Caminhar, migrar, fugir para sobreviver


Migrantes, feridas e cicatrizes

Fonte: ADITAL JOVEM
Autor: Pe. Alfredo J. Gonçalves

Para grande parte das pessoas e famílias, a migração significa um golpe. Abre profundas feridas nos lugares de origem, durante o percurso da viagem e nos pontos de destino. Tanto pior se a "aventura” é compulsória, o que ocorre na imensa maioria dos casos.

A saída, além de provocar lágrimas amargas, faz sangrar a alma, estremecer as entranhas. Coisa dolorosa é cortar raízes, arrancá-las do solo onde estão sepultados os ancestrais, desfazer-se da terra que nos viu nascer, crescer e desenvolver-se. Queiramos ou não, possuímos algo de uma árvore!
No momento da despedida, sofre quem fica e sofre quem parte. A separação é sempre complicada, deixa um sabor azedo no estômago. Inicia-se, ademais, um processo de desintegração do grupo familiar cujo desdobrar-se e cujo final permanecem cerrados. Não raro a própria coesão parental e social se vê ameaçada.

Sair é quase sempre ir ao encontro do desconhecido. A incerteza, a insegurança e a instabilidade quanto ao futuro acompanham a bagagem de quem deixa a própria terra, especialmente se o faz pela primeira vez.
Mas o trânsito também reserva surpresas e adversidades desagradáveis. Os gastos são muitos e o dinheiro é sempre curto. O encontro/desencontro com os "coyotes/gatos”, porém, torna as coisas ainda mais dramáticas, quando não perigosas e às vezes trágicas. São aves de rapina que não deixam em paz o migrante enquanto não lhe tomam as últimas economias, recolhidas centavo a centavo. "Traficantes de carne humana”, denunciava Dom João Batista Scalabrini – "pai e apóstolo dos migrantes” – no final do século XIX.

Depois, acumulam-se os dissabores referentes à documentação e, novamente, o encontro/desencontro com o pessoal e a burocracia da alfândega.
Em ambos os tropeços – problema com os coyotes/gatos e com as autoridades migratórias – jamais está descartada a possibilidade de morte, num caso, e de deportação, no outro. Isso para sequer falar da precariedade dos transportes e dos alojamentos oficiais, da criminalização do ato de migrar, nem do puro e simples desaparecimento em meio às águas do mar ou nas areias do deserto.
No momento da chegada, novas surpresas esperam o migrante. Não se trata somente do desafio de encontrar trabalho, moradia, socorro na doença, escola para os filhos... Questões todas vinculadas à regularização dos documentos. Documentação em dia constitui a porta de entrada para os serviços públicos em geral.
Talvez mais grave, embora quase sempre invisível e silenciado, seja o problema da estranheza (estraneidade). Como uma árvore com as raízes ao sol, o imigrante sente-se um "estranho no ninho”. Situação que se agrava inevitavelmente nos casos de língua, cultura e costumes diferentes dos lugares de acolhida.
Enfim, se não dispõe de qualquer tipo de qualificação profissional, aguarda-o em geral os serviços mais sujos e pesados, mais perigosos e mal pagos. Entra quase sempre pela porta dos fundos, raramente chega à sala de visitas, e menos ainda à cozinha, o coração da casa, onde o calor é maior e mais familiar e a comida farta.
Semelhantes feridas – provocadas na origem, no trânsito e no destino – podem ser cicatrizadas? Sim e não! A resposta será claramente negativa para parte crescente dos migrantes. Além dos embates cotidianos, solidão, desintegração da família e sensação de estranheza os acompanharão por toda vida. Está condenado a ser estrangeiro e basta!

A resposta poderá ser afirmativa se e quando o migrante for capaz de inserir-se relativamente bem na comunidade de chegada e, ao mesmo tempo, conseguir recompor o grupo familiar ou costurar uma rede de apoio que lhe confira certa sustentabilidade emocional, socioeconômica e cultural.

Desnecessário acrescentar que, neste caso, quase sempre estamos falando de exceções. A regra é o insucesso ou o sucesso parcial, em que as feridas permanecem irremediavelmente abertas – custam a cicatrizar.

Um comentário:

  1. Enquanto não surgem ações adequadas de proteção eficaz aos migrantes, forçados a abandonar seus lugares de origem, sinto que é necessária, além do acolhimento por organizações humanitárias, cristãs e outras, a intervenção de organismos supranacionais, como os "Médicos sem Fronteiras", e todas instituições que atuam em benefício da vida humana.
    Difícil deve ser a articulação desses grupos....Pensar que existem grupos poderosos, se articulando para desfrutar de poder, muito dinheiro, bens como os cartolas do futebol mundial, Ou como as grandes empresas que se unem ,formando cartéis, para obter vantagens em grandes negociatas.....será que as pessoas de bem poderiam se entender para, gradativamente, erradicar a miséria, a fome , promover a vida humana, com dignidade, em todas as partes da terra?

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