Tunísia
Sob o lema "Dignidade", um
dos suportes da revolução tunisina que desencadeou a “Primavera Árabe”, o 13º
Fórum Social Mundial juntou (na última semana de março) cerca de 70 mil
participantes em Túnis, representando mais de 120 países dos cinco continentes.
Confira partes da entrevista com Luiz
Carlos Susin.
Luiz Carlos Susin – Em Dakar tivemos
uma boa recepção do governo da cidade, mas na última hora o governo do país
retirou o apoio ao não disponibilizar a universidade como espaço de realização
e instalou um caos logístico. E os universitários tiveram que prestar exames
justamente na semana do Fórum! Foi uma perda muito grande. [...] Já em Túnis
houve um apoio maciço, uma participação de jovens universitários, de movimentos
da região árabe, de mulheres com participação intensa.
Quanto ao Fórum Mundial de Teologia
e Libertação, que veio acontecendo sempre junto do Fórum Social Mundial, ganhou
uma estruturação diferente: tornou-se uma delegação. É que as avaliações
anteriores mostravam que havia certo paralelismo, e era necessário entrosar de
forma mais completa o Fórum de Teologia ao Fórum Social, pois o que sempre se
pretendeu foi buscar no ambiente do Fórum um contexto de inspiração teológica
assim como colaborar com ele oferecendo a reflexão teológica. Então dessa vez
radicalizamos: reunimo-nos um dia antes para uma preparação presencial, depois
de um processo de preparação por internet, e nesse dia traçamos nossas
estratégias de participação. Dentro do Fórum Social oferecemos oficinas e
participamos como membros de mesa em oficinas (workshops) de outros, alguns em
parceria. Além disso, conforme os eixos de reflexão que temos, buscamos e
aproveitamos outras atividades que foram oferecidas. Cada final de dia fazíamos
reunião de avaliação com perspectivas para nosso trabalho. Realizamos uma
avaliação global ao encerrar, traçando os passos seguintes, sobretudo de
produção teológica.
IHU On-Line – Qual foi a
especificidade do 13º Fórum Social Mundial realizado na Tunísia? Entre os
temas, discutiu-se a questão da dignidade humana, a soberania dos povos e o
futuro dos movimentos sociais. Como esses temas foram relacionados?
Luiz Carlos Susin – A palavra-chave
que se incrustou no Fórum, vinda justamente da revolução começada na Tunísia
dois anos antes, foi a palavra “dignidade”. Ela estava inscrita por toda parte.
De certa forma é uma direção para o lema do Fórum – “Outro mundo é possível” –,
pois se trata de um mundo onde reine a dignidade: das mulheres, das minorias,
no exercício da política, no respeito à diversidade etc. É algo muito
inspirador, e que tem uma grande tradição na história do reconhecimento do que
seja realmente humano. Há discussões que são recorrentes, mas que ganharam novo
contexto, como, por exemplo, a relação entre movimentos sociais e políticas de
governo. Quando os movimentos conseguem uma mudança de governo em direção a uma
maior democracia, devem participar dele para que se mantenha e se consolide? Ou
deve ficar em posição livre e crítica para que o governo tenha uma interlocução
válida? Há boas razões para ambas as tendências.
[...]
IHU On-Line – Quais foram os temas
teológicos mais candentes que emergiram do Fórum Mundial de Teologia e Libertação?
Quais as tendências teológicas apresentadas?
Luiz Carlos Susin – Nós fomos
estreitando os eixos de oito para três áreas que interessavam mais no ambiente
da primavera árabe: 1) a relação entre religião e política democrática; 2) a
relação entre gênero, democracia e religião; e 3) a construção de processos de
paz no mundo pluralista contemporâneo.
Luiz Carlos Susin – Em Túnis, dadas
as circunstâncias da Primavera Árabe e da revolução da dignidade, o próprio
Fórum Social Mundial abrigou muitos debates sobre a relação entre religião e
política democrática. E quando se fala de democracia, faz-se necessário falar
de reconhecimento, respeito, liberdade, inclusive de consciência e de religião.
