Queda livre
Faustino Teixeira,
texto publicado em Rede,
Boletim de Cristãos (julho 2012)

Os dados que acabam de ser apresentados pelo IBGE com respeito às
religiões brasileiras no Censo Demográfico de 2010 confirmam a situação de
progressivo declínio na declaração de crença católica. Os dados apresentados
indicam que a proporção de católicos caiu de 73,8% registrados no censo de 2000
para 64,6% nesse último Censo, ou seja, uma queda considerável. Trata-se de uma
queda que vem ocorrendo de forma mais impressionante desde o censo de 1980,
quando então a declaração de crença católica registrava o índice de 89,2%. Daí
em diante, a sangria só aumentou: 83,3% em 1991, 73,8 % em 2000 e 64,6% em
2010. O catolicismo continua sendo um “doador universal” de fiéis, ou seja, “o
principal celeiro no qual outros credos arregimentam adeptos”, para utilizar a expressão
dos antropólogos Paula Montero e Ronaldo de Almeida. A redução católica ocorreu
em todas as regiões do país, sendo a queda mais expressiva registrada no Norte,
de 71,3% para 60,6%. O estado que apresenta o menor percentual de católicos
continua sendo o do Rio de Janeiro, com 45,8% (uma diminuição com respeito ao
censo anterior que apontava 57,2%). O estado brasileiro com maior percentual de
católicos continua sendo o Piauí, com 85,1% de declarantes (no censo anterior o
registro era de 91,4%). Os dados indicam que o Brasil continua tendo uma
maioria católica, mas se a tendência apontada nesse último censo continuar a
ocorrer teremos em breve uma significativa alteração no campo religioso
brasileiro, com impactos importantes em vários campos.
O novo censo aponta um dado que já era previsível, a continuidade do
crescimento evangélico no Brasil. Foi o segmento que mais cresceu segundos os
dados agora apresentados: de 15,4% registrado no censo de 2000 para 22,2%. O
aumento é bem significativo, em torno de 16 milhões de pessoas. Um olhar sobre
os três últimos censos possibilita ver claramente essa irradiação crescente:
6,6% em 1989, 9,0% em 1991, 15,4% em 2000 e 22,2% em 2010. O Brasil vai, assim,
se tornando cada vez mais um país de presença evangélica. Há que sublinhar,
porém, que a força desse crescimento encontra-se no grupo pentecostal, que é o
responsável principal por tal crescimento, compondo 60% dos que se declararam
evangélicos (no censo anterior, o peso decisivo no crescimento dos evangélicos,
em 15,44% da declaração de crença, foi dado também pelo pentecostais, que
sozinhos mantinham 10,43% do índice geral evangélico). Os evangélicos de missão
não registram esse crescimento expressivo, firmando-se em 18,5% da declaração
de crença evangélica.
Os “sem religião”, que no censo de 2000 representavam a terceira maior
declaração de crença no Brasil mantiveram o seu crescimento, ainda que em ritmo
menor do que o ocorrido na década anterior. Eles eram 7,28% no censo de 2000 e
subiram agora para 8% (um índice que comporta mais de 15 milhões de pessoas), e
o seu registro mais significativo continua sendo no Sudeste. Esse crescimento
não indica, necessariamente, um crescimento do ateísmo, mas uma desfiliação
religiosa, um certo desencanto das pessoas com as instituições religiosas
tradicionais de afirmação do sentido. Reflete um certo “desencaixe” dos antigos
laços, como bem mostrou Antônio Flávio Pierucci em suas pesquisas.
Os espíritas também seguem crescendo. Os dados do censo de 2010
indicam um crescimento importante, com respeito ao censo anterior: de 1,3% para
2%. São agora cerca de 3,8 milhões de adeptos declarantes. Trata-se do núcleo
que tem os melhores indicadores de educação, envolvendo o maior número de
pessoas cm nível superior completo (31,5%). Os dados apontados pelo censo são
importantes, mas há que lembrar a presença de uma “impregnação espírita” na
sociedade brasileira que escapa à abordagem estatística. Isso os estudiosos do
espiritismo têm mostrado com pertinência. As crenças e práticas espíritas têm
uma alta “ressonância social”, transbordando a dinâmica de vinculação aos
centros espíritas.
