Sonhar é preciso: O Vaticano recebe mil refugiados da Turquia (no sonho do Papa Francisco).


Em seu discurso ao Parlamento Europeu, die 25 de novembro de 2014, o Papa Francisco afirmou que “é necessário enfrentar juntos a questão migratória. Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias, há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda. A falta de um apoio mútuo no seio da União Europeia arrisca-se a incentivar soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e contínuas tensões sociais”.
         O Papa pediu em diversas ocasiões ser corajoso e “sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho (Evangelii gaudium 20)”. Respondendo a esse pedido devemos advertir, que o Vaticano é praticamente o único Estado Europeu que não recebe refugiados, que não tem um direito de asilo nem uma casa para receber refugiados que pedem asilo político.
         O padre Gabriele Bentoglio, que é subsecretário do Conselho Pontifício para Migrantes, explicou, que sua tarefa não é de ajudar refugiados diretamente no Vaticano e declarou: “Nós apoiamos no mundo inteiro os bispos locais nessa questão, pratica e espiritualmente”. Mesmo em espaços extraterritoriais, como “São Pedro fora dos Muros”, onde em 2011 umas dúzias de sem-teto pediram asilo, a resposta do Vaticano era negativa.


      
   Em Lampedusa, porém, que pela visita do Papa em 2013 chamou a atenção para os refugiados da África, diocese, paróquia e organizações católicas prestam ajuda concreta, como corresponde à coerência com o Evangelho. Percebe-se como é difícil avançar de uma Igreja “advogada da justiça e defensora dos pobres” (Documento de Aparecida, 395) para uma Igreja pobre, e como é difícil para o aparato eclesiástico e para todos nós de ir ao encontro do sonho evangélico do Papa Francisco e dar passos concretos em direção de “uma Igreja pobre para os pobres” (EG 198) ou logo de uma Igreja pobre dos pobres.


Recuperar a gratuidade!


“As paróquias eliminem as listas dos preços dos sacramentos", pede o Papa


“Quantas vezes vemos que, entrando numa igreja ainda hoje, encontra-se ali a lista dos preços: para o batismo, a bênção, as intenções para a missa. E o povo se escandaliza”. São palavras do Papa Francisco na homilia da missa na Casa Santa Marta. “As Igrejas – sublinhou o Pontífice – jamais se tornem casas de negócios, pois a redenção de Jesus é sempre gratuita”. “Eu penso – explicou – no escândalo que podemos dar ao povo com o nosso comportamento, com os nossos hábitos não sacerdotais no Templo: o escândalo do comercio, o escândalo da mundanidade”.

A informação é publicada pelo  jornal La Repubblica, 21-11-2014.

O Papa fez sentir com força o seu anátema perante a Igreja negociadora. Uma Igreja que pensa somente em fazer negócios comete “pecado de escândalo”. Depois o Pontífice comentou o Evangelho no qual Jesus expulsa os mercadores do Templo porque transformaram a casa de orações num covil de ladrões. “As pessoas boas iam ao templo; procuravam Deus, rezavam, mas deviam trocar as moedas para fazer as ofertas”. Como de costume, o Santo Padre referiu-se a um episódio ao qual assistiu quando recém se tornara sacerdote:

“Estava com um grupo de universitários e um casal de noivos queria se casar. Tinham ido a uma paróquia, mas queriam fazê-lo com a missa e ali, o secretário paroquial disse ‘não se pode’ porque há outros turnos”.
Ante a insistência do casal que queria celebrar o matrimônio com uma missa, - referiu o Papa Francisco, - aquele secretário de paróquia disse que então teria de pagar dois turnos. E, para casar-se com a missa, tiveram que pagar dois turnos. “Isto – denunciou com força Francisco – é pecado de escândalo”. Um peado tão grande que, como recordou: “Nós sabemos o que disse Jesus àqueles que são causa de escândalo: ‘Seria melhor que fossem jogados no mar’.”

O comportamento denunciado pelo Papa Bergoglio, como recordou ele mesmo, investe também contra os leigos. “Se eu vejo que na minha paróquia se faz isto – denunciou no decurso da homilia -, devo ter a coragem de dizê-lo na cara ao pároco. É curioso: o povo de Deus sabe perdoar os seus padres quando têm uma fraqueza, deslizam no pecado... sabe perdoar. Mas, há duas coisas que o povo de Deus não pode perdoar: um padre agarrado ao dinheiro e um padre que maltrata o povo”. O Papa Bergoglio explicou porque Jesus insiste tanto contra o dinheiro: “Porque a Redenção é gratuita. E quando a Igreja ou as Igrejas se tornam comerciantes, se diz que não é tão gratuita a salvação”.

