Lucidez
Despojamento
Companheirismo
D. Leonardo Steiner secret. geral da CNBB |
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), motivado pelas
palavras de São Paulo aos Romanos, reuniu-se no Centro de Formação Vicente
Cañas, Luziânia (GO), de 4 a 8 de novembro, em sua XX Assembleia Geral, cujo
lema: ‘Desafios e perspectivas na construção do Bem Viver’ foi matriz de
reflexões para os cerca de 150 missionários, missionárias, colaboradores,
lideranças indígenas, convidados e assessores. O encontro aprofundou análises
realizadas há um ano, durante o Congresso dos 40 anos do Cimi, reflexivas à
ação missionária e conjuntura latente e vindoura.
No apoio incondicional ao protagonismo e autodeterminação dos
povos indígenas, denunciamos os ataques e investidas contra os direitos à
terra, o esbulho de territórios, a invasão, a violência, o racismo e a morte.
Denunciamos e acusamos o governo federal de ser parte integrante desta ampla
ofensiva anti-indígena, alimentando com bilhões de reais o setor que melhor
expressa a sanha colonizadora e opressora no campo brasileiro: o latifúndio
desdobrado na rede do agronegócio e na bancada ruralista encastelada no
Congresso Nacional. Há séculos a perspectiva latifundiária tem sido o ‘chicote’
que mantém a escravidão, grilagem de terras, assassinatos encomendados, promove
a devastação de recursos naturais e a concentração fundiária.
Este governo paralisou a demarcação de terras no país em
troca de negociatas pré-eleitorais e, com isso, desrespeita a Constituição
Federal e acordos internacionais, como a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT). A todo custo, rasga territórios com usinas
hidrelétricas sem consultar as comunidades afetadas, deixa morrer centenas de
indígenas por enfermidades de fácil tratamento, mesmo com milhões destinados à
saúde destes povos. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) continua
apostando na terceirização de serviços de saúde, modelo comprovado pelas
comunidades como ineficiente e corruptível. Ao mesmo tempo, amplia o aparelhamento político do sistema e
responde às críticas com articulações que promovem a divisão do movimento
indígena, especialmente no que se refere ao controle social.
A Presidência da República, por sua vez, mantém órgãos como a
Advocacia-Geral da União (AGU) a serviço de interesses anti-indígenas. Exemplo
disso foi a edição da Portaria 303/2012 que visa estender para as demais terras
indígenas as condicionantes de Raposa Serra do Sol (RR). É uma afronta à
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros definiram, no
julgamento da Petição 3388, que elas não são vinculantes, portanto, restritas
ao caso concreto de Raposa Serra do Sol.
Acusamos o Poder Legislativo, dominado pelos ruralistas, em
insistir com propostas de emendas à Constituição e leis complementares,
projetos de lei e pronunciamentos racistas nas tribunas da Câmara e do Senado
numa cruzada anti-indígena pela desconstrução do direito originário à terra. A
PEC 215/2000, PEC 237/2013, o PLP 227/2012, PL 1610/1996, a Portaria
Interministerial 419/2011 e o Decreto 7957/2013 são hoje perigos iminentes ao
futuro da vida dos povos indígenas. Sem ouvir as comunidades e atendendo a
interesses de grupos econômicos, tais medidas precisam ser arduamente
combatidas e razão para a unidade do movimento indígena, fortalecimento dos
povos e diálogo intercultural com os demais grupos e coletivos, que hoje se
erguem no país e mundo na perspectiva da ‘desobediência civil’.
As ações do Estado refletem a etnofagia estatal como lógica
de integração da pluralidade numa única perspectiva, o caráter uninacional e
monocultural do Estado-nação e a visão única do atual modelo desenvolvimentista
que privilegia pequenos grupos em detrimento de outras perspectivas de vida
plena. Nota-se o aprofundamento do pensamento racista ocidental, que não
reconhece os povos originários e comunidades tradicionais como plenamente
capazes de pensar e produzir conhecimento. Vivemos uma democracia colonialista
e precisamos dar o giro descolonial. Nessa perspectiva, combatemos o projeto do
atual governo que promove a reterritorialização do capital rumo, sobretudo, ao
centro-oeste e norte do país, tal como previa o governo militar nos anos 1970.
Se fortalece, todavia, a luta no rumo da ruptura sistêmica -
a pachakuti - e na conversão pessoal em combate à sociedade do crédito, da
saída individualizada; ruptura e conversão têm dimensões sociais, políticas,
éticas e econômicas. A cidadania, destinada pelo atual modelo a expressar-se
pelo consumo, precisa refletir o pluralismo histórico e afirmar as identidades dos povos indígenas,
quilombolas, das comunidades tradicionais, campesinas e de outras populações do
campo.
Durante a XX Assembleia, representantes indígenas
manifestaram profundas preocupações diante de tais investidas contra seus
direitos pelo Estado brasileiro, com brutal violência, assassinatos e
criminalização. Ao refletirem sobre os setores que os oprimem, dizem que “se
não nos deixarem sonhar, não os deixaremos dormir”. Com convicção, afirmaram
que jamais renunciarão às suas terras. Ao mesmo tempo, sentem-se encorajados
por todos aqueles que deram suas vidas na luta pelos seus direitos, por avanços
conquistados e pela certeza de que jamais serão vencidos. Esperam continuar com
o apoio solidário do Cimi e de mais aliados e amigos.
Atendendo a este chamamento dos povos indígenas, a XX
Assembleia Geral do Cimi definiu as suas prioridades de ação: terra e
território como direito fundamental; formação política e metodológica de
missionários e indígenas; a urbanização e seus impactos sobre os povos e
territórios; movimento indígena e alianças com setores comprometidos na defesa
da causa indígena por um Estado Pluriétnico.
Com os povos indígenas, originários de todo continente, Abya
Yala, com os quilombolas, populações tradicionais, campesinos, com os
empobrecidos e oprimidos, queremos renovar nossa profunda convicção de que
mesmo que neguem a vida, decepem as árvores, é da raiz invencível que brotarão
flores e frutos, mel e leite, novos projetos de sociedade, do Bem Viver
defendido pelos povos ameríndios.
Luziânia, GO, 8 de novembro de 2013
XX Assembleia Geral do Conselho
Indigenista Missionário - Cimi
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7236&action=read
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