"A PEC
215 que transfere ao Executivo a demarcação de terras indígenas e tantos outros
projetos tentam favorecer o uso delas pelo agronegócio", denunciam Erwin
Kräutler, bispo da prelazia do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi) e Enemésio Lazzaris, bispo da diocese de Balsas (MA) e
presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em artigo publicado no jornal
Folha de S. Paulo, 17-09-2013.
Eis o artigo.
Aos
ruralistas, seja na tribuna do Congresso Nacional ou nos jornais, não há o que
os leve mais ao descontrole do que a causa indígena.
Descontrole
expresso em uma escalada de recursos contra os direitos desses povos e de
comunidades tradicionais garantidos pela Constituição Federal, que está prestes
a completar 25 anos.
Um desses
recursos é a PEC (proposta de emenda constitucional) 215/00, que transfere a
competência da demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o
Congresso Nacional.
Essa PEC,
segundo nota técnica do Ministério Público Federal (MPF), afronta
"cláusulas pétreas da Constituição da República" e viola o núcleo
essencial de direitos fundamentais. Fere a divisão dos Poderes e anula o direito
originário à terra, sendo a demarcação ato administrativo, segundo os juristas
Carlos Frederico Marés e Dalmo de Abreu Dallari.
À PEC 215,
somam-se dezenas de outros projetos de lei, que tentam impedir o reconhecimento
de terras indígenas e favorecer o uso delas pelo agronegócio.
Nada parece
deter os ruralistas, que ostentam uma bancada de 214 deputados e 14 senadores,
com campanhas eleitorais financiadas pelo capital estrangeiro da Monsanto,
Cargill e Syngenta, além da indústria de armas e frigorífico, conforme dados da
Transparência Brasil.
O que esperar
dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais a não ser a
resistência, tal Davi contra Golias, em defesa de seus direitos?
Assim foi em
abril, quando indígenas ocuparam a Câmara dos Deputados, e assim tem sido na
retomada de terras tradicionais, com procedimentos demarcatórios paralisados
pelo Executivo.
É o caso da
terra indígena tupinambá de Olivença (BA). Seu procedimento administrativo está
encerrado desde 2009. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no entanto,
nega-se a assinar a portaria declaratória. País afora a situação é dramática.
No Mato
Grosso do Sul, a terra Kadiwéu, demarcada há cem anos e homologada há quase 40
anos, continua invadida. Relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário)
registra que, de 2003 a 2012, ocorreram no Estado 317 assassinatos de
indígenas, dos 563 ocorridos no país nesse período.
No caso da
morte de Nísio Gomes Guarani Kaiowá, o MPF apontou como mandantes ao menos seis
"produtores rurais". O confinamento às margens de rodovias ou em
minúsculas reservas levou ao suicídio, entre 2000 e 2012, de 611 indígenas,
jovens entre 14 e 25 anos, de acordo com dados do Dsei (Distrito de Saúde
Indígena).
A Apib
(Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) convoca, entre 30 de setembro e 5
de outubro, uma mobilização nacional contra a ofensiva à Constituição e aos
direitos indígenas. Cimi e CPT (Comissão Pastoral da Terra) apoiam o ato,
fundamentados nos valores do Evangelho e por dever de justiça e solidariedade a
quem tem sido espoliado de seus territórios e de seus direitos há tanto tempo.
A senadora
Kátia Abreu (PSD-TO), em coluna nesta Folha ("Causa Inconfessável",
7/9) tenta desqualificar a ação dessas pastorais taxando-as de
"ideológicas".
O
assentamento de famílias sobre terras indígenas, inclusive com a emissão de
títulos de propriedade do Estado, não nega o esbulho dos territórios.
Isso não
ocorre somente no caso de terras tradicionalmente indígenas. A senadora e
familiares foram beneficiados pelo governo do Tocantins com terras ocupadas por
posseiros. Além de atentar contra o direito à terra dos povos e de posseiros,
Kátia Abreu milita contra o direito à identidade coletiva.
A senadora
protocolou na Casa Civil pedido para que a Funai (Fundação Nacional do Índio)
paralise o processo de identificação étnica do povo Kanela do Tocantins.
Os indígenas
não estão solitários em suas mobilizações, pois a sociedade está atenta ao
escândalo do latifúndio ruralista brasileiro.
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