Manoel de Barros - O alquimista do Pantanal se foi




"Prezo insetos mais que aviões,
Prezo a velocidade das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
é maior do que o mundo."

Manoel de Barros

Manoel de Barros morreu aos 97 anos. O corpo do poeta foi enterrado nesta quinta-feira 13 de novembro, no cemitério Parque das Primaveras, em Campo Grande. Manoel de Barros era um alquimista das palavras do Pantanal. Fui buscar na minha biblioteca "O Guardador de Águas", onde encontro versos que o poeta diz ter aprendido sozinho: "No osso da fala dos loucos têm lírios"




"Quem anda no trilho
é trem de ferro,
sou água
que corre entre pedras:
liberdade caça jeito".

Manoel de Barros

Igrejas preocupadas com a difusão do uso de 'drones'


Genebra (RV) – O Conselho Mundial das Igrejas (CMI) condena a utilização de veículos aéreos não tripulados, conhecidos como ‘drones’, considerando-os ‘uma série ameaça para a humanidade’.



O comitê do CMI se reuniu nos últimos dias no Centro Ecumênico de Bossey, na Suíça, e emitiu um comunicado sublinhando que o uso desta tecnologia está permitindo países como Estados Unidos, Israel, Rússia e Reino Unido desenvolver sistemas que darão plena autonomia de combate a estas máquinas telecomandadas. 

A utilização de ‘drones’ começou na guerra dos Bálcãs e foi aumentando no Afeganistão, Iraque, Iêmen, Somália, e recentemente, no Paquistão. 

O comitê exorta os governos a respeitar e reconhecer o dever de proteger o direito à vida de seus cidadãos, e opor-se à violação dos direitos humanos, convidando a comunidade internacional a se opor às políticas e práticas ilegítimas. 

Em novembro passado, o Arcebispo Silvano Maria Tommasi, Representante Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas, se disse preocupado pelo uso de ‘drones’: “Nos últimos anos – declarou – o emprego destes aviões em conflitos armados e ações bélicas internacionais aumentou de modo exponencial. Para certos líderes, os fatores sociais, políticos, econômicos e militares podem ter modificado a equação sobre o uso de ‘drones’ armados, mas as preocupações éticas e humanitárias continuam grandes e aumentam em proporção com a sua utilização”.
Na realidade brasileira passou quase despercebido a compra da Titan Aerospace, fabricante de veículos aéreos não tripulados, conhecidos como drones. Nessa compra, o Google venceu o Facebook de Mark Zuckerberg que estava negociando a compra da Titan por US$ 60 milhões. Os novos "Titanos" de hoje, amanhã serão nossos tiranos.



Em Nota, CNBB defende os direitos dos povos indígenas


A presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou hoje, dia 23, nota manifestando a preocupação da entidade em relação aos direitos dos povos indígenas, após decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular os efeitos de portarias do Ministério da Justiça que reconheciam territórios ocupados por povos indígenas no Maranhão e no Mato Grosso do Sul. O texto foi aprovado pelo Conselho Permanente da Conferência, que esteve reunido em Brasília, de 21 a 23 de outubro. "A CNBB espera que não haja retrocesso na conquista dos diretos indígenas, especialmente quanto à demarcação de seus territórios", afirma a nota.

Leia o texto na íntegra:
  