Por outro lado, é impossível pensar uma boa democracia sem amplos consensos,
sem somar energias. Portanto, do ponto de vista da religião, tivemos diálogos
entre muçulmanos e cristãos em torno de assuntos como a igualdade de gênero, a
liberdade de consciência, a relação com a tradição religiosa, o diálogo de
religiões. No espaço do Fórum Social Mundial tivemos experiência de rezar,
cantar e dançar juntos, gente de diferentes tradições religiosas. Isso é também
uma mútua contribuição!
Declaração da Assembleia dos
Movimentos Sociais do Fórum Social Mundial 2013
A tradicional Assembleia dos
Movimentos Sociais que acontece em todas as edições do Fórum publicou uma
declaração, espécie de documento final do encontro.
Eis a declaração.
Nós, reunidas e reunidos na
Assembleia de Movimentos Sociais, realizada em Túnis durante o Fórum Social
Mundial 2013, afirmamos o contributo fundamental dos povos do Magreb-Maxereque
(desde a África do Norte até o Médio Oriente) na construção da civilização
humana. Afirmamos que a descolonização dos povos oprimidos é um grande reto
para os movimentos sociais do mundo inteiro.
No processo do FSM, a Assembleia dos
Movimentos Sociais é o espaço onde nos reunimos em toda a nossa diversidade
para juntos construirmos agendas e lutas comuns contra o capitalismo, o
patriarcado, o racismo e todo o tipo de discriminação e opressão. Temos
construído uma história e um trabalho comum que permitiu alguns avanços,
particularmente na América Latina, onde conseguimos travar alianças neoliberais
e concretizar alternativas para um desenvolvimento socialmente justo e
respeitador da natureza.
Juntos, os povos de todos os continentes
conduzem lutas para se oporem com grande energia à dominação do capital,
escondida por trás da promessa do progresso econômico e da aparente
estabilidade política.
Agora, encontramo-nos numa
encruzilhada onde as forças conservadoras e retrógradas querem parar os
processos iniciados há dois anos com a sublevação popular na região do
Maghreb-Maxereque, que ajudou a derrubar ditaduras e a enfrentar o sistema
neoliberal imposto sobre os povos. Estas revoltas contagiaram todos os
continentes do mundo, gerando processos de indignação e de ocupação das praças
públicas.
Os povos de todo o mundo sofrem hoje
os efeitos do agravamento de uma profunda crise do capitalismo, na qual os seus
agentes (bancos, multinacionais, grupos mediáticos, instituições internacionais
e governos cúmplices do neoliberalismo) procuram potenciar os seus lucros à
custa de uma política intervencionista e neocolonialista.
Guerras, ocupações militares,
tratados neoliberais de livre comércio e “medidas de austeridade” traduzidas em
pacotes econômicos que privatizam os bens comuns e os serviços públicos, cortam
salários, reduzem direitos, multiplicam o desemprego, aumentam a sobrecarga das
mulheres no trabalho de assistência e destroem a natureza.
Estas políticas afetam mais
intensamente os países mais ricos do Norte, aumentam as migrações, as
deslocações forçadas, os despejos, o endividamento, e as desigualdades sociais
como na Grécia, Chipre, Portugal, Itália, Irlanda e no Estado Espanhol. Elas
reforçam o conservadorismo e o controlo sobre o corpo e a vida das mulheres.
Além disso, tentam impor-nos a “economia verde” como solução para a crise
ambiental e alimentar, o que além de agravar o problema, resulta na
mercantilização, privatização e financeirização da vida e da natureza.
Denunciamos a intensificação da repressão aos povos em rebeldia, o assassinato das lideranças dos movimentos sociais, a criminalização das nossas lutas e das nossas propostas. Afirmamos que os povos não devem continuar a pagar por esta crise sistêmica e que não há saída dentro do sistema capitalista! Aqui em Túnis, reafirmamos o nosso compromisso com a construção de uma estratégia comum para derrocar o capitalismo. Por isso, lutamos:
Contra as multinacionais e o sistema financeiro (o FMI, o BM e a OMC), principais agentes do sistema capitalista, que privatizam a vida, os serviços públicos, e os bens comuns, como o água, o ar, a terra, as sementes, e os recursos minerais, promovem as guerras e violações dos direitos humanos. As multinacionais reproduzem práticas extrativistas insustentáveis para a vida, monopolizaram as nossas terras e desenvolvem alimentos transgênicos que nos tiram o direito à alimentação e eliminam a biodiversidade.
