Do canteiro de obras de Belo Monte, Vitória do Xingu, 140 indígenas do povo Munduruku, escreveram um Documento de advertência, de protesto e de desespero decidido antes de partir para Brasília onde defendem nas instâncias políticas e jurídicas seu território no Tapajós, onde há planos do governo de construir sete hidrelétricas que atingem seu território. Os Munduruku falam pelo mundo indígena ameaçado e ferido pelas forças de repressão do governo.
Nós não
fizemos um acordo com vocês. Nós aceitamos a reunião em Brasília porque, quanto
mais nós dizíamos que não sairíamos de lá, mais policiais vocês mandavam para o
canteiro de obras. E no mesmo dia em que seríamos tirados à força pela sua
polícia, vocês mataram um parente Terena no Mato Grosso do Sul. Então nós
decidimos que não queríamos outro morto. Nós evitamos uma tragédia, vocês não.
Vocês não evitam tragédias, vocês executam.
Terena Oziel Gabriel assassinado pelas forças governamentais de repressão |
Viemos aqui
falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para evitar: a perda do
nosso território e da nossa vida. Nós não viemos negociar com vocês, porque não
se negocia nem território nem vida. Nós somos contra a construção de barragens
que matam a terra indígena, porque elas matam a cultura quando matam o peixe e
afogam a terra. E isso mata a gente sem precisar de arma. Vocês continuam
matando muito. Vocês simplesmente matam muito. Vocês já mataram demais, faz 513
anos.
A dor do filho |
Não viemos
conversar só sobre uma barragem no Tapajós, como vocês estão falando na
imprensa. Nós viemos a Brasília exigir a suspensão dos estudos e das obras de
barragem nos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires. Vocês não estão falando apenas
com o povo Munduruku. Vocês estão falando com os Xipaya, Kayapó, Arara,
Tupinambá e com todos os povos que estão juntos nessa luta, porque essa é uma
luta grande e de todos.
Nós não
trouxemos listas de pedidos. Nós somos contra as barragens. Exigimos o
compromisso do governo federal em consultar e garantir o direito a veto a
projetos que destroem a gente.
Mas não.
Vocês atropelam tudo e fazem o que querem. E para isso, vocês fazem de tudo
para dividir os povos indígenas. Nós viemos aqui dizer para vocês pararem,
porque nós vamos resistir juntos e unidos. Estamos reunidos há 35 dias em
Altamira, e por 17 dias nós ocupamos a principal hidrelétrica que vocês estão
construindo. Junto dessa carta nós estamos mandando todas as cartas das duas
ocupações que realizamos. Leiam tudo com atenção para entender nosso movimento.
E assim respeitá-lo, o que vocês não fizeram até hoje.
O
desrespeito não vem só nas palavras. Vem na ação de vocês.
Na região
da Volta Grande do Xingu, tudo está sendo destruído e virado de cabeça para
baixo, desde que vocês liberaram a construção da barragem Belo Monte. Todos
estão muito tristes e apenas os ricos ficaram bem. Os parentes brigaram muito.
Até os trabalhadores da obra sofrem.
No Tapajós
e Teles Pires, vocês estão começando agora, mas já nos desrespeitaram muito.
Em agosto
de 2012, os seus pesquisadores começaram a invadir nossas terras e pegar nossos
animais e plantas e contar hectares e medir a água e furar nossa terra.
Em outubro,
a Funai e a Eletrobrás disseram em reunião que as barragens iriam sair de
qualquer jeito, com nós querendo ou não querendo. E que colocariam força
policial na nossa terra se fosse necessário.
Em
novembro, a polícia federal atacou e destruiu a aldeia Teles Pires, onde somos
todos contra as barragens. Adenilson Munduruku foi assassinado com três tiros e
outros 19 indígenas foram feridos. No final do mês nós fomos a Brasília
denunciar a operação da polícia ao Ministério da Justiça, Funai e Secretaria
Geral da Presidência da República. Também fomos ao Ministério Público Federal.
Em janeiro
de 2013, fizemos uma grande assembleia Munduruku na aldeia Sai Cinza, onde foi
entregue ao funcionário da Secretaria Geral da Presidência da República um
documento com 33 pontos de reivindicação.
No mês
seguinte, nós fomos novamente à Brasília exigir alguma resposta da Secretaria
Geral da Presidência sobre os 33 pontos. Conseguimos encontrar o ministro, mas
ele ignorou nossas reivindicações e tentou fazer com que nós assinássemos um
documento aceitando as hidrelétricas do rio Tapajós.
Índios choram a morte de Ociel |
Para
garantir à força os estudos das barragens, em março de 2013, o governo baixa um
decreto que autoriza a entrada das tropas policiais em nossas terras. Um dia
depois nossas aldeias foram invadidas por pelotões de policiais.
No Teles
Pires, foram encontrados ossos de parentes, muito antigos. Vocês estão
destruindo um lugar sagrado.
Nós não
pudemos aceitar mais isso. Por isso, ocupamos seu canteiro trazendo nossa
reivindicação, exigindo do governo o compromisso em respeitar os povos
originários desse país, em respeitar nosso direito à terra e à vida. Ou, pelo
menos, respeitar a sua própria lei – a Constituição e os tratados
internacionais que vocês assinam. Mas vocês querem destruir as leis que
protegem nós, povos indígenas, com outras leis e decretos novos. Vocês querem
legalizar destruição.
E, agora,
chegamos aqui com vocês. Esperando que afinal vocês nos ouçam, ao invés de
ouvir aqueles que pagam suas campanhas.
Ainda que
vocês não estejam dispostos a aprender a ouvir, nós estamos dispostos a
ensinar.
Brasília, 4 de junho 2013
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