Os direitos dos povos indígenas
Nota da CNBB


O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília nos dias 21 a 23 de outubro de 2014, manifesta sua preocupação com a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF que anulou os efeitos da Portaria Declaratória nº 3.219/2009, do Ministério da Justiça, que reconhece a Terra Indígena Guyraroká, do Povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, como de ocupação tradicional indígena.
Lamenta, igualmente, a anulação, pela mesma 2ª Turma do STF, da Portaria 3.508/2009 que declara a Terra Indígena Porquinhos, no Maranhão, como de posse permanente do grupo indígena Canela-Apãniekra.
A garantia dos territórios aos povos indígenas é um direito conquistado e consignado na Constituição Federal, com árdua luta de muitas pessoas da sociedade brasileira. Infelizmente, interesses econômicos têm impedido a demarcação das terras indígenas, que é a concretização do direito constitucional. Por isso, grande parte dos povos indígenas do Brasil continua vivendo exilada de suas terras devido ao esbulho e à violência histórica cometida contra suas comunidades.
Questionar as demarcações das terras indígenas no poder judiciário tem sido uma estratégia utilizada com vistas a retardar ou paralisar as ações que visam à garantia de acesso dos povos originários aos seus territórios tradicionais. Enquanto aguardam a demarcação de suas terras, várias comunidades indígenas ficam acampadas à beira de rodovias ou nas poucas áreas de mata nos fundos de propriedades rurais, sem direito à saúde, à educação, a água potável, sofrendo ações violentas.
A CNBB espera que não haja retrocesso na conquista dos direitos indígenas, especialmente quanto à demarcação de seus territórios. Concluir o processo de demarcação das terras indígenas é saldar uma dívida histórica com os primeiros habitantes de nosso país e decretar a paz onde há graves conflitos que vitimam inúmeras pessoas.
Que Deus nos dê forças para garantir os direitos dos povos indígenas e de todos os brasileiros, superando toda atitude de abandono e descarte das populações originárias. Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, nos ajude a construir a paz que nasce da justiça e do amor.
Brasília, 23 de outubro de 2014

  
Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB
  

Dom José Belisário da Silva

O mito à procura de sua história: V Simpósio de Teologia Índia em San Cristóbal de Las Casas, Chiapas, México.




Do dia 13 a 18 de outubro 2014 está se realizando o V Simpósio de Teologia Índia em San Cristóbal de Las Casas (Chiapas, México). O evento está sendo organizado pelo Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano).O tema, ainda considerado polêmico, trata "A revelação de Deus e a Teologia Índia". Os teólogos presentes trabalham o tema já em outra perspectiva: "A Teologia Índia como Teologia Fundamental da Igreja Católica". Em tese, também os bispos presentes, que trabalham em áreas indígenas, apoiam essa reformulação.


Caminhos abertos
na teologia da revelação

        
Celebração eucarística na Igreja San Diego, Chiapas
A tentativa de construir uma ponte entre a percepção da revelação cristã, que se formou no decorrer dos séculos, e a revelação de Deus no meio de todos os povos, aponta para o reconhecimento da subjetividade dos povos indígenas, para a inculturação de seu universo religioso e a descolonização da própria Igreja. Esse reconhecimento que procura tratar os povos indígenas não somente como destinatários da missão e da revelação cristã, mas também como interlocutores, não é algo exterior à normatividade do cristianismo, portanto, uma medida estratégica ou tática para defender a causa dos pobres e a dos povos indígenas, mas é inerente aos imperativos do Evangelho. O conceito da “revelação” não é propriedade de nenhuma denominação religiosa, mas todas as denominações podem definir esse conceito segundo a sua história, seu contexto e seus discernimentos.
       
Os participantes do evento: Indígenas e Bispos e Teólogos e Teólogas
  
    Jesus Cristo é não apenas aquele que veio, mas também aquele que virá, não somente como juiz, mas como revelador definitivo do Pai e doador da graça da unidade no Espírito Santo. Nessa perspectiva pode-se pensar o cumprimento definitivo do sentido profundo da revelação: tirar o véu das contingencias históricas. Deus vai tirar o véu de Seu mistério e todos verão a Deus face a face. A absoluta transcendência se tornará palpável na absoluta proximidade.

[O texto faz parte da minha contribuição no V Simpósio de Teología India: “Revelación de Dios y Pueblos Originarios”, realizado em Chiapas, México (13-18.10.2014). P.S.]




Dom Tomás Balduino no ritual dos índios Krahô



Choro Kraô (fotos: Laila Menezes)















“Ele está aqui. Eu vi. Uma pessoa quando morre fica entre nós ele não foi embora. Ele está aqui. Ele está olhando por nós. São poucos os que ajudam os povos indígenas. Tem que continuar o trabalho, a luta de D. Tomás.”



Gercília Krahô, importante liderança do povo, recebeu, na nova aldeia,  com muito carinho, parentes e amigos de D. Tomás, que ela tinha como tio. Para o povo Krahô o tio tem uma relevância tão importante no papel da formação social quanto o pai.





