Morreu nesta terça-feira (11),
em São Paulo, o historiador e militante comunista Jacob Gorender. Nascido em
Salvador, em 1923, Jacob escreveu livros como de "O escravismo
colonial" e "Combate nas trevas", sobre a resistência à ditadura
militar. Em 1970 foi prisioneiro político do DOI-Codi, onde foi torturado. Foi traído pelas organizações que, aparentemente, amparavam seus ideais, mas Gorender permaneceu um destes imprescindíveis da espécie humana que nunca traiu seu ideais.
de Eugênio
Bucci
[jornalista
e professor da Eca-Usp e da Espm,
em O E.d.S.P. 13.06.2013]
Morreu nesta terça-feira (11.06.),
aos 90 anos, o militante comunista, historiador e intelectual Jacob Gorender. A
voz aguda, contida, quase delicada, não denunciava a fortaleza moral e o texto
destemido que marcaram seu caráter. Gorender não se dobrou a nada - não se
dobrou ao dinheiro, não se dobrou à pobreza, não se dobrou às chantagens
psicológicas dos camaradas patrulheiros, não se dobrou à força bruta. É desses
que deixam por biografia uma linha reta e austera. Seguiu seu próprio
pensamento, seu próprio juízo, e nos legou uma obra essencial.
Em 1990, ele concedeu a Alípio
Freire e a Paulo de Tarso Venceslau uma entrevista que publicamos com destaque
na Teoria & Debate. Num trecho particularmente saboroso de seu depoimento,
Gorender contou um caso que ilustra muito bem a idolatria da mentalidade que
vicejava em certos ambientes comunistas. Na década de 50, fora enviado pelo
Partido Comunista à União Soviética (PCUS) para integrar um programa de estudos
marxistas. Estava em Moscou quando a cúpula bolchevique começou a revelar os
chamados "crimes de Stalin", que dariam o tom dos debates no 20.º
Congresso do PCUS, em 1956. Em reação àquelas denúncias, facções de stalinistas
começaram a negar sistematicamente as barbaridades pelos próprios dirigentes
soviéticos.
Em 1967 foi expulso do PCB.
Criou o PCBR. Em 1970 foi preso e condenado a cumprir pena de dois anos. Como
tantos outros, foi torturado. Durante o encarceramento, conseguiu manter uma
atividade profissional regular, que permaneceu em segredo até muito
recentemente. De dentro de sua cela na prisão, atuou como consultor e tradutor
das coleções Os Pensadores e Os Economistas, então publicadas pela Abril
Cultural, cujo diretor era Pedro Paulo Poppovic. Dona Idealina, esposa de
Gorender, servia de intermediária. Ela saía do presídio, após visitar o marido,
carregando uma dessas sacolas que as donas de casa usavam para ir à feira,
cheia de laudas. Eram textos traduzidos do alemão ou do francês que, depois, em
páginas de livro, abasteceriam a cabeça e a imaginação dos leitores.
Naturalmente, aquele trabalho, embora remunerado, não teve crédito, posto que
era feito na clandestinidade, mas uma das edições de O Capital da Abril
Cultural, esta com o selo da coleção Os Economistas, teve a (longa) introdução
assinada por Jacob Gorender.
Quando frequentava a redação de
Teoria & Debate, ainda se dizia comunista, sem a menor hesitação, mas não
pactuava com qualquer forma de opressão do pensamento. Seguiu seu destino, em
sua linha reta. Seu livro Combate nas Trevas, de 1987, que reconstitui a saga
das organizações de esquerda se esfacelando e se reagrupando em siglas
intermináveis durante os anos de repressão mais sangrenta, inscreve-se como um
marco inaugural na tentativa, ainda inconclusa, de desvelar uma história
sombria: a história das torturas e dos assassinatos praticados por agentes
públicos contra cidadãos desarmados, imobilizados e indefesos.
Gorender encarou trevas
espessas: as do stalinismo, as da ditadura militar e as do fanatismo, do mais
comezinho ao mais totalizante. Deixa uma herança de luz. Foi generoso e
acolhedor com aqueles que eram menores, muito menores do que ele. Foi uma prova
de que a humanidade pode ser melhor do que é. Venceu seu combate, embora ainda
haja trevas a combater.
No nos moveran - Joan Baez
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