempo. Então, mudamos para outro lugar, uma fazenda, e improvisamos
o hospital ali. Três semanas depois, o antigo local foi bombardeado e
completamente destruído. Teríamos morrido todos!
Como o senhor
e suas equipes chegaram às áreas de conflito?
Paul
McMaster: Atravessamos as montanhas à noite, nos arrastando como crocodilos.
Você vai até um ponto de travessia na fronteira com a Turquia, vence a cerca de
arame farpado e um jovem guia (partidários dos rebeldes ou que ajudam
estrangeiros a entrar no país por dinheiro) se oferece para carregar sua
mochila, acende um cigarro e some na montanha. Você só precisa segui-lo. É
assim que estamos conseguindo colocar nossas equipes dentro da Síria. Mas, dos
médicos, eles não cobram, só de jornalistas (risos).
Há sinal do
governo sírio sobre o acesso à ajuda humanitária?
Paul
McMaster: Se quer saber se temos autorização para operar na Síria, não, não
temos! Bombardearam o meu hospital! Aquilo foi uma mensagem muito clara (do
governo sírio).
Onde as
equipes operam?
Paul
McMaster: Estamos operando 3 hospitais de campanha no noroeste do país, não
posso revelar o local exato. Mas precisamos de mais gente e suplementos. O
conflito se expandiu para o sul, de Alepo a Homs, de Damasco até Dera. Toda
essa faixa do oeste do país, na fronteira com a Turquia, Líbano e Jordânia,
está em conflito. Estamos fazendo de tudo para chegar ao sul. Nosso temor é o
de que a situação seja ainda pior onde não temos acesso.
Quais são as
condições nos hospitais de campanha?
Paul McMaster:
Não estão em grandes tendas, como os que temos no Haiti ou Afeganistão. Na
Síria, temos de montar os hospitais subterrâneos, onde nossos cirurgiões podem
operar em relativa segurança. E estão lotados, inundados de sangue. Tivemos
dificuldades de recrutar médicos, as enfermeiras são pessoas das redondezas que
vieram oferecer ajuda e nós as treinamos. A segurança limita nossos passos e a
chegada do material. Então, o que estamos fazendo na Síria é o atendimento
clássico de guerra: gerenciar o desastre com recursos limitados. Não podemos
ter uma UTI numa caverna, não temos banco de sangue suficiente, o que podemos
fazer são cirurgias emergenciais que salvam vidas.
Quando o sr.
fala em atendimento clássico de guerra com recursos limitados, está dizendo que
precisa fazer escolhas?
Paul
McMaster: Sim, existe uma triagem... Esse é o tipo da coisa que temos de fazer
num cenário de guerra. Você tem os que podem esperar - com fraturas, ferimentos
que não precisam de cirurgia - e os que estão em estado gravíssimo. Se focarmos
nestes, a equipe não faz mais nada. É o grupo do meio que você trata. Aqueles
com ferimentos sérios, que precisam de uma cirurgia que vai durar uma hora, uma
hora e meia e podemos atender outro e o próximo. A ética é a do maior benefício
para o maior número de pessoas. Em São Paulo ou em Londres você trabalha com o
principio igualitário: o que quer que um paciente precise, deve-se atender. No
cenário de uma guerra, quando uma bomba explode e os feridos estão chegando,
isso não é possível, e alguém tem de fazer essa escolha.
O sr. se
lembra quando teve de fazer essa escolha pela primeira vez?
Paul
McMaster: Sim. Somália... Eu me lembro bem. Sempre me lembrarei. Houve uma
grande explosão a bomba em Kismaayo, no sul da Somália, e cinco crianças estavam
entre as vítimas. Tínhamos cerca de 40 ou 45 feridos, quase todos graves,
muitas amputações. Eu tive de decidir que duas das crianças nós não tentaríamos
salvar, porque os ferimentos eram tão severos que consumiriam recursos e tempo
de cirurgia com os quais poderíamos salvar mais vidas. Tenho três netos e essa
é uma escolha muito dura a fazer. (Ele faz um longo silêncio). Parte do meu
trabalho para a MSF agora é preparar médicos para enfrentar esse tipo de
situação no campo.
Como é a
situação dos refugiados?
Paul
McMaster: Há 1,5 milhão de refugiados em campos na Turquia, Líbano, Jordânia e
um pouco no Iraque, segundo a ONU. Nos últimos 4 ou 5 meses, o número aumentou
muito e esses países já não conseguem absorvê-los. Desde dezembro, temos
recebido um número crescente de feridos vindos do sul da Síria - 300 por mês
estão chegando à Jordânia! E não estamos falando de soldados. Mais de 70% das
pessoas que tratamos são civis feridos ou pessoas com sérias necessidades
médicas, como diabéticos, que estão sem medicamentos.
Pelas
condições dos feridos que chegam à Jordânia, o que o sr. pode dizer sobre o que
está ocorrendo no sul da Síria?
Paul
McMaster: Estamos vendo ferimentos a bomba e ferimentos de artilharia. Veja,
sou um simples médico, não posso comentar, tenho de ser neutros e imparcial...
Mas isso é uma guerra civil completa e de larga escala! No campo, testemunhamos
helicópteros M25 despejarem bombas de cacho (ele faz um gesto com as mãos,
mostrando como o artefato explode em diferentes direções) e elas provocam
destruição em massa. Você se sente esmagado por isso.
Entre os
refugiados, quanto estão seriamente feridos?
Paul
McMaster: A maioria. Eu diria cerca de 80 a 85% dos casos são severos. E estes
são os que conseguem chegar. Muitos não podem se mover, têm ferimentos e
fraturas múltiplas graves, e ficam para trás, assim como os velhos e as
crianças, encolhidos de medo. As ambulâncias muitas vezes chegam trazendo só
corpos. O transporte é feito por organizações sírias ou informalmente. Na
fronteira, têm de esperar por escolta da polícia local e muitos morrem no
caminho. Estamos em negociação com o Ministério da Saúde da Jordânia para
colocar um hospital cirúrgico no campo de refugiados. Nossa esperança é de que,
dali, possamos encontrar uma forma de chegar ao sul da Síria. Atualmente, isso
não é possível, as autoridades sírias estão restringindo os deslocamentos
dentro do país e não é seguro.
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