- Lutamos pela anulação da dívida
ilegítima e odiosa que hoje é instrumento de repressão e asfixia econômica e
financeira dos povos. Recusamos os tratados de livre comércio que as
multinacionais nos impõem e afirmamos que é possível construir uma integração
de outro tipo, a partir do povo e para os povos, baseada na solidariedade e na
livre circulação dos seres humanos.
- Pela justiça climática e a soberania
alimentar, porque sabemos que o aquecimento global é resultado do sistema
capitalista de produção, distribuição e consumo. As multinacionais, as
instituições financeiras internacionais e os governos ao seu serviço não querem
reduzir as suas emissões de gases de efeito de estufa. Denunciamos a “economia
verde” e recusamos todas as falsas soluções à crise climática como os
agrocombustíveis, os transgênicos, a geoengenharia e os mecanismos de mercado
de carbono, como REDD, que iludem as populações empobrecidas com o progresso,
enquanto lhes privatizam e mercantilizam os bosques e territórios onde viveram
milhares de anos.
- Defendemos a soberania alimentar e a
agricultura camponesa, que é uma solução real para a crise alimentar e
climática e significa também acesso à terra para a gente que a vive e a
trabalha. Por isso apelamos a uma grande mobilização para travar o
açambarcamento de terras e apoiar as lutas camponesas locais.
- Contra a violência para as mulheres,
que é exercida com regularidade nos territórios ocupados militarmente, mas
também contra a violência que sofrem as mulheres quando são criminalizadas por
participar ativamente nas lutas sociais. Lutamos contra a violência doméstica e
sexual que é exercida sobre elas quando são consideradas como objetos ou
mercadorias, quando a soberania sobre os seus corpos e a sua espiritualidade
não é reconhecida. Lutamos contra o tráfico de mulheres, meninas e meninos.
Defendemos a diversidade sexual, o direito a autodeterminação de gênero, e
lutamos contra a homofobia e a violência sexista.
- Pela paz e contra a guerra, o
colonialismo, as ocupações e a militarização dos nossos territórios.
Denunciamos o falso discurso em defesa dos direitos humanos e da luta contra os
integrismos, que muitas vezes justifica ocupações militares por potências
imperialistas como no Haiti, Líbia, Mali e Síria. Defendemos o direito dos
povos à sua autodeterminação e à sua soberania, como na Palestina, Sahara
Ocidental e Curdistão.
- Denunciamos a instalação de bases
militares estrangeiras nos nossos territórios, utilizadas para fomentar
conflitos, controlar e saquear os recursos naturais e promover ditaduras em
vários países. Lutamos pela liberdade de nos organizarmos em sindicatos,
movimentos sociais, associações e todas as outras formas de resistência
pacífica. Vamos fortalecer as nossas ferramentas de solidariedade entre os
povos, como a iniciativa de boicote, desinvestimento e sanções para Israel e a
luta contra a OTAN e pela eliminação de todas as armas nucleares.
- Pela democratização dos meios de
comunicação de massa e pela construção de media alternativos, fundamentais para
inverter a lógica capitalista.
Inspirados na história das nossas
lutas e na força renovadora do povo em rebeldia, a Assembleia dos Movimentos
Sociais convoca todas e todos a desenvolverem ações coordenadas a nível mundial
numa jornada mundial de mobilização (em data a definir).
Movimentos sociais de todo mundo,
avancemos para a unidade a nível mundial para derrotar o sistema capitalista! Basta de exploração, basta de
patriarcado, racismo e colonialismo! Viva a revolução!
Viva a luta de todos os povos!
Nenhum comentário:
Postar um comentário