Belo Monte foi obrigada a consultar os indígenas


Sexta, 17 de agosto de 2012

A determinação de paralisar a obra de Belo Monte no Rio Xingu, no Estado do Pará, foi tomada na noite do dia 13, de forma unânime pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região e anunciada no dia seguinte.

A reportagem é de Fabiana Frayssinet e publicado pelo portal Envolverde, 16-08-2012 e Unisinos.



Os juízes consideraram que a construção da que seria a terceira maior hidrelétrica do mundo não respeitou a Constituição nem o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), porque as comunidades indígenas afetadas não foram consultadas previamente. “A Constituição Federal e o Convênio da OIT dizem que o Congresso deve fazer uma consulta aos povos tradicionais que sofrerão o impacto, antes de autorizar qualquer programa de exploração de recursos existentes em suas terras”, apontou o relator do processo, magistrado Antônio de Souza Prudente, ao anunciar a decisão.

“Pelo contrário, deputados e senadores aprovaram o decreto que permitiu o início das obras, prevendo uma consulta póstuma e não prévia”, acrescentou Prudente ao interpretar esse fato como próprio de “uma ditadura”. Os “povos indígenas devem ser ouvidos e respeitados”, ressaltou.

Belo Monte é um dos grandes projetos de infraestrutura planejados pelas administrações do Partido dos Trabalhadores tanto no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) quanto no de Dilma Rousseff. O governo argumenta que esta obra, que inundará 516 quilômetros quadrados, é necessária para atender a crescente demanda energética do país.A hidrelétrica terá capacidade máxima de geração de 11.233 megawatts (MW) em épocas de cheia do rio, embora sua capacidade média esteja prevista para 4.500 MW, e abastecerá cerca de 26 milhões de pessoas, também contribuindo para aumentar a oferta de emprego.

No entanto, as aldeias indígenas e comunidades tradicionais que vivem nas margens do Xingu são contra a represa porque, apesar de não inundar seus territórios, desviará 80% do caudal do rio e causará, entre outros efeitos, perda de água e redução da pesca. Desde que começaram as obras preliminares, essas comunidades realizaram inúmeros atos de protesto, com ampla repercussão internacional, que aumentaram após o início da construção, em 2011.

Em abril deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também solicitou a suspensão de Belo Monte, justamente por falta de consulta aos indígenas. O governo não aceitou o pedido. “Este problema de Belo Monte deveria servir de advertência para que outros grandes empreendedores contemplem as comunidades indígenas envolvidas. Em lugar de uma atitude autoritária deve-se tomar o caminho do diálogo. Esta decisão judicial chama a atenção para a exigência jurídica do diálogo”, disse à IPS o jurista Dalmo Dallari.

“A decisão do Tribunal confirma novamente a falta de consentimento das comunidades e a necessidade de existirem estudos de impacto ambiental integrais antes de serem aprovados projetos desse tipo, que podem causar danos irreparáveis”, declarou, do México, à IPS o advogado Joelson Cavalcante, da Associação Interamericana para a Defesa do Meio Ambiente, que dá apoio legal às comunidades afetadas. “Comemoramos esta decisão porque dá esperança de que os juízes no Brasil aplicarão as leis nacionais e internacionais para proteger os direitos das comunidades e do meio ambiente”, acrescentou.

Dallari, membro da Comissão Internacional de Juristas e assessor de outras aldeias indígenas em conflitos ambientais e de terras, recordou que, em casos semelhantes, já houve consultas e que isto não necessariamente significa a interrupção definitiva das obras. Recordou o caso da central de Tucuruí, também no Pará, em que após uma consulta com as populações originárias chegou-se a um acordo que “atendeu tanto aos interesses nacionais quanto aos dos indígenas”. Depois do diálogo, foi reformulado o projeto de instalação de uma linha de transmissão para que não passasse sobre a aldeia, mas em um de seus lados, acrescentou. “Ouvir os povos indígenas não significa criar obstáculos, mas fazer os ajustes necessários”, enfatizou.

Dallari recordou outros casos, como a construção de estradas em áreas indígenas ou da hidrelétrica binacional de Itaipu, junto com o Paraguai, nos quais também não se consultou as comunidades próximas previamente. “Estas empresas encarregadas das obras costumam não se dar conta de que existe essa obrigação jurídica de ouvir os indígenas. E querem impor suas soluções contemplando apenas aspectos técnicos e econômicos, quando é preciso ouvir os aspectos humanos”, afirmou.

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