A homenagem ritual Amjĩkĩn Pàrcahàc acontece como finalização de luto de um parente e neste caso seu inesquecível amigo Tomás. Este ritual compreende momentos marcantes de noites acordados embalados pelos cantos no pátio, pinturas corporais, os cortes de cabelos e a corrida com a tora de buriti que simboliza o corpo de D. Tomas.  
Esse corpo pintado e empenado percorre o pátio nos ombros dos indígenas e em seguida levado a casa de Gercília, onde é  envolto  em um pano e logo depois despido para que as mulheres possam se despedir através do choro ritual, um lamento profundo de lagrimas e soluços que toca e faz chorar muitos presentes.

O cerrado já se vestia de verde e o rio se tingia de Vermelho para participar desse momento ímpar da memória de um de seus filhos e defensores intransigente e radicalmente comprometido com a diversidade de vida, povos e comunidades originárias deste Brasil central.

Cenário perfeito para um grande e inesquecível acontecimento. Beleza e simplicidade, alegria e lágrimas, gestos profundos de espiritualidade ritual. A celebração da memória de um “kupen” (não indígena) na aldeia é mais do que uma excepcionalidade, é um gesto de reconhecimento da permanência dentre eles.



Presentes e compromisso

Um dos momentos marcantes do ritual Amjĩkĩn Pàrcahàc foi quando Dom Eugênio, bispo de Goiás entregou à comunidade, através de Gercília umas lembranças de D. Tomás – uma cruz simbolizando os mártires latino-americanos e uma vistosa estola, que ela imediatamente vestiu. Era mais do que memória. Foi o selado o compromisso da continuidade do trabalho em defesa da vida e dos direitos dos povos indígenas, em especial com os “mehin” (Krahô).


De longe se ouvia a cantoria ritual no centro do pátio da aldeia. Era o último dia da celebração. Gercília se aproximou de D. Eugênio, e num gesto perdido na noite, carregada de harmonia, revezando silêncios e maravilhoso cantos, tirou o colar que trazia no pescoço e colocou-o no bispo dizendo “Agora você é compadre de D. Tomás”. Umas rápidas palavras e estava selado o compromisso.

D. Eugênio declarou que sempre teve muita admiração por D. Tomás, pelos seus trabalhos, pela sua luta. Por essa razão estava junto aos Krahô, com o pessoal do Cimi, CPT e outros amigos de D. Tomás. “Simpatizo com a causa indígena e da terra. É preciso defender essa gente e os empobrecidos da terra”. Disse ter achado ótima essa oportunidade de conhecer um pouco mais da cultura indígena.

O massacre continua

No decorrer dos três dias celebrativos inúmeros depoimentos foram sendo desfilados, todos eles marcados por profunda indignação e revolta, pelas violências, omissões, preconceitos e massacres. Isabel Xerente verberou “Vão entrar em nossas terras (grandes projetos) para massacrar. Nois vivemos lutando por todos. Tenho essas borduna pra dará na cabeça”.

Vários depoimentos lembraram o avanço do agronegócio, destruindo as matas, poluindo os rios. As monoculturas da soja, do eucalipto, do gado acaba envenenando e matando a terra e os animais. Os rios estão secando.

Foi lembrada a brava resistência das comunidades indígenas diante das políticas desenvolvimentistas do atual governo com as rodovias, hidrovias, hidrelétricas, dentre outros. Porém nós indígenas somos a semente e as plantinhas dessa terra. Vamos continuar lutando. Vamos nos unir com os pobres. Vamos lutar unidos.
O povo Krahô, que faz parte da grande nação Timbira, são hoje em torno de 3.200 pessoas vivendo em 28 aldeias nos municípios de Goiatins e Itacajá no Tocantins.

Gratidão e alegria.


O ritual que marcou o fim do luto de D. Tomás entre os Krahô, também nos traz a certeza de sua presença e a continuidade de sua luta entre nós e da vitória dos povos originários do país e do continente latino-americano.

Brasília, 1º de outubro de 2014
Cimi GOTO
Egon Heck


A construção do "bem viver" hoje


Rafael Fellmer, que vive há muitos anos sem dinheiro, inspirou partes dessa reflexão sobre o "bem viver". Vale a pena ouví-lo!





Este texto representa fragmentos da quarta parte da minha palestra “Sonhar uma nova realidade do `bem viver´”, que foi apresentado no dia 4.09.2014 durante o XXXVIII Congresso de Teologia Moral, realizado em São Paulo, com o tema: “Ética teológica e transformações sociais: A utopia de uma nova realidade”.


