Geógrafo
de formação, o britânico David Harvey é um dos grandes comentadores da obra de
Karl Marx. Ele profere hoje, em Porto Alegre, às 19h, no Teatro da Amrigs
(Avenida Ipiranga, 5.311), a palestra Para Ler “O Capital”. O título da
conferência ancora-se no livro Para Entender “O Capital” (Boitempo, 335
páginas, R$ 49), que está saindo agora no Brasil.
A
entrevista é de Carlos André Moreira e publicada pelo jornal Zero Hora,
25-03-2013.
Eis
a entrevista.
O
que o senhor pode adiantar de sua conferência?
O
tema vai girar sobre os motivos para ler Marx hoje, e que tipo de coisas
podemos aprender com ele e o que não podemos aprender com ele, dado que tem
havido muitos mal-entendidos a respeito disso. Vou falar também sobre sua
significação política e também o quão útil ele pode ser para a compreensão do
contexto das atuais dificuldades enfrentadas pela economia global.
E
por que ler Marx hoje?
Porque
o que Marx fez, em O Capital, particularmente, foi escrever uma exposição
crítica de como o capitalismo funciona. E hoje, após 30 ou 40 anos de políticas
neoliberais, de muitas maneiras, o que Marx conta descreve exatamente o mundo
que está sendo construído agora. Então, ele é muito relevante para o
entendimento da dinâmica da atual situação mundial.
Com
a crise de 2008, muitos se apressaram em declarar o fim do capitalismo
financeiro. O senhor, entretanto, alertou recentemente que as grandes fortunas
especulativas só aumentaram. Por que isso aconteceu?
Porque
muitos integrantes da elite financeira têm uma influência real e direta sobre a
mídia e sobre conexões políticas e usaram a crise para melhorar sua situação.
Alguns deles se deram mal, alguns foram para a cadeia, é verdade, mas a longo
prazo, essa fatia de 0,1% da população que compõe a fatia mais rica ficou ainda
mais rica do que há cinco anos, quando a crise estourou.
A
crise financeira levou pessoas às ruas para manifestações contra a falta de
regulamentação do capital. Que oportunidades se abriram para propostas
alternativas ao modelo vigente?
Em
minha opinião, abriram-se muitas oportunidades. Acho, contudo, que a grande
pergunta é: por que tais oportunidades não estão sendo aproveitadas de modo
mais efetivo pela esquerda? Em especial, acho que não vimos os partidos
políticos da esquerda se apresentarem à altura do desafio. A maior parte desses
protestos ocorreu nas ruas, e não parece ter alcançado os políticos. Penso que
as instituições por meio das quais as mudanças políticas são organizadas
tradicionalmente, como sindicatos ou partidos políticos, simplesmente
desapareceram e não foram fortes o bastante para articular o que deveria ser
uma alternativa anticapitalista. As oportunidades apareceram. A pergunta é por
que a esquerda não tirou melhor proveito.
Slavoj
Zizek, que veio a Porto Alegre no início deste mês, comentou que as
manifestações não geraram proposta concreta alguma, e que faltava aos
manifestantes uma ideia do que queriam de fato. O senhor concorda?
Sim.
A maior parte das manifestações tinha caráter de pura oposição, e não foram
construtivas a respeito de alternativas. Meu trabalho tem sido no intuito de
mudar isso, de tentar criar uma visão alternativa, com a qual as pessoas possam
se identificar e pela qual possam se mobilizar. Penso que foi o que Marx e
Engels fizeram quando escreveram o Manifesto Comunista, e deveríamos estar
fazendo algo parecido agora. Claro que as condições hoje são diferentes, não
podemos repetir o Manifesto..., temos que lidar com a situação de crise global,
com as interações que estão ocorrendo com as novas tecnologias e, é claro, com
a natureza financeira do capitalismo atual. Temos um cenário diferente hoje do
de há 150 anos, mas temos a obrigação de articular o que poderia ser uma
alternativa anticapitalista.
Zizek
também comentou que, passados cinco anos, a maior consequência da crise foi a
perda, pela Europa, do papel de modelo. Na sua opinião, a crise é apenas
europeia?
Não.
A crise está em toda parte, mas assumiu diferentes formas. Se você perguntar
sobre a situação do desemprego, obviamente certas partes da Europa têm altos
índices, e outras, como a Alemanha, têm baixos índices. E na própria Europa
parte está se saindo muito bem e parte está se saindo muito mal, é o que eu
chamo de dessenvolvimento geográfico desigual da crise. Nós vemos isso mesmo em
outros países. Em Nova York, de onde venho, a economia não está se saindo muito
mal. Temos algumas dificuldades, mas não está tão mal quanto Las Vegas, Florida
ou Phoenix. É um desenvolvimento desigual da crise, e você tem de ser muito
específico sobre qual a natureza da crise. Em uma parte do mundo, é desemprego,
em outra, é a instabilidade financeira, e em outra ainda, é a crise política. A
maior parte da Europa em dificuldades, principalmente na zona do Euro, está em
uma crise política.
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