Nos dias 2 e
3 de novembro, Carlos Mesters assessorou um retiro do Cimi como introdução à
Assembleia Nacional (4 a 8.11.). Em tempos quase escatológicas contra os povos
indígenas, sentimos a necessidade de repensar nossos fundamentos, nossa fé a
serviço dos desacreditados, nossa esperança a serviço dos desesperados e nosso
amor a serviço dos desprezados. Carlos, obrigado pelo refrão que você cantou
conosco: “Eu confio em nosso Senhor, com fé, esperança e amor”. A seguir,
alguns trechos do texto que Carlos preparou para os participantes e que logo
poderá ser acessado no sitio (assessoria teológica) do Cimi: www.cimi.org.br
O DECÁLOGO
DA RECUPERAÇÃO DA ESPERANÇA
Iluminar nossa realidade com a luz da Palavra de Deus
Esperar,
Resistir, Cantar
Como continuar a crer que um menino vencerá o gigante Golias (1Sam
17,1-54), que a mulher em dores de parto será mais forte
que o dragão (Apoc 12,1-17), os dois centavos da viúva continuam valendo
mais que os milhões dos ricos (Mc 12,41-44), que as tribos indígenas e a sua cultura tem
futuro e deverão enriquecer a vida de todos nós?
INTRODUÇÃO
A tragédia e a crise de hoje
A mensagem e
o texto final do encontro dos bispos da Amazônia pelos 40 anos da Caminhada
desde o encontro de Santarém em 1972 descreve os vários aspectos da tragédia da
agressão ao meio-ambiente e as consequências para a vida dos povos da Amazônia.
As perguntas
são muitas e muito sérias: Humanamente falando uma comunidade ribeirinha, uma
tribo indígena, os pequenos grupos de migrantes que vieram de longe, nossas
CEBs, os Círculos Bíblicos: qual a força que eles tem para enfrentar o
agronegócio? Como eles podem impedir a agressão da invasão progressiva das suas
terras e o desmatamento crescente? Como a mentalidade rural pode sobreviver no
urbanismo crescente. Desde 2006 mais da metade da humanidade mora em cidades.
E nós que
estamos aqui reunidos, como podemos impedir a caótica urbanização que gera
tantas favelas e desumanização? Vamos poder resistir à expansão do sistema
neoliberal? Como anunciar e irradiar a Boa Nova de Deus que Jesus os trouxe?
Qual o nosso futuro? Existe futuro? E o novo papa Francisco? Os outros nos
perguntam: "O que vocês querem e pretendem?" Onde manter viva e fé, a
esperança e a doação no amor?
Na época do
cativeiro da Babilônia, o pessoal de Nabucodonosor dizia ao povo de Deus:
"Qual o Deus de vocês? Onde está esse Deus? Ele existe?" Estas
perguntas tão antigas continuam muito atuais. Será que Davi vai conseguir
enfrentar Golias? Os dois centavos da viúva continuam valendo mais que o milhão
dos ricos? A mulher em dores de parto é capaz de enfrentar o Dragão de hoje?
Como enfrentar esta crise?
A tragédia e a crise de ontem
Desatento de
tudo, o povo permitiu que o cupim de uma falsa imagem de Deus fosse comendo por
dentro a viga da sua fé. Ao longo dos 400 anos da monarquia (de 1000 a 600 aC),
Javé, o Deus libertador, foi sendo reduzido à imagem de um Deus em tudo
identificado com os interesses da monarquia, contrários aos interesses da vida
do povo e do objetivo do Êxodo. Os profetas alertavam sobre o perigo, mas
ninguém lhes dava atenção (Dn 9,6), pois havia muitos falsos profetas que
diziam o contrário (Jr 28,1-11; Ez 34,1-10). Os Reis manipulavam a Aliança em
favor dos seus próprios interesses comerciais. As consequências foram
aparecendo na desintegração da vida do povo. Apareceram os pobres. Sinal de que
a aliança estava quebrada. Pois se fosse observada, não poderiam aparecer os
pobres. "Entre você não pode haver pobre!" (Dt 15,4-11).
A destruição
do reino de Israel em 722 aC levou o reino de Judá a proclamar uma reforma que
levasse o povo à observância da Lei: "Vejam! Hoje eu estou colocando
diante de vocês a bênção e a maldição. A bênção, se vocês obedecerem aos
mandamentos de Javé seu Deus, que eu hoje lhes ordeno. A maldição, se não
obedecerem aos mandamentos de Javé seu Deus" (Dt 11,26-27). O capítulo 28
de Deuteronômio enumera as maldições como fruto das transgressões e da
infidelidade (Dt 28,15-68). Coisas terríveis e castigos inacreditáveis são
enumerados para obrigar o povo a observar a lei e, assim, evitar o desastre da
desintegração. Prevaleceu o medo do castigo sobre a vontade de servir por amor.
Não mudaram a imagem de Deus que tinha falsificado tudo.
Eles não
deram conta de observar a lei. Morreu a reforma. Nabucodonosor destruiu tudo
(2Rs 25,8-12; Jr 52,12-16). Perderam tudo aquilo que havia sido a expressão
visível da presença de Deus: O Templo foi incendiado (2Rs 25,9). A Monarquia já
não existia (2Rs 25,7). A Terra passou a ser a propriedade dos inimigos, (2Rs
25,12; Jr 39,10; 52,16). Deus parecia estar longe e já não lhes mostrava mais o
seu rosto (Sl 10,1; Sl 12,2-4; 27,9; 30,8; 69,18; 80,4).