4. Passos construtivos ao encontro do “bem viver”

O conceito do “bem viver” não é uma receita ou um manual de aplicação, mas um horizonte que nos faz caminhar, discernir e lutar. O “bem viver” não nos leva de volta à pré-modernidade. Pelo contrário, é a realização dos ideais da modernidade: igualdade, liberdade, solidariedade. A igualdade exige a redistribuição dos bens do planeta (terra, água, ar) e a implementação dos direitos humanos para todos, a liberdade requer a participação da sociedade civil na gestão da “res pública”, e a solidariedade, hoje, significa: reconhecimento do outro e da outra em todas as dimensões da vida humana.

A seguir, alguns trilhos dessas lutas que nos aproximam do “bem viver”. Através do ser-vir, o vir a ser cai na realidade da história por pequenas frestas que permitem a passagem de raios de luz e mostram os contornos embaçados da nova realidade. A partir do sofrimento dos pobres, do desprezo dos outros e das patologias que ameaçam o “bem viver” de todos, assumimos a responsabilidade de construir a nova realidade histórica que exige de nós, não pequenos reparos sistêmicos ou pessoais, mas uma virada cultural que repercuta em todos os subsistemas sociais (econômico, político, religioso) e pessoais (psicológico, ético).

As ameaças impostas ao imaginário e à realidade do “bem viver” permitem traçar trilhos para sua realização. Quais são essas ameaças? Quero destacar apenas duas delas, nas quais se insere o restante das causas do “mal viver” da humanidade como um todo.
O nosso “bem viver” é ameaçado coletiva e individualmente pelo crescimento econômico e pela aceleração das funções naturais e culturais da nossa vida cotidiana, desde a clínica do nascimento, passando pela escola e os locais de trabalho e lazer, até o asilo da nossa velhice, sempre somos rodeados por pessoas que olhem no relógio e nos fazem entender que, o que poderia ser nosso encontro com eles, é apenas um pit-stop de Fórmula 1.

Quero, em seguida, sonhar e descrever o “bem viver” como um trem montado em dois trilhos:

- no trilho de uma economia do decrescimento para chegar ao pós-crescimento, incluindo nesse trilho a redistribuição dos bens do planeta para todos;
- e no trilho da desaceleração das funções de trabalho e das relações humanas que permitiria o reconhecimento e, portanto, o encontro do outro e não nos obrigaria a substituir o “encontro” pelo “atendimento concomitante”, um pelo smartfone, outro pelo e-mail, e outro, ainda, no guichê da bilheteria.

4.1. Do decrescimento

A crise energética e a ameaça de um colapso da biosfera com seu impacto sobre o clima, fizeram emergir o paradigma de um “capitalismo verde”, de um “crescimento sustentável”, sem carbono, através de hidrelétricas, ou outras energias alternativas, como a chamada bioenergia do etanol, a energia eólica e a solar.

Por cinco motivos, a meta do capitalismo verde (etanol, hidrelétricas, energia eólica e solar, PSA) não é o “bem viver” para todos:

- primeiro, o crescimento capitalista só funciona na base da competição que produz vitoriosos e perdedores;
- segundo, o crescimento capitalista, necessariamente, é um sistema de saque e pilhagem à natureza, cujas reservas são esgotáveis;
- terceiro, o capitalismo globalizado, sempre em busca de incorporação (colonização) de novos territórios, produz recantos de exploração extrema da mão de obra humana nos confins do mundo e no meio de nós, desde a China até os esconderijos de trabalho de bolivianos no bairro do Brás, em São Paulo;
- quarto, a competição - pela individualização da luta pela sobrevivência e dos processos de produção -, destrói a coesão social da sociedade;
- quinto, o capitalismo verde também é capitalismo, e como tal, é incapaz de romper com o paradigma do crescimento econômico.

Na construção do “bem viver” não se trata da aplicação de terapias, de dietas light, de exercícios esportivos ou de práticas meditativas, que nos fazem funcionar melhor no interior do sistema, mas de uma ruptura sistêmica com o nosso estilo de vida. A estrutura do “bem viver” pode ser pensada somente no interior de uma cultura de suficiência (modéstia, sobriedade) e subsistência regionalizadas. A cultura de suficiência vai reduzir as nossas demandas do supérfluo ao necessário, e a cultura de subsistência vai recuperar a bricolagem de uma criatividade caseira, que pode substituir metade das nossas aquisições de novos objetos (desejos) pelos concertos que nós ou nossos vizinhos (em reciprocidade) são capazes de fazer.

