Primeiro Encontro Diocesano "Fé e Política" de Jundiaí, SP

TRIPÉ DA EVANGELIZAÇÃO:
PALAVRA, AÇÃO POLÍTICO-SOCIAL, CELEBRAÇÃO
Paulo Suess

     O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres (Evangelii nuntiandi, 41).
     Tudo o que tenha relação com Cristo tem relação com os pobres e tudo o que está relacionado com os pobres clama por Jesus Cristo (DAp 393).
Os sinos de Jundiaí:
convocação para "Fé e Política"
Todos os serviços prestados pela diocese, suas paróquias e comunidades à população carente da nossa sociedade em nome do Evangelho e da Igreja são serviços pastorais. Como serviços pastorais, são serviços de evangelização. A dioceses, como Igreja samaritana, evangeliza e, como toda a Igreja, precisa ser evangelizada. A articulação entre fé e política, entre a palavra, a celebração sacramental e o horizonte de sentido aponta para a dignidade de vida das pessoas como criaturas de Deus, para o cuidado com o planeta terra como obra de Deus e para a Vida em abundância, que chamamos a realização histórica e escatológica do Reino de Deus. Ao responder a duas pessoas sobre o alcance da vida eterna, Jesus esclareceu essa questão. Ao jovem rico aconselhou distribuir seus bens entre os pobres e ao doutor da Lei recomendou, na parábola do Bom Samaritano, ajudar aqueles que caíram nas mãos do ladrão.
1. Princípios
A discussão sobre a evangelização explícita e a implícita não tem data de vencimento. Ela marca tradicionalmente a relação entre dois setores pastorais da Igreja em busca de sua convergência, entre a pastoral catequético-sacramental e a pastoral social. O forte, não o monopólio, da primeira é o anúncio, e o da segunda, o testemunho e a diaconia. Ambos não são “departamentos” isolados, mas articulados no interior de uma Igreja samaritana, muito enfatizada no Documento de Aparecida (DAp): “Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana, recordando que a evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica libertação cristã” (DAp 26).
Os serviços pastorais da Igreja, a sua diaconia no anúncio da palavra como na prática de solidariedade, são seguimento do Verbo encarnado. Através de ambos os serviços entramos “na vida e na missão d´Aquele que `se aniquilou a Si mesmo, tomando a forma de servo´ (Fil 2,7)” (Ad Gentes, 24; cf. Gaudium et Spes, 32; Lumen Gentium, 8). No conjunto da ação pastoral diocesana, cada serviço é serviço pastoral que envolve uma atividade específica (moradores de rua, creche, reciclagem, vocações, confessionário), integral (material e espiritual), contextual (rua, favela, cidade, campo) e universal. Universal quer dizer que os nossos serviços estão interligados pelos vasos capilares da Boa-Nova e do Reino. Ao contrário do sistema capitalista, com sua divisão funcional de trabalho, com setores hierarquizados e sua lei da concorrência, entre nós, o sucesso de uma pastoral favorece as demais. Nossa atividade pastoral, que é apostólica e profética, exige que tenhamos zelo pelo outro, não ciúme; “exige que anunciemos Jesus Cristo e a Boa-Nova do Reino de Deus, denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas e fomentemos o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico” (DAp 95). Nem a catequese sem testemunho de vida nem a diaconia sem práxis sacramental e anúncio da “razão da nossa esperança” (1 Pdr 3,15) são coerentes com o Evangelho e relevantes para o mundo. Nós somos esperança num mundo de desesperados!
2. Dificuldades
Aquilo que pelos princípios está claro e consensual pode, na prática das nossas atividades sociais, mostrar unilateralidades. Desde o Vaticano II, a preocupação de muitas pastorais sociais aponta para dois problemas:
Domingo de formação permanente:
Fé e Política
Primeiro, como podemos evitar de nos tornarmos uma ONG, um “substituto caricatural dos movimentos sociais” e um “apêndice dos aparelhos burocráticos do Estado”? O serviço pastoral pode secularizar-se e perder a inspiração de sua raiz evangélica.
Segundo, o grande peso que a ”luta“ e o “„projeto“ têm na vida dos militantes causa, às vezes, um desgaste unilateral entre os pólos que constituem uma vida em sua inteireza. A vida do agente de pastoral ativista pode assemelhar-se a um pneu de carro mal calibrado ou não alinhado. Enquanto o carro roda, adia-se a revisão na oficina. É fácil prever o desandamento do carro na próxima curva.
