Vem pra rua vem – O hino da revolução de Cairo e São Paulo


 

Tamim al Barghouti
O hino que jovens entoaram por dias a fio na praça Tahrir, no Cairo, surgiu como poesia pelas mãos do escritor e cientista político palestino Tamim al Barghouti, 35.
Barghouti foi anunciado como convidado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa no dia 3 de julho. Desembarcará num país diferente daquele que o convidou -- dados os últimos acontecimentos, sua experiência não soa mais tão estrangeira em território nacional.
"O aspecto mais magnífico e o mais exaustivo dessa revolução é que não possui líderes", diz, sobre os protestos no Egito, embora pudesse estar falando dos nossos. "Portanto, não pode ser derrotada, mas também não pode governar. Não podemos dizer esse é o nosso líder', fazer-lhe presidente, mas podemos dizer: Aqui estamos, aos milhões. Quem for presidente terá de responder a nós. Poderemos decidir, se necessário, nas ruas."
Não tem sido tão fácil por lá, é verdade. Eleito democraticamente há um ano, o islamita Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, enfrenta o mesmo tipo de fúria que derrubou seu antecessor, o ditador Hosni Mubarak, após duas décadas no poder. A frágil economia do país e a nova sensação de força popular fizeram com que as pessoas nunca deixassem de protestar.
Barghouti acha difícil comparar a situação no Oriente Médio com a de outros países nos quais a população também foi às ruas nos últimos anos.
 
 Barghouti responde numa entrevista a Pedro Sprejer/Globo:
 
 Como a poesia contribuiu com a Primavera Árabe, e como o movimento tornou a poesia mais popular nos países árabes?
 Uma coisa que as revoluções no mundo árabe fizeram foi que todos agora escrevem ou tentam escrever poesia, e todos querem escutá-la. Note que eu digo “escutar”, pois em nossa parte do mundo preferimos ouvir poesia do que apenas ler. A poesia também esteve presente nas revoluções árabes na maneira surpreendente como elas se organizaram. Ao contrário de revoluções com base em estruturas piramidais de partidos revolucionários clássicos ou golpes de Estado, os manifestantes que tomaram as ruas do Cairo e de Túnis não tinham qualquer central de comando ou liderança designada. [...] Nos 18 dias da revolução egípcia, os 20 milhões de egípcios nas ruas foram capazes de gerenciar a segurança, administrar os suprimentos e gerenciar a comunicação sem ter qualquer ministério constituído. E o mais importante é que eles foram capazes de gerenciar a defesa e as relações exteriores tão bem que os militares e os EUA não tiveram como manter o presidente Mubarak. A revolução em si foi, portanto, um ideal, um poema, uma proeza de imaginação capaz de derrubar a realidade concreta desprovida de imaginação instalada pelo colonialismo.
 
O seu poema “Em Jerusalém” parece evocar um sentimento de exclusão. Porque tantos se identificaram com tais versos?
 
 
 
 
Porque quase todo árabe é um palestino. E Jerusalém sempre foi a cidade que pertence àqueles que são excluídos dela, aos que não estão autorizados a chegar lá. Jerusalém é um daqueles lugares associados ao martírio, ao triunfo dos oprimidos. Os reis de Jerusalém devem ser aqueles com coroas de espinhos e não aqueles com coroas de ouro e cabeças nucleares. O problema na Palestina não está na presença de pessoas de diferentes credos, a Palestina é uma terra com um significado simbólico para muitas culturas e religiões.
O problema acontece, como sempre, quando um grupo de pessoas pensa que tem mais direitos. Qualquer homem ou mulher da fé judaica pode se tornar um cidadão de Israel, palestinos que foram expulsos de suas casas pelas forças israelenses em 1948 não estão autorizados a voltar. Se os palestinos se tornassem judeus amanhã, eles seriam autorizados a voltar. A razão pela qual eles estão em campos de refugiados é que eles parecem ter a religião errada! A exclusão dos palestinos por parte de Israel não é apenas uma ofensa contra eles, mas contra os árabes, os muçulmanos, os cristãos e todos que acreditam na igualdade humana.
 
Mais de dois anos depois, a energia da Primavera Árabe se dissipou?
 As revoluções árabes ainda podem evoluir se evitarmos uma guerra civil total entre sunitas e xiitas na Síria, Líbano e Iraque. Uma guerra financiada, armada e apoiada pelos EUA, Otan e Arábia Saudita. Com isso, seremos capazes de livrar todo o Oriente Médio da hegemonia americana. Se não fosse pela catástrofe da Síria, as revoluções árabes poderiam ter realizado seu potencial de reorganizar o equilíbrio global de poder e acelerar a transição de um sistema mundial unipolar para outro multipolar.
 
Ainda há esperança?
Acho que há. Afinal, no Iraque e na Síria, os americanos mudaram seu apoio entre sunitas e xiitas tantas vezes que hoje há pouca confiança neles. As pessoas estão se tornando cada vez mais conscientes de que esta é a clássica tática de dividir para reinar, nada de novo. Além disso, se as coisas ficarem bem no Egito, o resto da região o seguirá. As coisas não estão indo bem agora, mas vão dar certo, pois todas as condições estruturais estão lá. Você tem uma população cada vez mais engajada, ativa e consciente, e um aparato de segurança enfraquecido, que não pode oprimir em larga escala. E os EUA, que não estão em posição de impor violentamente a sua hegemonia. O Egito vai se libertar da influência americana, e junto com o Irã e a Turquia será capaz de reorganizar o Oriente Médio.

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