Diante desta
terrível situação de destruição e abandono, o povo concluiu: colhemos o que
plantamos. Abrimos as comportas e a água invadiu e destruiu tudo. Nós quebramos
o contrato com Deus, e sobre nós caíram as maldições previstas no contrato (cf.
Dt 28,15-68). Rompemos com Deus, e ele rompeu conosco conforme tinha avisado
tantas vezes (cf. Dt 6,14-15; 9,11-14.19; 11,16-17). Esta situação de desespero
e de desencanto está expressa, com todas as letras, na 3ª Lamentação. (Lam
3,1-18). A terrível imagem de Deus que transparece nas entrelinhas deste
lamento é a de um deus vingativo que só quer castigar e não oferece futuro, nem
desperta adoração:
“Eu sou o
homem que conheceu a dor de perto, sob o chicote da sua ira. Ele (Deus) me
conduziu e me fez andar nas trevas e não na luz. Ele volve e revolve contra mim
a sua mão, o dia todo. Consumiu minha carne e minha pele, e quebrou os meus
ossos. Ao meu redor, armou um cerco de veneno e amargura, me fez morar nas
trevas como os defuntos, enterrados há muito tempo. Cercou-me qual muro sem
saída, e acorrentado, me prendeu. Clamar ou gritar de nada vale, ele está surdo
à minha súplica. Com pedra cercou a minha estrada, distorceu o meu caminho. Ele
foi para mim como urso de tocaia, um leão de emboscada. Desviou-me do caminho,
me despedaçou e deixou inerte. Disparou seu arco, fez de mim o alvo de suas
flechas. Em meus rins ele cravou suas flechas, tiradas de sua aljava. Eu me
tornei uma piada para todos os povos, a gozação de todo o dia. Encheu meu
estômago de amargura, embriagou-me de fel. Fez-me dar com os dentes numa pedra,
estendeu-me na poeira. Fugiu a paz do meu espírito, a felicidade acabou. Eu
digo: "Acabaram minhas forças e minha esperança em Javé". (Lam
3,1-18).
Esta
terrível imagem de Deus falsificou a visão da vida e da natureza Quem tem esta
imagem de Deus na cabeça e no coração, sente-se rejeitado para sempre. A falsa
(antiquada) imagem do deus da monarquia impedia o povo de opinar corretamente
sobre a tragédia do cativeiro. É trágica a afirmação de Isaías: "Sua mente
enganada o iludiu, de modo que ele não consegue salvar a própria vida e nem é
capaz de dizer: "Não será mentira isso que tenho nas mãos?" (Is
44,20). Eles eram incapazes de descobrir a mentira que os impedia de enxergar
(cf. Jr 6,15; Sl 36,3; Rom 1,18).
Onde e como encontrar a luz?
Muitos se
acomodaram no cativeiro, abandonaram a fé em Javé e aderiram ao Deus de
Nabucodonosor ou ao deus do sistema neoliberal. Outros não quiseram aceitar a
realidade dura do cativeiro e se agarraram ao passado. Preferiram lutar pelo
retorno ao tempo dos reis: restaurar tudo do jeito que era antes.
As
comunidades dos discípulos e discípulas de Isaías, porém, enfrentaram o desafio
da dura realidade do cativeiro: O que será que Deus está querendo dizer a nós
por meio desta escuridão terrível de total abandono de Deus em que nos
encontramos aqui no cativeiro?
Qual a falsa
imagem de Deus que hoje está por detrás do sistema neoliberal e da lenta e
progressiva secularização da vida dos últimos duzentos anos? Qual a imagem de
Deus que estava por de trás da leitura errada da Bíblia legitimando a
depredação da natureza? Qual a imagem de Deus que está por de trás do progresso
da ciência? Muitos cientistas se dizem ateus. Talvez tenham razão, pois o Deus
que eles dizem não existir de fato não existe. Saramago que se dizia ateu disse
esta frase: "Deus é o silêncio do Universo; o ser humano é o grito que
tenta interpretar o silêncio".
Estrutura do
resto do texto:
OS DEZ PASSOS DO LONGO CAMINHO
A lição dos
Profetas
1. A nova
leitura da natureza: salmo 104
2. A
redescoberta do Amor Eterno: salmo 103
3. A nova
imagem de Deus: Deus de família: salmo 146
4. O
processo da releitura e de repensar todas as coisas: salmo 107
5. Os dois
decálogos: da Aliança e da Criação: "Assim na terra como no céu!"
salmo 19
6. Os dois
Livros de Deus: Natureza e Bíblia, uma nova síntese: salmo 65
7. A nova
Missão do povo de Deus: servir: salmo 15
8. Uma nova
pastoral: ternura, diálogo, reunião e consciência crítica: salmo 34
9. Uma nova
maneira de celebrar a vida: a lição dos salmos: salmo 95
10. O ponto
de chegada em Jesus: salmo 72
O PONTO DE
CHEGADA EM JESUS
Jesus
confirma o caminho percorrido
1. Jesus
refaz o relacionamento humano na base, na "Casa"
2. Recupera
a dimensão sagrada e festiva da Casa
3.
Reconstrói a vida comunitária nos povoados da Galiléia
4. Cuida dos
doentes e acolhe os excluídos
5. Recupera
igualdade homem e mulher
6. Vai ao
encontro das pessoas
7. Supera as
barreiras de gênero, religião, raça e classe
CONCLUSÃO
Jesus, luz
para iluminar a caminhada
1. Filho do
homem
2. Servo de
Deus
3. Redentor
dos irmãos
[elaboração do texto no sitio do Cimi/Assessoria Teológica:
www.cimi.org.br ]
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