Hélio Schwartsman - Guerras de circuncisão
SÃO PAULO - Na Europa e nos EUA, jornais não cessam de debater a
circuncisão. O pretexto é a decisão de uma corte alemã de considerar que a
realização do procedimento por razões não médicas constitui uma forma de lesão
corporal sendo, portanto, punível criminalmente. A sentença revoltou as
comunidades judaica e islâmica da Alemanha.
De minha parte, como bom judeu ateu, poupei meus filhos desse cruento
ritual primitivo, mas, diferentemente de certos grupos religiosos, não pretendo
que minhas escolhas pessoais sejam universalizáveis.
Os militantes anticircuncisão mais aguerridos a equiparam à excisão do
clitóris, mas a comparação é enganosa. A clitorectomia tem o objetivo de fazer
com que a mulher não sinta prazer no ato sexual. As repercussões da circuncisão
masculina são bem menos dramáticas. Assemelham-se mais a marcas de outros ritos
iniciáticos como tatuagens e escarificação. Há até trabalhos sugestivos de que
ela traz benefícios, como a redução do risco de câncer e DSTs.
Esses, entretanto, me parecem argumentos secundários. O que está
realmente em jogo aqui é até que ponto pais podem tomar decisões em nome de
seus filhos. E eu receio que, mesmo admitindo que por vezes os genitores não
fazem as escolhas mais sábias, não temos outro caminho que não confiar a eles a
tarefa de cuidar dos rebentos. Não dá para interferir a todo instante nessa
relação com a mão pesada e impessoal do Estado.
É preferível reservar a intervenção, que pode ser legítima, para
situações mais graves, nas quais a vida ou a saúde da criança estejam
seriamente ameaçadas. Pais são, por razões evolutivas, os melhores guardiães
para seus filhos. Ainda que pudéssemos redesenhar o mundo a partir do zero,
dificilmente chegaríamos a solução melhor do que a encontrada pela natureza,
que, após milhões de anos de tentativa e erro, logrou obter um equilíbrio sutil
entre os interesses genéticos e individuais de cada parte.
FOLHA DE S.PAULO
30/09/2012
Para a discussão cf.:
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