Quanto às religiões afro-brasileiras, tanto a umbanda como o candomblé
mantiveram-se no eixo de 0,3% de declaração de crença. Não houve mudança
substantiva com respeito ao censo anterior, que indicava a porcentagem de 0,26%
para a umbanda e 0,08 para o candomblé.
Com respeito às outras religiões, permanecem com uma
representatividade pequena que em sua soma geral não ultrapassa 3,2% de
declaração de crença. Mantém-se viva a provocação feita por Pierucci em artigo
escrito depois do censo de 2000 sobre a diversidade religiosa no Brasil, de que
o Brasil continua hegemonicamente cristão, e a diversidade religiosa – ainda
que em crescimento -, permanece apertada em estreita faixa um pouco acima de 3%
da declaração de crença. Com base nos dados do censo agora apresentado, os
cristãos configuram 86,8% da declaração de crença. Não há dúvida que isso pode
ser problematizado com a questão complexa da múltipla pertença ou então da
malha larga do catolicismo, que envolve, como diz Pierre Sanchis a presença de
“muitas religiões” em seu interior.
No mato sem cachorro?
CNBB reflete sobre respostas da Igreja aos dados mostrados no “mapa
das religiões” do IBGE (26/09/2012)
Os bispos que compõem o Conselho Episcopal Pastoral, Consep, reunidos
em Brasília, desde a manhã desta terça-feira, 25 de setembro, voltaram a
discutir o quadro geral das religiões no Brasil apresentado pelos resultados do
Censo feito pelo IBGE em 2010 e publicados em junho deste ano. Desta vez, a
reflexão foi dirigida às iniciativas pastorais que devem ser tomadas ou
reforçadas para responder ao fato de que caiu o número de brasileiros que se
declaram membros da Igreja Católica.
Segundo o IBGE, "os resultados do Censo Demográfico 2010 mostram
o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil. A proporção de
católicos seguiu a tendência de redução observada nas duas décadas anteriores,
embora tenha permanecido majoritária. Em paralelo, consolidou-se o crescimento
da população evangélica, que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. Dos
que se declararam evangélicos, 60,0% eram de origem pentecostal, 18,5%,
evangélicos de missão e 21,8 %, evangélicos não determinados". A pesquisa
revela também "que os católicos romanos e o grupo dos sem religião são os
que apresentaram percentagens mais elevadas de pessoas do sexo masculino. Os
espíritas apresentaram os mais elevados indicadores de educação e de
rendimentos".
Padre Thierry Linard de Guertechin, presidente do Instituto Brasileiro
de desenvolvimento, IBRADES, organismo anexo da CNBB, resumiu a questão
apresentada no chamado "mapa das religiões". Ele lembra que não se
deve prender ao que se têm destacado muito às duas categorias de
"católicos" e "evangélicos". Há novas comunidades cristãs
que cresceram. É preciso ainda considerar que cresceu também o número dos que
se declaram sem religião. Padre Thierry ressaltou que o casamento tem sido um
fator importante na análise da situação atual. Há um número considerável de
casais com uniões consideradas não regulares que estão fora das contas oficiais
sobre os membros da Igreja. Lembrou também que há que se considerar a situação
das comunidades que não têm assistência dos ministros ordenados. E não se pode
esquecer que há declaração daqueles que não são praticantes.
