A Páscoa de Veva
"Os
Apyãwa fizeram questão de sepultá-la, segundo seus costumes, como se mais uma
Apyãwa tivesse morrido. Os cantos fúnebres, ritmados com os passos se
prolongaram por muito tempo... Segundo o ritual Apyãwa, Genoveva foi enterrada
dentro da casa onde morava". Antônio Canuto, secretário da coordenação
nacional da CPT, membro e fundador da Pastoral, viveu muitos anos no Mato
Grosso, próximo a Veva e a Dom Pedro Casaldáilga. Ele traz o relato emocionado
do funeral de Veva, a Irmã Genoveva, que viveu 60 anos com os Tapirapé, ou melhor,
com os Apyãwa, como eles se autodenominam. Confira:
Cheguei
hoje às 6h00 da manhã em Goiânia, vindo lá da aldeia Urubu Branco, onde estive
para os funerais de Irmãzinha Genoveva. Queria partilhar um pouquinho com vocês
do que vi e vivi.
Genoveva
na manhã da terça-feira, 24 de setembro, estava bem disposta. Tinha amassado
barro para fazer não sei bem que conserto na casa. Almoçou tranquilamente com a
irmãzinha Odile. Estavam descansando quando se queixou de dores no peito. Odile
foi logo providenciar um carro para levá-la ao hospital de Confresa. No caminho
a respiração foi ficando mais difícil. Morreu antes de chegar ao hospital.
De
volta à aldeia, consternação geral. Genoveva viu nascer quase 100% dos
Apyãwa (é assim que se autodenominavam
os Tapirapé. Assim voltam a se
autodenomiar hoje, nestes 61 anos de vida partilhada. Os Apyãwa fizeram questão
de sepultá-la, segundo seus costumes,
como se mais uma Apyãwa tivesse morrido. Os cantos fúnebres, ritmados
com os passos se prolongaram por muito tempo, durante a noite e o dia seguinte.
Muitas lamentações e choros se ouviam.
A
cova foi aberta com todo o cuidado pelos Apyãwa, acompanhada de cânticos
rituais. A uma altura de uns 40
centímetro do chão foram colocadas duas travessas, uma em cada ponta da
cova. Nestas travessas foi amarrada a rede que ficou na posição de uma rede
estendida com quem está dormindo. Por sobre as travessas foram colocadas
tábuas. Por sobre as tábuas é que foi colocada a terra. Toda a terra colocada
foi peneirada pelas mulheres, como é a tradição. No dia seguinte esta terra foi
molhada e moldada de tal forma que fica firme e espessa como a de chão batido.
Tudo acompanhado com cânticos rituais.
Em
sua rede em que todos os dias dormia, Genoveva continua o sono eterno entre
aqueles que escolheu para ser seu povo.
A
notícia da morte se espalhou pela região, pelo Brasil e pelo mundo. Agentes de Pastoral da Prelazia de São Félix
do Araguaia, os atuais e alguns antigos, amigos e admiradores do trabalho das
irmãzinhas foram chegando para a
despedida. A vice-presidenta do CIMI, irmã Emilia, com os coordenadores do
CIMI, de Cuiabá, chegaram depois de uma viagem de mais de 1.100 kms quando o
corpo já estava na cova, ainda coberto só com as tábuas. Os Apyãwa as retiraram para que os que
acabavam de chegar a vissem pela última vez em sua rede.
Os
membros da equipe pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia, junto com os
outros não indígenas, entre os cânticos rituais dos Apyãwa, foram entremeando
cânticos e depoimentos da caminhada cristã de Irmãzinha Genoveva.
Ao
final, o cacique falou que os Apyãwa estão todos muito tristes com a morte da
irmãzinha. Falando em português e apyãwa, ressaltou o respeito como eles sempre
foram tratados pelas irmãzinhas, durante estes sessenta anos de convivência.
Lembrou de que os Apyãwa devem sua sobrevivência às irmãzinhas, pois quando
elas chegaram, eles eram muito poucos e hoje chegam a quase mil pessoas.
Plantada
em território Apyãwa está Genoveva, um monumento de coerência, silêncio e
humildade, de respeito e reconhecimento do diferente, gritando como com ações
simples e pequenas é possível salvar a vida de todo um povo.
Antônio Canuto
Veva, de origem francesa, não perdeu sua identidade ao se tornar "Apyãwa". Ao contrário, o que há de mais profundo em sua vida, a sua Fé em Cristo Jesus, que lhe foi sendo revelado nos primeiros anos de sua juventude através de uma roupagem cultural européia, ela O encontrou em sua plenitude, no sacrifício, na partilha, na comunhão, no senso de humor, na generosidade e compreensão entre o povo Apyãwa.
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