Cecília de Paiva, jornalista
Sem a terra garantida e reconhecida, não há 'Tekoha', o
viver bem - modo de vida indígena. "Em Mato Grosso do Sul, o que se ouve
são relatos de morte e cerceamento da liberdade". Os índios guarani kaiowá
no MS vivem em situação "comparável a um campo de confinamento. Entre a
mata ou à beira do rio, sem ter como ir e vir, chegar para falar de saúde ou
educação é impensável, porque lá, estar livre é algo pró forma, só
aparentemente. O direito mais básico é violado". Afirmações como essas
foram feitas por integrantes da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do
Ministério Público Federal, 6ª CCR, durante coletiva de imprensa dia 28 de
novembro de 2012, em Campo Grande, MS, motivada por visitas a aldeias do sul do
estado, em áreas de denúncias de violações de direitos fundamentais indígenas.
Conforme a sub-procuradora geral da República, Gilda Pereira
de Carvalho, o grupo formado por procuradores e antropólogos esteve em
Iguatemi, na aldeia Pyelito Kue, e em Paranhos, na aldeia Arroyo Corá e na
comunidade do Rio Y'Poi. Sobre essa comunidade, existe a denúncia de
envenenamento ocorrido em 14 de novembro, em que a água ficou cheia de espuma e
sem condições de uso. O caso está em investigações na Polícia Federal, porém,
foram ouvidos relatos sobre o que aconteceu, com registro de narrativas sobre a
coleta de amostra da água no mesmo dia, e da filmagem com a espuma descendo rio
abaixo. Segundo o antropólogo Marco Paulo Schettino, atualmente há um poço
aberto recentemente que atende precariamente os cerca de duzentos kaiowá
guarani do local.
Nas visitações da 6ª CCR, Gilda Pereira disse que todos são
recebidos sempre com muita emoção, com dança e canções indígenas, porém,
"se vê muito sofrimento e tem gente mais velha com marcas no corpo,
inclusive de balas. Os índios de Pyelito Kue querem acesso à estrada porque só
conseguem atravessar o rio quando amarram uma corda à outra margem, como
suporte de segurança", contou a sub-procuradora. Afirmou que, pela
violação de tantos direitos, o grupo atua também em consulta com outros atores
sociais ligados ao tema. Inclusive, durante a permanência em MS, há visitas em
órgãos representativos do Estado, entre eles, Governadoria, Ministério Público
Estadual, Ordem dos Advogados do Brasil-MS, Tribunal de Justiça, Assembleia
Legislativa, Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul. Afinal é
preciso envolver a sociedade, pois "o que os guarani kaiowá sofrem, sem os
direitos mais básicos, não há notícia igual ao que acontece em MS. O que já se
ouviu de outros estados é ínfimo. É o nível mais avassalador que se pode
imaginar", pontuou o procurador da República Emerson Siqueira, atuante na
região afetada.
Com relação às interferências sofridas pelos indígenas em
suas tradições, Gilda Pereira acredita que a espiritualidade e o modo como eles
mostram suas características é muito forte. "O indígena pode até assimilar
o modo como vivemos, mas isso é com um ou outro, não um povo inteiro, uma
nação. O que a Constituição Federal quer, e não só ela, mas tratados
internacionais, é propiciar ao índio a vivência de sua cultura. E se um ou
outro índio quiser ser diferente ou assimilar outras culturas, é também o seu
direito", exemplificou a representante do MPF, deixando clara qual a
fundamentação das análises que faz.
A 6ª CCR atua em favor dos direitos indígenas, das minorias
e da população das comunidades tradicionais, permanecendo em MS até o dia 29 de
novembro, para então apresentar relatório e recomendações necessárias sobre o
tema.
Fonte: Revista Missões
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