Os bispos abriam uma conversa ampla. "É preciso considerar o
resultados das pesquisas na elaboração dos planos de pastoral de nossas
dioceses", disse dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG) e
presidente da Comissão de Educação e Cultura da CNBB. "É preciso pensar em
estruturas mais simples para nossas comunidades", continuou dom Mol e
afirmou que estão fazendo em Belo Horizonte uma pesquisa, tecnicamente
profissional, para se aprofundar o significado dos números. Dom João Carlos
Petrini, bispo de Camaçari (BA) e presidente da Comissão Episcopal para a Vida
e Família, falou que o percentual dos não praticantes dos brasileiros que se
declaram católicos torna-se, facilmente, disponível para a oferta de outras
Igrejas que têm, por exemplo, o trabalho de visitar as pessoas de casa em casa
com a disposição de ler a Bíblia.
"Os números mostram que a nossa catequese não é ainda
suficiente", afirmou dom Jacinto Bergmann, bispo de Pelotas (RS) e
presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a animação bíblico-catequético.
Ele considera que a formação de grupos bíblicos pode ser um sinal de esperança
na evangelização. "É preciso levar a sério as pesquisas", disse o
cardeal dom Claudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e presidente da
Comissão Episcopal para a Amazônia. Ele diz que desde que se começou a divulgar
dados sobre o número dos católicos verifica-se quedas. Considera que é
importante considerar o modo como se acolhe para os sacramentos e é preciso
partir da fé do povo e não colocar em dúvida a fé que as pessoas manif estam
ainda que não se tenha uma exposição teologicamente elaborada. O cardeal também
mencionou a importância da participação dos leigos. Sobre esse tema, o prof. Geraldo
Aguiar, assessor da Comissão Episcopal Pastoral, declarou: "Acreditem nos
leigos e haverá um processo de transformação da nossa Igreja".
Dom Guilherme Werlang, bispo de Ipameri (GO), presidente da Comissão
Episcopal Pastoral para a Caridade, Justiça e a Paz, destacou a importância da
formação dos ministros ordenados considerando que a Eucaristia é a fonte e o
horizonte da Igreja. Reforçou ainda a importância da participação dos leigos
com a valorização dos leigos e a ênfase no "ir ao povo". Nesta linha,
prof. Sergio Coutinho, da Comissão do Laicato, chamou atenção para a correlação
dos resultados do Censo de IBGE com os dados da pesquisa do CERIS. Houve um
crescimento no número das paróquias, aumento dos números dos párocos, ampliação
do quadro dos diáconos. Insistiu na importância das comunidades eclesiais de
base com uma séria "desideologização" dessas expressões legítimas da
vida da Igreja.
"Nós corremos o risco de fazer boas análises sem que isso reflita
na pastoral considerando também o aprofundamento da realidade local",
lembrou dom Sergio da Rocha, arcebispo de Brasília (DF) e presidente da
Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé. "Formar cristãos de
verdade" é esse o grande objetivo da evangelização e isso, certamente,
refletirá nos números. Dom Pedro Brito, arcebispo de Palmas (TO) e presidente
da Comissão Episcopal Pastoral para os ministérios ordenados, considera
importante a formação de missionários leigos nas comunidades. Dom Sergio
Braschi, bispo de Ponta Grossa (PR), presidente da Comissão Episcopal Pastoral
para a Ação Missionária realçou a valorização dos diáconos.
Dom Dimas Lara Barbosa, arcebispo de Campo Grande (MS) e presidente da
Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação destacou a iniciativa da
setorização das paróquias, comunidade de comunidades, porque considera que essa
urgência "puxa" todas as outras apresentadas pelas Diretrizes Gerais
da Ação Evangelizadora. Dom Eduardo Pinheiro, bispo auxiliar de Campo Grande e
presidente da Comissão Episcopal Pastoral reforçou a eficácia das iniciativas
da setorização das paróquias e também lembrou que a peregrinação da cruz e do
ícone de Nossa Senhora está dando um recado claro por parte dos jovens:
"nós estamos aqui!". No âmbito de todas essas considerações, segundo
Padre Sidnei Marcos Dornelas, assessor da Missão Continental, há uma integração
entre os apelos da Nova Evangelização, os apelos do CELAM e as Diretrizes
Gerais da CNBB.