Marina Silva
Cômicas e tristes são as cenas na
internet que pude ver ao vivo da reação dos deputados à "invasão
indígena" no plenário da Câmara. Às vésperas do Dia do Índio, eles
protestavam contra o projeto que põe a demarcação de suas terras sob controle do
Congresso. Um direito ancestral vira objeto de negociação política. Na
correria, alguns parlamentares tinham mais medo de suas consciências que dos
manifestantes "armados" com penas e maracás.
Havia ali uma palavra antiga, calada por
séculos de violência, tentando novamente fazer-se ouvir. Reconheço essa palavra
desde a infância na Amazônia, de onde vim. E fiquei ao lado dos poucos
deputados dispostos a ouvi-la no lugar onde a voz do povo deve ser sempre
respeitada.
Ali estávamos defendendo o direito de
dizer uma palavra nova no espaço da política, no debate das ideias, dos rumos
do Brasil e da civilização. Essa nova palavra, que vem de tribos antigas e
jovens, nas florestas e nas cidades, também está sendo abafada e impedida. No
sistema político dominante e dominado, só se permitem palavras de conformismo e
assentimento.
Alguns dos partidos que outrora elevaram
suas vozes pela democracia, agora a controlam e silenciam. Os que detêm
volumosos e nem sempre lícitos recursos do financiamento privado recusam-se a
democratizar o acesso ao financiamento público. Os que têm largo tempo para
dizer o que já é conhecido negam o acesso à mídia aos que querem anunciar o
devir. Os avaros donos da hora regateiam segundos.
Qual o motivo dessa regressão? Repetem-se
o ocultamento e a transferência, como diante dos índios. Muitos políticos têm
medo de sua própria origem. O pragmatismo estagnado teme o sonho renovador.
Para controlar, alega-se que novos
partidos podem ser siglas de aluguel e vender seu tempo de propaganda. A
pergunta é inevitável: quem aluga siglas e quem compra o tempo? A reforma
política, que deveria ser um aperfeiçoamento da democracia, reduz-se a uma
reserva de mercado: restringe a oferta dos possíveis vendedores sem tocar no
poder de demanda dos compradores.
As novas palavras não estão à venda, elas
brotam de uma vontade profunda e legítima. Na raiz da crise de nossa
civilização está uma dificuldade de ouvir a voz da natureza. Os desafios que
enfrentamos só podem ser superados por uma democracia plena.
Os colonizadores usaram espelhos para
atrair os índios e vencer sua resistência. Recebamos os fragmentos que eles
agora devolvem. Muitos deputados não se enxergaram nos cacos. Talvez no Senado,
onde a experiência proporciona mais consciência da autoimagem, os defensores da
democracia possam refletir o zelo que por ela tiveram um dia.
[fonte: F.d.S.P, p. A2, 19/04/2013]
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