Qual é o lugar de “fé e política” na busca da eficácia do seu serviço aos pobres e no seu alcance meramente simbólico, entre eficiência e gratuidade? Os pólos que constituem a vida inteira – razão e emoção, espírito e matéria, trabalho e lazer, luta e contemplação, individual e coletivo – criam tensão, mas geram também luz. O preço da luz é a tensão entre os pólos. As pastorais sociais têm as suas compensações, mas também o seu preço. Se o zelo pelo bem-estar do outro ultrapassa os nossos limites, o desencantamento e o estresse poderão bater à nossa porta. Cuidar dos outros exige também cuidar de si mesmo. Cuidar de nós pode significar recontextualizar-nos a cada dia em casa, na fraternidade e na capela, que são fontes de energia para a nossa presença encarnada no mundo: “Toda autêntica missão unifica a preocupação pela dimensão transcendente do ser humano e por todas as suas necessidades concretas, para que todos alcancem a plenitude que Jesus Cristo oferece” (DAp 176).
3. Eixos
“Fé e política” orientados para os mais necessitados, estão comprometidos com os grandes conflitos do mundo de hoje: com a redistribuição dos bens e o reconhecimento do outro. Os impulsos norteadores do nosso serviço, a partir do Evangelho e do nosso Carisma, que não brotam de uma ideologia política, mas da nossa fé em Deus Amor, encarnado, morto e ressuscitado em Jesus Cristo.
A partir daí, surgem dois eixos que atravessam o trabalho social como duplo sinal. O trabalho articulado na dimensão de “fé e política” nos permitem perceber a pastoral como um sinal de contradição e um sinal simbólico. Nossa pastoral é um “sinal de contradição” (Lc 2,34) em relação ao espírito da nossa época e às ideologias hegemônicas do consumo, da acumulação e da concorrência eliminatória, e, ao mesmo tempo, todos os nossos serviços são um sinal simbólico se considerarmos o alcance transformador desse serviço em nossa sociedade. Como “resistentes”, estamos na contramão do sistema e da sociedade, como “servos de Cristo Jesus” (Ro 1,1) somos sempre “servos inúteis” (Lc 17,10).
Estamos na contramão porque a ética cristã vai além da ética culturalmente correta. Quem nasce com Jesus Cristo ao pé da cruz e na força do Espírito Santo, desconfia dos brilhantes falsos dos vencedores. Definitivamente, nós não somos vencedores e a teologia pastoral não é uma “teologia da prosperidade”. Os nossos serviços são, como os milagres de Jesus, sinais que apontam para transformações que não podemos produzir. Jesus não curou todos os leprosos. Também a diocese optou por alguns serviços em que procura “excelência”, articulando a graça de Deus com a obra humana. Nossos serviços são “pingos de gratuidade”, “sinais de justiça” e “imagens de esperança”.
Em dois lugares significativos do Evangelho, Jesus exige algo mais, algo maior do que estava prescrito no código ético, nas normas constitucionais, nas leis casuísticas e nos ritos tradicionais do seu povo. Nas bem-aventuranças, que representam o novo código ético dos cristãos, e na Última Ceia, no discurso-testamento de despedida, do Evangelho de João, em que Jesus de Nazaré propõe uma revisão radical dos valores hegemônicos de seu tempo. Nele, anuncia como núcleo central de seu “Evangelho do Reino” (Mt 4,23) não só a conversão intra-sistêmica, mas a ruptura com aquele sistema religioso-político que não redime, mas, pelo contrário, escraviza. “Se vossa justiça não for maior que a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Nos trâmites da justiça, não somos juiz entre as partes, mas “advogado da justiça dos pobres” (DAp 395, 533).
Para não cair nas ciladas dos justiceiros, dos zelotes e dos fundamentalistas fanáticos, a maior justiça exige o amor maior. “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). No mundo competitivo e excludente, onde tudo vale somente pelo seu preço de mercado, a missão no mundo está vinculada à derrota do reino da necessidade e à recuperação de um espaço e projeto alternativos de não-mercado e gratuidade. A justiça maior e o amor maior rompem com a lógica do sistema e com as acomodações produzidas na vida de cada um. A comunidade missionária confia na atração de seu testemunho gratuito. Seu "marketing" dispensa propaganda e armas. Não somos caçadores de borboletas, mas jardineiros. “Na generosidade dos missionários se manifesta a generosidade de Deus, na gratuidade dos apóstolos aparece a gratuidade do Evangelho” (DAp 31).
A gratuidade nos impulsiona necessariamente à simplicidade institucional. Somente estruturas leves permitem pensar em gratuidade. Estruturas pesadas são muito caras. Uma Igreja a caminho é uma Igreja simples, transparente, portátil. O caminhar no Espírito é um caminhar desarmado e despojado. Conversão e transformação autênticas tornam as pessoas mais simples. “Quando vos mandei sem bolsa, sem mochila e sem calçado, faltou-vos, porventura, alguma coisa?” (Lc 22,35). A gratuidade, microestruturalmente vivida na contramão do sistema, aponta para a possibilidade de um mundo para todos (cf. DAp 540).

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