Em consequência disso, o “bem viver” não vai exigir que trabalhemos 40 horas por semana. Trabalho não será apenas trabalho salarial. Haverá, como nas aldeias indígenas, fronteiras líquidas entre trabalho e lazer. O trabalho pode ser prazeroso.

O impacto da cultura da suficiência sobre o trabalho salarial e a produção industrial (poluidora), se sustenta em três novos comportamentos:

- muitos dos objetos que compramos podem, com mais prazer, ser produzidos em nossa casa ou em nosso quintal;
- muitos dos objetos que jogamos fora, e substituímos por novos, podem ser consertados por nós mesmos;
- muitos dos objetos de que necessitamos para o nosso dia a dia podem ser emprestados dos vizinhos e, na reciprocidade do “bem viver”, vamos disponibilizar nossos objetos (bicicleta, liquidificador, carro) a eles. Essa reciprocidade vai quebrar a lógica da riqueza privada.

Em grande parte, a cultura da suficiência e seu sustento econômico serão regionais. Não vamos abrir mão da internet, mas podemos dispensar a importação das figuras do presépio, do guarda-chuva e da nossa camisa dominical da China, onde são fabricados por salários e condições sociais vergonhosos. Como o transporte causa enormes custos ecológicos, precisamos fortalecer as economias regionais. A cultura da suficiência e subsistência nos orienta para:

- a aquisição de produtos e tecnologias simples de longa duração;
- a redução da dependência de redes externas de produção;
- a redução do consumo excessivamente diversificado (“butique de pão!”), que encarece os produtos.
O “bem viver” exige a ruptura do círculo vicioso entre crescimento e aceleração.

4.2. Da desaceleração

Em seu “Plano Colonizador”, de 1558, que é um “Plano Civilizador”, Manuel da Nóbrega pede para o abastecimento do Colégio da Bahia “duas dúzias de escravos de Guiné” (n. 24) e para a Igreja pede “sino”, “relógio” e “campainha” (n. 27). A civilização substitui o ócio, permitido pela natureza, pelo tempo cronometrado do trabalho, da reza, do estudo e do lazer. Com a colonização disciplinadora, segundo Nóbrega, se ganha “muitas almas” (n.5) e “muito ouro e prata” (n.5).

A “colonização disciplinadora”, hoje, tem o nome de globalização econômica e cultural, que é atravessada pelos eixos do crescimento e da aceleração. O ato revolucionário não é mais, como Marx pensava ser, “a locomotiva da história”, mas, no dizer de Walter Benjamim, “talvez seja tudo muito diferente, e as revoluções representem tentativas feitas pela humanidade, que viaja nesse trem, de puxar o freio de emergência”.

A abundância do etanol disponível, produzido com incentivos fiscais do governo, permite pisar fundo no acelerador do carro. Etanol e tênis, que são meios de aceleração coletiva e individual, conotam duas dimensões do “freio de emergência” necessário na construção do “bem viver”: o freio do consumo e, ligado a ele, a produção energética (Etanol), e o freio de tudo aquilo que é simbolizado pelo fetiche da velocidade individual, através do tênis.

Nenhum partido político, com mínimas chances de se eleger, vai hoje apoiar nosso modelo do “bem viver”, com seus pressupostos de crescimento zero e desaceleração. Os aliados mais confiáveis, na construção da nova realidade do “bem viver”, são os que sofrem. O sonho de uma nova realidade do “bem viver” de todos há de ser visto a partir da vida cotidiana daqueles que sentem em seus corpos e almas a distância estrutural da realidade do “bem viver”. No seu grito de um “basta”, seguido por lutas em todos os níveis da existência humana, está a força que pode “desmascarar as ideologias, que naturalizam as patologias, e desconstruir o consentimento alienado em dor histórica. A dor é sinal [...] que na vida danificada subsistem razões para viver, não para viver de qualquer jeito, mas para uma vida intacta e verdadeira”. No grito do basta se encontram “estilhaços de racionalidade e fragmentos de esperança” para a construção do “bem viver”. Lutas sociais fazem questionar a dor historicamente imposta, não pela natureza ou pela vontade de Deus, mas por aquela parcela da sociedade que faz da dor alheia um negócio. A memória dos pobres e a simplicidade de seu “bem viver” apontam para lutas históricas que podem nos aproximar ao “bem viver” de todos. Nós, que temos o privilégio do saber, temos também o dever de agir.


