"O
lugar de nascimento e o continente de proveniência do respectivo candidato são
menos importantes que o alinhamento teológico-pastoral. A passagem pela Cúria
Romana já fez de muitos latino-ericanos e africanos verdadeiros
representantes do projeto curial e neocolonial. Por vezes, seus representantes
são mais papais que o próprio papa", escreve Paulo Suess, assessor
teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi - e professor no ciclo de
pós-graduação em missiologia, no Instituto Teológico de São Paulo – ITESP.
Segundo
o teólogo, "pode surgir um nome quase desconhecido, o nome de um pastor
que, como o filho de Jessé, se encontrava no campo apascentando ovelhas, um
Davi capaz de vencer Golias e escolhido por Deus. (cf. 1 Sam 16 e 17)".
[Fonte: F.d. S.P, Angeli]
Chegou a hora da verdade: dia 12.03.2013 |
Eis o
artigo.
Consenso
A
maioria dos cardeais, que nestes dias entram no conclave, quer transparência
administrativa e honestidade moral – urbi et orbi. Aprenderam em suas dioceses
que a anonimidade da esmola não deve ser confundida com “projetos” para os chamados
“serviços de caridade”, apoiados por agências financiadoras como Caritas,
Adveniat ou Pão para o Mundo. O povo que subvenciona essas atividades quer
saber o que acontece com o dinheiro que põe no cofre da igreja. O mesmo povo
ensinou também seus pastores a perceber a diferença fundamental entre deslizes
celibatários de seu clero e pedofilia criminosa. O chamado “sigilo pontifício”,
às vezes, estendido para campos administrativos nas dioceses, cria
desinformação e não ajuda nessa transparência.
Contudo,
nas questões administrativas e sobre a tolerância-zero nos casos de pedofilia
há consenso como há consenso sobre a tarefa de o novo papa criar mecanismos
estruturais de controle desde o Instituto de Obras Religiosas (IOR), o Banco do
Vaticano, até à segurança dos documentos na mesa do próprio papa.
Mas,
além desse consenso sobre um novo ordenamento administrativo da Cúria Romana,
existe, neste momento eclesial, uma linha divisória entre dois projetos
eclesiológicos: o projeto da “nova evangelização”, como extensão da cristandade
em novos contextos urbanos, e o projeto “povo de Deus”, inspirado no Concílio
Vaticano II. O primeiro projeto é majoritário entre os cardeais que entram no
conclave e, está centrado na mentalidade da hierarquia europeia. O segundo é
minoritário, acompanha as lutas populares por justiça e assume uma clara opção
pelos pobres. Para ambos os projetos, o lugar de nascimento e o continente de
proveniência do respectivo candidato são menos importantes que o alinhamento
teológico-pastoral. A passagem pela Cúria Romana já fez de muitos
latino-americanos e africanos verdadeiros representantes do projeto curial e
neocolonial. Por vezes, seus representantes são mais papais que o próprio papa.
Cenário
1: Continuísmo europeu
Para o
projeto da Nova Evangelização, o nome mais lembrado é o do cardeal Angelo
Scola, de Milão. Trabalhou com o teólogo Joseph Ratzinger na redação da revista
Comunio, um projeto alternativo, à revista Concilium que procurou manter o
projeto do Vaticano II aberto para o futuro. Numa escolha simbólica para ser um
futuro papábile – veja a trajetória de Pio XI (1922) e Paulo VI (1963) que
tiveram passagem por Milão! -, Bento XVI transferiu Scola de Veneza para Milão.
Pode ser que os cardeais votantes querem romper com a linha Wojtyla-Ratzinger
ou que os 28 cardeais italianos com poder de voto não cheguem a articular uma
maioria de dois terços dos votantes.
Cenário
2: Continuísmo com aliados não europeus
Na
busca de um cardeal similar, se impõe um segundo cenário: um cardeal não
europeu, com formação e cabeça feita pela Cúria Romana. Neste caso, o nome do
arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer (63), descendente de migrantes
alemães, vai se impor. Scherer fala as línguas necessárias para o cargo e tem a
formação teológica adequada. Ele está muito bem relacionado com a Cúria Romana
que, desde a sua passagem pela Congregação para os Bispos, tem um interesse de
tê-lo por perto, através de múltiplos ministérios que lhe foram confiados.
Scherer é membro da Congregação para o Clero, da Comissão Cardinalícia de
Vigilância do Instituto para as Obras de Religiões, fez parte do XII Conselho
Ordinário da Secretaria do Sínodo dos Bispos, é membro do Pontifício Conselho
para a Família, da Pontifícia Comissão para a América Latina e do Pontifício
Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.
De
1994 até 2001, Odilo Scherer era Oficial da Congregação para os Bispos, na
Cúria Romana. Pela mesma Congregação, a qual serviu sete anos, foi diretamente
nomeado bispo-auxiliar de São Paulo (2001). Seis anos mais tarde, em 2007,
Scherer foi nomeado arcebispo de São Paulo e poucos meses depois, cardeal.
Na
Congregação para os Bispos, Odilo Scherer foi estreito colaborador de Giovanni
Battista Re, que de 1987 até 2000 era secretário e de 2000 até 2010, prefeito
da Congregação para os Bispos e presidente da Pontifícia Comissão para a
América Latina. Em 2007, cardeal Re foi um dos presidentes da 5ª Conferência do
Episcopado Latino-Americano, em Aparecida, onde autuou junto com dom Odilo. E,
finalmente, Battista Re vai presidir o conclave para a eleição do sucessor de
Bento XVI.
Ainda
como bispo-auxiliar, entre 2003 e 2007, Scherer era secretária-geral da CNBB,
onde se destacou pelo estreitamento das relações entre CNBB, Nunciatura,
Congregação para os Bispos e Secretaria de Estado do Vaticano. Angelo Sodano,
desde 1991 Secretário de Estado, hoje é decano do Colégio dos Cardeais, cargo
que lhe confere o comando dos debates do pré-conclave. Em 2005, por ocasião da
greve de fome de dom Luis Flávio Cappio, bispo da Diocese de Barra/BA, em
defesa dos moradores ao longo do rio São Francisco, dom Odilo publicou uma carta
de advertência do cardeal Re, dirigida a dom Cappio, no sitio da CNBB. Essa
carta questionou a legitimidade doutrinal de seu gesto profético e sua
publicação feriu o “segredo pontifício” que vale para a correspondência entre
Cúria Romana, Nuntiatura e bispos. Já como cardeal de São Paulo, Scherer
declarou repetidas vezes: “a teologia da libertação acabou” e, perguntado por
Bento XVI sobre forças novas na pastoral urbana, apontou para os Arautos do
Evangelho.
Além
de Angelo Sodano e Battista Re, o cardeal Scherer ainda tem Ludwig Müller, o
prefeito da Congregação pela Doutrina da Fé, como aliado. Este, quando ainda
era professor de Teologia Dogmática na Universidade de Munique, passou anos
seguidos por São Paulo, com visitas em Campo Limpo e na Faculdade de Assunção,
onde, a convite da Pós-Graduação em Missiologia, administrou duas vezes algumas
aulas. Depois de sua nomeação como bispo de Regensburg, dom Müller entregou
pessoalmente a arquidiocese uma grande quantidade de dinheiro como doação
missionária de sua diocese para restaurar o Seminário Tridentino no bairro de
Ipiranga.
Além
dos aliados externos da candidatura de dom Odilo, o monsenhor Antônio Luiz
Catelan, jovem assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé na CNBB,
que acompanha os cardeais brasileiros em Roma, se revelou um simpatizante
explícito da candidatura de Scherer. Catelan enalteceu o comportamento de dom
Odilo na crise da reitoria da PUC, sua capacidade administrativa e seus
contatos com cardeais italianos influentes no conclave. “Podem apresenta-lo
como um bom candidato” (Folha de São Paulo, 6.3.2013., p. A8) recomendou aos
jornalistas.
Cenário
3: Igreja povo de Deus, colegialidade e diálogo
Apesar
dessa projeção, pode ser, que Odilo Scherer não alcance a maioria necessária
pela perspectiva de pouco espaço para inovações. Nesse caso, a minoria do
conclave vai tentar articular um terceiro cenário em torno do projeto do
Vaticano II, enfatizando a eclesiologia “Igreja povo de Deus”, colegialidade,
diálogo entre os dicastérios da cúria, com a Igreja local e as religiões.
As
figuras de proa desse projeto “povo de Deus” serão o nigeriano Peter Turkson,
presidente do Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, o filipino Luis Antonio
Tagle e o hondurenho Oscar Rodrigues Maradiaga, presidente da Caritas
Internacional. Este se enfraqueceu por ter apoiado, em 2009, o Golpe de Estado
em Honduras. Provavelmente nenhum dos nomes que representa com força o projeto
conciliar, vai ser eleito papa.
Cenário
4 e 5: Negociação ou surpresa
Um quarto cenário será de composição, tipo “café com leite”. Mas, finalmente, num quinto cenário, pode surgir um nome quase desconhecido, o nome de um pastor que, como o filho de Jessé, se encontrava no campo apascentando ovelhas, um Davi capaz de vencer Golias e escolhido por Deus. (cf. 1 Sam 16 e 17).
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