O corpo do padre Jesuíta Balduino Loebens (73), desaparecido desde Domingo, dia 7 de setembro, foi encontrado no rio Juruena.



Memória e Homenagem:

Padre Balduino Loebens – Missionário Jesuíta

13.03.1941 (Itapiranga/SC) – 07.09.2014 (Rio Juruena/MT)













O padre Jesuíta Balduino Loebens (73), natural de Itapiranga (SC), onde residem seus familiares até hoje – irmã e sobrinhos. Durante mais de 40 anos, trabalhou ao longo do Rio Juruena, atendendo as aldeias do povo Rikbaktsa, na região de Fontanillas (MT). Era reconhecido também pelo atendimento na Pastoral da Saúde, com a homeopatia.


Devido ao festival de pesca, Balduíno teria passado o final de semana em uma aldeia e ligou informando que viria almoçar. Como o padre não chegou conforme previsto, os indígenas efetuaram buscas no rio Juruena e encontraram apenas o barco do religioso, junto com seus pertences, em uma área de pedras às margens do rio. 

Segunda-feira, dia 8, o corpo do padre foi localizado vários quilômetros abaixo do local onde foi encontrado seu barco e um chinelo. A suspeita é de que o padre tenha se afogado nas águas do rio, mas a causa real da morte ainda é desconhecida.


A Catedral Sagrado Coração de Jesus comunicou o falecimento em sua página institucional na internet. Em nota, a paróquia diz que o padre 'navegou' por muitos anos no Rio Juruena, "levando vida, esperança, apoio e a alegria do evangelho".



Emissão de gás carbônico no mundo tem maior salto desde 1984.

DO BBC BRASIL

De acordo com o Boletim anual de Gases do Efeito Estufa da Organização Meteorológica Mundial (OMM), de setembro 2014, a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera atingiu níveis recordes. Em 2013, a taxa de acúmulo de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera teve o crescimento mais rápido em um ano desde 1984.

A OMM afirmou que o relatório ressalta a importância de um acordo mundial para limitar a emissões de gases do efeito estufa. Em 2009, líderes de todo o mundo concordaram em fechar um tratado para manter um aumento na temperatura global de no máximo 2ºC até 2020.
Cerca de metade das emissões acaba absorvida por mares, florestas e seres vivos. Mesmo assim, a concentração de CO2 na atmosfera bateu 396 partes por milhão (ppm) em 2013, um aumento de quase 3ppm em comparação com o ano anterior.
Crescimento recorde
"O boletim mostra que, bem longe de estar caindo, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera de fato subiu no último ano na taxa mais rápida em quase 30 anos", disse o secretário-geral da OMM, Michel Jarraud.
A concentração de CO2 atual é de 142% dos níveis de 1750, ou seja, antes do início da Revolução Industrial. O acúmulo de outro potente gás de efeito estufa, o metano, foi de 253%. O estudo também indica que o crescimento recorde do CO2 em 2013 não se deve apenas a mais emissões, mas a uma redução na capacidade de absorção de carbono pela biosfera. A descoberta intrigou cientistas da OMM. A última vez que se constatou uma redução no nível de absorção da biosfera foi em 1998, quando houve um pico de queima de biomassa, aliado a um intenso El Niño.

"Já em 2013 não houve impactos óbvios na biosfera, portanto, é ainda mais preocupante", disse o chefe da divisão de Pesquisa Atmosféria da OMM, Oksana Tarasova. "Não entendemos se isso é uma coisa temporária ou permanente, e isso é preocupante." Tarasova afirma que a descoberta pode indicar que a biosfera atingiu o seu limite, mas destaca que é impossível confirmá-lo no momento.
Diante das evidências, a OMM urge líderes mundiais a tomarem decisões contundentes sobre a política climática. Em 23 de setembro será realizado em Nova York um encontro extraordinário sobre o clima, convocado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

No fim do ano, a ONU promove a sua reunião anual sobre mudanças climáticas, desta vez em Lima, no Peru. A expectativa é que os dois encontros cheguem ao consenso necessário para um novo acordo climático mundial na reunião anual da ONU de 2015, em Paris. No entanto, até o momento não se tem qualquer previsão de como transformar o acordo em algo legalmente vinculante, para que seja, de fato, efetivo.